Tópicos | Piedade Marques

“Preconceito todo negro sofre. Não tem esse”, diz, acostumada, a jornalista Paulla Badu. Esta é a realidade enfrentada por alguns brasileiros. A frase é o reflexo de conformismo ou forma de encarar a realidade latente, incômoda e presente, encravada na cultura, independente do motivo. Esta forma de subjugar ainda está presente na vida de muitos dos quase 98 milhões de negros brasileiros, conforme esse e outros relatos e análises apuradas pelo LeiaJa.com.       

“Fui andando pelo shopping e ao sair de uma loja ouvi o segurança dizer, através de um rádio de comunicação, ‘ela está limpa’, código para dizer que eu não havia roubado nada”. Esse foi um dia comum diante de tantos outros enfrentados durante os 28 anos da auxiliar de escritório Deise Pacheco. A baiana está entre os 50,7% da população negra e parda no Brasil – conforme levantamento do Censo 2010 - vítima de racismo velado nas atividades e ações mais comuns e rotineiras. 

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Como se não bastasse a suspeita de roubo, Deise ainda foi seguida por seguranças em duas das lojas que entrou e durante o percurso entre elas. “Na época, aos 20 anos, não fiz nada para, não prestei queixa para ‘não criar problemas’, mas fiquei irritada com o desaforo sofrido”.  

Olhares, recuos, piadas, mentiras, repúdios. O chamado racismo velado é a realidade da maioria dos negros. Seja simplesmente pela pele escura ou o cabelo cacheado, independentemente de idade ou status social.

A humilhação acontece até mesmo no endereço escolhido para viver. “Moro em um apartamento classe média. As pessoas daqui, quando me veem desarrumada no elevador, perguntam em qual andar eu trabalho de empregada. São racistas e classistas, que acham ruim tanto uma preta no elevador como uma empregada”, relata Isabella Puente, 23 anos, historiadora. 

Na área cultural, na qual muitas vezes impera a impressão de igualdade e respeito, a verdadeira face mostrada às vezes é outra. “Sou poeta e todas as vezes que há reunião de projetos culturais, existe aquela olhada para mim e me perguntam ‘ah você é músico?’. Inclusive, uma das vezes que iria submeter um projeto de pesquisa e eu comecei a falar, as pessoas comentaram ‘eu pensei que você fosse da música’. Perguntei o que tem a ver”, explica Fred Caju, 28 anos. Uma situação recorrente é a pergunta “você é percussionista?”, aludindo aos instrumentas característicos de religiões e expressões culturais de origem africana. 

Nem dentro de casa, entre a família, há isenção de ironias e preconceito. Nesse espaço é que eles vêm à tona em forma de “piadinhas”. Raphaela Leandro é negra e seu marido, branco. A filha fruto da união teve a mistura racial dos dois, com pele negra e cabelos lisos. Pelas características herdadas pela menina, a doutora em odontologia escuta frequentemente comentários como “esse cabelo daí escapou”. Ela conta que sua sogra um dia relatou um sonho como “terrível”. “Durante o sono ela teve um pesadelo e na história, minha filha tinha um cabelo ruim e que ela penteava e o cabelo dela enrolava. Ela contou que o cabelo era tão ruim, tão ruim, ‘pior do que o seu’, ela me dizia”.

O complexo panorama do preconceito racial

Piedade Marques, uma das coordenadoras da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, explica o enfrentamento aos casos recorrentes deste tipo preconceito. “O racismo tem que ser minimizado na sua atuação, recorrência e resultado. Ainda se escuta que os casos são apenas dramas e este é um problema apenas nosso e que nós temos que resolver porque não está presente na sociedade”. Ela ressalta a presença de uma mentalidade de “existência de racismo suave no Brasil em relação aos outros países”. 

A coordenadora ainda ressalta os casos em que os negros são apontados como racistas da sua própria raça. “Considerando que o racismo parte de um pressuposto de que um lado é inferior e o outro é superior, essa negação da raça é uma forma de reação, um reflexo da falta da aceitação de quem é. Se colocando do outro lado, como um branco, não se sentirá inferiorizado. Na ideia que a ‘branquitude’ é o ideal, eu me afasto da minha negritude”. 

O panorama do racismo teve avanços em alguns aspectos e retrocessos em outros, de acordo com Piedade. ”A exemplo das melhorias estão os jovens aceitando seu cabelo, seu estilo e ganhando adeptos. No entanto, o mapa da violência os jovens negros ainda aparecem como os maiores alvos”. Como melhoria a este cenário, a ativista defende o aumento dos “instrumentais de monitoramento para mostrar o que antes era escondido e hoje pode ser visto e reprimido. Quanto aos negros que não se aceitam, não cabe sermos racistas porque não somos sequer tratados como iguais pelos outros”.

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