Tópicos | Teatro-Museu Dalí

O Teatro-Museu Dalí de Figueras, na Espanha, tem algo de fantasmagórico. Até sua morte, em 1989, o pintor surrealista Salvador Dalí tinha o costume de caminhar pelos espaços da instituição, quando vazia. E pelas tardes, mesmo que o museu estivesse repleto de visitantes, o artista, teatral, fechava as portas da sala do Palácio do Vento para descansar na cama de colchas amarelas e pés de cobras que representa seu dormitório. "Ele dizia que o Teatro-Museu era sua última grande criação", afirma Montse Aguer, diretora do Centro de Estudos Dalinianos da Fundação Gala-Salvador Dalí. Entre 1970 e 1974, Dalí refez o local destruído em um incêndio de 1939, durante a Guerra Civil Espanhola, para que se tornasse "o maior objeto surrealista do mundo" em sua cidade natal na Catalunha.

Do lado de fora, a fachada do Teatro-Museu Dalí, que recebeu, no ano passado, 953.291 visitantes, é ladeada de reproduções de gigantescos ovos. Do lado de dentro, 11 pinturas a óleo, peças gráficas, livros, objetos, fotografias, filmes e documentos pertencentes à coleção de obras do artista na instituição catalã estão sendo preparados para logo viajarem ao Brasil. Serão apresentados, juntamente com mais 10 óleos do Museu Reina Sofia de Madri e 9 pinturas do Museu Dalí da Flórida, nos EUA, na primeira grande mostra dedicada ao surrealista na América do Sul, a ser inaugurada em 29 de maio no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro e depois, em outubro, no Instituto Tomie Ohtake de São Paulo.

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Foram cinco anos de negociações, como afirma Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake, para que se realizasse a exposição Dalí no Brasil. Joan Manuel Sevillano, diretor da Fundação Gala-Salvador Dalí, sediada em Figueras, disse que já está "salivando" para ver as cifras de público da mostra - desde 2002, vêm sendo apresentadas retrospectivas do artista em Taipei, Xangai, Tóquio, Moscou e Paris (nesta última, em 2012, no Centro Pompidou, foram 790 mil visitantes).

As exibições do artista espanhol no Rio e em São Paulo (que não receberá as pinturas do museu da Flórida) foram preparadas especialmente para os brasileiros. "Queríamos apresentar no Brasil todo Dalí, mas, sobretudo, o Dalí surreralista dos anos 1930, a época mais valorizada de sua produção, a que o fez famoso, conhecido", diz Aguer, curadora da exposição. Para se ter uma ideia, o orçamento da mostra é de cerca de R$ 9 milhões e as obras que a integram estão avaliadas em US$ 170 milhões.

Direito à loucura

Mistério, beleza compulsiva, desejo e fantasmas são algumas das "ideias dalinianas", diz a curadora, a se tornarem segmentos temáticos importantes da exposição, que terá sentido cronológico e será permeada por frases do artista. Em uma de suas várias provocações, por exemplo, Dalí afirmou: "O surrealismo sou eu", conta a curadora, que conheceu o artista, em 1986 (ele, então, com 79 anos) e se lembra até hoje de seu "olhar potente". "Se você perguntar a uma pessoa ‘Diga-me um artista surrealista’, a resposta popular será Dalí. E ele dizia: ‘Não esqueçamos que as massas sabem valorizar o sentido da poesia’", afirma ainda a pesquisadora, que se "encanta" com o absoluto Manifesto do Direito do Homem à Loucura escrito pelo pintor, que preferia se definir como "máquina de pensar".

Personalidade complexa, excêntrico, criador de uma obra que não se despende da autobiografia, Dalí se autopromovia muito antes do artista pop americano Andy Warhol, mas "seus valores eram os de Leonardo (Da Vinci) e Michelangelo", diz a curadora. "Queria ser como um artista do renascimento, refletir sobre a arte em um conceito geral e por isso desenhou joias também, publicidade e outras coisas", defende Aguer. Não à toa, Salvador Dalí colocou 14 bustos esculpidos coloridos do compositor Richard Wagner, seu preferido e associado ao conceito de "arte total", incrustados na fonte neoclássica do jardim do Castelo Gala Dalí em Púbol, que, de origem no século 11, tornou-se casa de veraneio que deu de presente à esposa na região de Figueras.

Gala conheceu Salvador Dalí em Cadaqués, em 1929. Russa e 10 anos mais velha que o artista, ela largou o marido, o poeta francês Paul Éluard, e a filha, Cécile, para se juntar ao espanhol. É impossível dissociar a figura da "mulher-mãe-musa" da vida e obra do pintor surrealista. Como também muitas vezes se faz presente no universo daliniano as menções à amizade do artista catalão com o poeta Federico Garcia Lorca e sua admiração por Picasso e Velázquez.

Mas, mais ainda, não é possível falar da produção de Dalí sem tratar da paisagem de montanhas e rochas e mar mediterrâneo da região da Costa Brava catalã, especialmente, de Port Lligat, onde o artista viveu e criou seu ateliê permanente. A construção, como o castelo de Gala, foram transformados em Museus-Casa Dalí. "A violência da força das rochas de Creus e a luz nostálgica e limpa englobam todo o discurso surrealista de suas criações", afirma Jordi Artigas, responsável pelos espaços museológicos. O surrealismo "sempre lisonjeou presenças turbulentas", escreveu a filósofa Susan Sontag. Vamos, então, dar boas-vindas a Dalí no Brasil. A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA FUNDAÇÃO ABERTIS. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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