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Se fossem teorizar sobre si mesmos, pensando em como é que podem deslocar o tempo forte de lugar a qualquer instante ou criar uma massa nova sobrepondo paredes de tumbadoras a solos de bateria, os jovens percussionistas do Aguidavi do Jeje entrariam em parafuso. Muita informação para se explicar o inexplicável: o "jazz" percussivo que criam esses meninos sai dos terreiros e do instinto.

O grupo liderado pelo percussionista Hunto Luizinho abriu, no domingo, 27, a última noite do PercPan, o panorama percussivo mundial que, em sua 20ª edição, voltou para a casa, Salvador, onde fez suas primeiras aparições. Seu mote, a percussão como cultura além da própria música, parece inesgotável. As atrações que apareceram não tinham obrigatoriamente a percussão na linha de frente, mas em sua essência.

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O sobrevoo de domingo foi o mais livre. Seu recorte, pensado pelos curadores Alê Siqueira, Letieres Leite e José Miguel Wisnik, tinha o nome Das Matrizes às Batidas Contemporâneas. Assim, começou com as raízes afro de muito impacto do Aguidavi e terminam com o rap de peso de Marcelo D2. As atrações pop, criticadas por quem defende um PercPan de raiz, mais voltado para os grupos de percussão pura, entraram por uma necessidade de formato. Os shows feitos agora em praça pública, pensam os organizadores, precisam de uma isca graúda por noite.

Assim como Mano Brown na sexta, quando chegou com seu projeto dançante Boogie Naipe, D2 foi abraçado pelo conceito sem fazer força. Garantiu seus melhores momentos ao lado de Fernandinho Beat Box, o impressionante simulador vocal de batidas de rap e baterias de escola de samba, mas não preparou um show especial.

Marcio Victor, do Psirico, esteve por lá. Havia prometido que não cantaria o Lepo Lepo, seu hit mais avassalador do último verão, mas foi surpreendido pelos integrantes do grupo Samba Chula de São Braz, que puxaram a música em formato samba de roda baiano. Victor levou ao palco o que pode ser considerado a velha guarda do samba do Recôncavo, mas assumiu sua postura de liderança. Depois do show, falou com os repórteres. "Neste momento, me importo mais com projetos como esse do que com minha própria carreira." A noite teve ainda o Percussivo Mundo Novo, Gabi Guedes e Dj Cia (com Opanijé, Nelson Maca, Jorjão Bafafé e João Teoria) e o grupo Simples Rap’ortagem.

Balanço

A segunda noite se consagrou como a melhor, a mais bem resolvida do panorama. As mulheres da Galícia trouxeram sua cultura de séculos, criada por aldeãs do noroeste da Espanha. E as senhoras baianas do Ganhadeiras de Itapuã emocionaram mesmo um público que as conhece há tempos (embora só agora elas lancem seu primeiro disco, produzido por Alê Siqueira). Houve ainda Margareth Menezes, mas a melhor aposta foi deixar o fechamento para a cantora da Guiné, Sayon Bamba. No primeiro dia, o festival pecou pelo excesso de grupos vocais seguidos, três, o que cansou o público. Mano Brown no encerramento foi a notícia do dia, mostrando praticamente em primeira mão o repertório de seu disco solo, previsto para sair no ano que vem. O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ORGANIZAÇÃO DO FESTIVAL. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Galícia, noroeste da Espanha, século 18. Aldeãs usam o que têm às mãos para criar música. Suas vozes quase sempre tristes ecoam longe e seus ritmos saem de frigideiras, enxadas, conchas e latões. Mais mulheres chegam e o canto de acento árabe ganha força. Quando percebem, já são um batalhão. Aldeia de Itapuã, Bahia, século 19. Senhoras negras, ex-escravas, vivem sua liberdade recém-conquistada equilibrando balaios com peixe sobre a cabeça em longas caminhadas. Só recebem aquelas que vendem mais do que o mínimo exigido pelos patrões. Usam saias coloridas e cantam nas ruas para todos os santos o que antes só ouviam nos terreiros.

Pelourinho, Salvador, noite de sábado. Cinco cantoras da Galícia estão terminando um espetáculo quando levam um susto com o barulho dos fogos de artifício. A plateia abre um corredor e surge uma procissão de baianas. A primeira canta, outra leva uma santa, e mais 19 caminham até o palco. Sobem, abraçam as espanholas e ficam lado a lado para não deixar a tradição das mulheres de suas terras desaparecer. Quando percebem, já são um batalhão.

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Se a segunda noite do PercPan não fosse a de um festival, seria um filme.

Depois da abertura, na sexta, com grupos de percussão vocal, exceto o show de Mano Brown, o sábado foi das mulheres que libertaram e definiram expressões criadas pelo impulso rítmico. E que jamais vão aparecer nos livros de história. Da Galícia, o Leilía; da Guiné Conacri, a cantora Sayon Bamba; e, da Bahia, as Ganhadeiras de Itapuã, Banda Didá, Orquestra Obinrin e a cantora Margareth Menezes. Estavam previstos para ontem, no encerramento, shows de Marcio Victor & Samba Chula de São Braz e do rapper Marcelo D2. Os curadores José Miguel Wisnik, Letieres Leite e Alê Siqueira, com consultoria do jornalista Hagamenon Brito, trabalharam uma costura bem-feita, fazendo com que uma atração encontrasse a outra no palco para um diálogo de uma ou duas canções antes de seguir com o novo show. Da primeira à última atração, não houve pausa.

As mulheres do Leilía, com mais de 25 anos de estrada e discos que misturam as vozes das antigas aldeãs com instrumentos elétricos, foram às origens, cantando em galego e tocando percussão da mesma forma que as primeiras pandereiteiras. Mostraram Verdegaio, Danzas e O Meu Amor com uma força de tirar silêncio dos baianos. Com as Ganhadeiras de Itapuã, cantaram duas canções, e deixaram o palco para um espetáculo arrebatador que uniu três gerações de baianas, cantoras e dançarinas, acompanhadas por um grupo cheio, com percussão, baixo, violão e bandolim. Seu primeiro disco está saindo agora, gravado no estúdio de Guilherme Arantes, com produção de Alê Siqueira.

A Banda Didá, a primeira formação rítmica de mulheres na Bahia (antes de surgirem, em 1993, só havia grupos com homens), agradeceu ao seu criador, Neguinho do Samba, e reforçou sua história. "Nós somos a verdadeira cor desta cidade", disse uma das ritmistas. As 13 mulheres vestidas de vermelho elevaram a temperatura com as batidas do samba reggae e chamaram Margareth Menezes. A cantora baiana fez seu show com e sem a Didá e participou ainda da apresentação da africana Sayon Bamba, da Guiné, que trouxe nas entrelinhas de seu afrobeat e afropop, desenhados pelo groove de uma big band de sopros, baixo, guitarra e bateria, um discurso de resistência. Sayon, que vive em Marselha há dez anos, foi criada nos anos da ditadura do presidente Sekou Touré, que libertou seu país dos franceses para amordaçá-lo na intolerância, entre 1958 e 1984. Sayon, no palco, se torna uma explosão da natureza.

Mano Brown

Na sexta, Brown adiantou seu projeto solo, sem os Racionais, chamado Boogie Naipe. Quem estava ali era um rapper de pista, mais da dança do que da reflexão, embora ele diga o seguinte em um texto para a imprensa: "Considero essas músicas tão politizadas quanto as outras, ampliando a visão das pessoas para fora e para dentro de si mesmas". O disco do Boogie Naipe só vai sair depois do próximo disco dos Racionais, gravado nos Estados Unidos, previsto para este ano. Deve contar com uma parceria com Guilherme Arantes, participação de Seu Jorge e arranjo de Arthur Verocai.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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