Tópicos | OPERAÇÃO SIMONIA

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), escolheu o delegado da Polícia Federal Victor Hugo Poubel para assumir a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado. A troca não foi programada: o cargo ficou vago porque o então secretário da pasta, Raphael Montenegro, foi preso ontem na Operação Simonia.

Pesa contra o indicado do governador uma investigação da própria PF por suspeita de recebimento de propina do ex-governador Sérgio Cabral. O delegado foi deletado pelo emedebista e, em relatório produzido em setembro ano passado, a Polícia Federal concluiu ser possível atestar a 'verossimilhança' entre as informações prestadas na colaboração de Cabral e outros elementos de prova. "Fortes indícios de veracidade nos fatos", diz o documento ao qual o Estadão teve acesso.

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O novo secretário começou a ser investigado ainda em 2017 em uma frente de apuração aberta a partir do material apreendido na Operação Calicute, desdobramento da Lava Jato que prendeu Cabral. O ponto de partida foi a suspeita de ligação com o ex-secretário de Obras Hudson Braga.

A delação do ex-governador, posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal Federal, veio na sequência e apontou para o envolvimento de Poubel em um suposto esquema de proteção e obtenção de informações privilegiadas sobre investigações em curso na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos (atual Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros), chefiada na época pelo delegado. De acordo com Cabral, Poubel teria solicitado o pagamento de R$ 300 mil que seriam repassados através de um escritório de advocacia.

Procurado pela reportagem, ele negou irregularidades e disse que desconhece o inquérito que o atinge ou seu envolvimento na delação anulada de Cabral. Poubel afirmou ainda que nunca foi chamado para prestar esclarecimentos.

"Desconheço totalmente qualquer fato criminoso imputado a minha pessoa, e ainda meu nome inserido em qualquer delação premiada. Isso é um absurdo!!! Sou delegado federal há 27 anos", afirmou.

Poubel entra no lugar de Raphael Montenegro, preso sob suspeita de usar o cargo para beneficiar líderes da facção criminosa Comando Vermelho. De acordo com o Ministério Público Federal, o suposto esquema viabilizaria a entrada de pessoas e itens proibidos em unidades prisionais estaduais, passando a soltura irregular de criminosos e o retorno de narcotraficantes transferidos para presídios federais.

COM A PALAVRA, O DELEGADO VICTOR HUGO POUBEL

"Desconheço totalmente qualquer fato criminoso imputado a minha pessoa, e ainda meu nome inserido em qualquer delação premiada. Isso é um absurdo!!! Sou delegado federal há 27 anos, passei por diversos setores da PF, estava trabalhando normalmente na PF do Rio, e nunca fui chamado para explicar qualquer fato desta natureza. Encaro a SEAP como mais um desafio profissional, uma missão a cumprir, numa área da complexa.

Minha indignação é gigante com esses questionamentos, pois se trata de uma pessoa condenada a centenas de anos de cadeia, que, pelo visto, atirou para tudo quanto é lado para escapar ou obter algum benefício.

Pode acreditar: sou honesto, pai de família e trabalhador. Eu não tinha como acessar qualquer sistema de consulta de investigação da PF, até porque não existe isso na PF, sendo que tudo é compartimentado no Setor de Inteligência ou na Corregedoria, o qual nunca tivesse acesso. Por essas razões isso me gera imensa indignação. Friso que estava trabalhando normalmente, e tanto a PF quanto o MPF apuram tudo com o máximo rigor legal, sem qualquer privilégio a ninguém.

Vou somente para cumprir essa missão, somente com a vontade de trabalhar para o meu Rio de Janeiro e País, contribuindo de alguma forma para a segurança pública e uma melhor vida para as pessoas de bem."

O desembargador federal Paulo Espirito Santo, da 1ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), determinou a prisão temporária, por cinco dias, do secretário de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, Raphael Montenegro Hirschfield, do subsecretário Wellington Nunes da Silva, e do superintendente operacional, Sandro Farias Gimenes.

A decisão do desembargador foi tomada por meio de representação da Polícia Federal (PF), que cumpriu os mandados de prisão dos três na Operação Simonia, deflagrada na manhã desta terça-feira (17), em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF).

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O objetivo foi desarticular esquema criminoso suspeito estabelecido na cúpula administrativa da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (Seap). Ainda na decisão, o magistrado determinou buscas e apreensões em endereços dos acusados. O nome Simonia faz referência a uma prática medieval em que detentores de cargos trocavam benefícios ilegítimos por vantagens espúrias.

Exoneração

Raphael Montenegro foi exonerado pelo governador Cláudio Castro. Para ocupar o cargo de secretário foi nomeado o delegado federal Vitor Hugo Poubel. De acordo com nota do governo estadual, a substituição “já havia sido decidida na semana passada e aguardava os trâmites da cessão do servidor público federal [delegado Vitor Hugo Poubel]”. O decreto de exoneração do secretário foi divulgado hoje, mas com data retroativa de ontem.

Ainda na nota, o governo do estado garantiu que vai ajudar nas investigações da Operação Simonia, deflagrada na manhã desta terça-feira pela Polícia Federal (PF), em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF). O objetivo da operação é desarticular esquema criminoso estabelecido na cúpula administrativa da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (Seap).

“O governo se compromete a auxiliar no aprofundamento das apurações. Nesta manhã, o governador falou com o ministro da Justiça, Anderson Torres, colocando o Estado à disposição e reforçando que o governo é o maior interessado no esclarecimento dos fatos.”

Operação

Conforme a PF, a investigação desenvolvida em conjunto com o MPF e o Departamento Penitenciário Federal (DEPEN), “demonstrou a existência de negociações espúrias entre a cúpula da Seap/RJ e lideranças de facção criminosa de origem fluminense, mas com atuação internacional no tráfico de drogas”.

Segundo a polícia, os agentes públicos realizaram diversas diligências para viabilizar o retorno de criminosos custodiados na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, para o estado do Rio de Janeiro. Os servidores franqueavam a entrada de pessoas e itens proibidos em unidades prisionais estaduais, inclusive, realizando a soltura irregular de criminoso de altíssima periculosidade, contra quem havia sabidamente mandados de prisão pendentes de cumprimento. “A investigação aponta ainda que os desvios cometidos pelos investigados foram praticados em troca de influência sobre os locais de domínio destes traficantes e outras vantagens ilícitas.”

Cerca de 40 policiais federais participaram da ação de hoje. Além dos três mandados de prisão temporária transformada em preventiva pelo desembargador federal Paulo Espirito Santo, os agentes cumpriram cinco mandados de busca e apreensão. Todos foram expedidos pelo TRF2. Além da capital, os mandados foram cumpridos nos municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

As investigações, segundo o TRF2, indicaram que a atuação de Raphael Montenegro e dos outros envolvidos possibilitava que os integrantes da facção criminosa “continuassem comandando (com maior facilidade) suas atividades criminosas de dentro da cadeia, ao passo que eles, os presos, dariam uma 'trégua' em determinadas atividades criminosas, a fim de que prevalecesse perante a sociedade e as autoridades de segurança pública uma falsa sensação de tranquilidade social”.

O tribunal informou que, conforme a PF, há também suspeita de que “os investigados supostamente negociassem pagamento de propinas, já que teriam realizado tratativas com a advogada do traficante Marcinho VP, mantido no presídio federal de Catanduvas (PR), e com defensores de outros custodiados, para transferi-los para a capital fluminense”.

Para o desembargador federal Paulo Espirito Santo, as buscas e apreensões eram necessárias para a reunião de provas dos crimes apontados, que incluem falsidade ideológica, prevaricação e advocacia administrativa.

“O aprofundamento das investigações, com a colheita da maior quantidade de elementos probatórios possíveis, faz-se absolutamente necessário para desbaratar possível estrutura criminosa enraizada no âmbito da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, cujo objetivo, em tese, é facilitar a prática do crime que mais devastou a cidade nas últimas décadas, causando milhares de mortes ao logo de todos esses anos”, completou, no despacho.

Para o procurador regional da República, Carlos Aguiar, os órgãos responsáveis pela segurança pública agiram logo que foi identificado o movimento interno da cúpula da Administração Penitenciária para realizar acordos ilícitos com integrantes da organização criminosa.

“Os órgãos responsáveis pela persecução penal foram capazes de reagir, desde o momento da identificação desse movimento ilícito até a deflagração das medidas cautelares definidas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. De certa forma, apesar da gravidade e da sensibilidade, eu diria que o poder público, os órgãos responsáveis pela segurança pública souberam lidar com o tema e reagir à altura para debelar essa prática ilícita”, afirmou hoje o procurador, em entrevista na Superintendência da PF no Rio de Janeiro, na Praça Mauá, centro do Rio.

A Agência Brasil não conseguiu os contatos das defesas dos envolvidos. A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária não respondeu à reportagem.

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