"É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares! / Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. / Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo… e vivo escolhendo o dia inteiro! / Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranquilo". Os versos da poetisa Cecília Meireles refletem bem as escolhas inocentes da infância que todo adulto já teve, e ao menos uma vez, desejou voltar a ter. São recordações da pequenez que muitas pessoas guardam com carinho, seja uma fotografia, um brinquedo ou, até mesmo, alguns trabalhos escolares feitos com muito entusiasmo.
Nostálgicos, esses objetos fazem com que muita gente revisite o passado, época em que as responsabilidades da vida adulta não se faziam presentes e se tinha tempo para ser, essencialmente, uma criança. A universitária Alexcianny Santana, de 21 anos, é um desses casos.
##RECOMENDA##Foto: Cortesia
Da época de menina, Alexcianny ainda guarda com muito carinho alguns trabalhos feitos na escola. “Creio que o primeiro trabalho que foi em dupla, guardei porque era uma coisa nova, numa escola nova, com outras pessoas (possíveis amizades), e obviamente gostaria da lembrança em mãos”, diz. Ela ainda recorda: “O segundo trabalho guardei porque foi um sacrifício para fazer, porque eu amava a matéria de história e tinha uma admiração enorme pela professora. Mas, sobretudo, guardei os trabalhos porque na minha mentalidade da época, poderia algum dia mostrar a alguém e me sentir orgulhosa pelo trajeto em que passei”, esclarece.
Em meio às recordações, ela conta as emoções que sente ao ter os trabalhos antigos em mãos. “O sentimento que aflora é de amor, dever cumprido e orgulho, porque foram momentos bons, e poder guardar trabalhos, vídeos e fotos, é como colocar todos eles numa caixinha do tempo, e poder de certo modo revisitar, reviver e tentar sentir a mesma sensação, como se realmente por alguns segundos pudesse estar lá novamente”, descreve.
Trabalhos escolares fazem Alexcianny relembrar convivência com amigos no ensino infantil. Foto: Cortesia
Para o jornalista Mateus Araújo, estudar em duas escolas que tinham uma pedagogia com atividades práticas e lúdicas, além de estímulo à liberdade criativa, proporcionou a ele uma visão mais humanizada, crítica e inclusiva. “Eu estudei em duas escolas na minha vida. E das duas, que tinham uma pedagogia bem parecida, as melhores lembranças que tenho são da liberdade e da inventividade que elas proporcionavam a gente. Claro que naquela época eu não entendia como entendo hoje, mas foram escolas que sempre associaram aprendizado com um olhar menos mecanizado do processo, mais humanizado, crítico e inclusivo. Isso era incrível”, recorda.
Mateus faz questão de guardar trabalhos escolares da época de criança. Foto: Cortesia
Aos 28 anos, o jornalista ainda guarda com carinho seus trabalhos de escola e relata que, há pouco tempo, recebeu uma foto, de uma ex-professora, de alguns trabalhos ensino fundamental. “Esses trabalhos eu recebi de uma ex-professora, Vilma Lins – ela foi minha alfabetizadora em uma escola que não existe mais -. Ela me enviou uma mensagem, há pouco tempo, com as fotos. Na hora, mandei para minha mãe também, que sempre guarda minhas coisas da escola. Acho que guardar esses trabalhos é como guardar fotos, que ajudam a gente a relembrar as coisas, fases, pessoas...”, diz.
Envolvidos neste clima do Dia das Crianças, celebrado nesta segunda-feira (12), os professores também relembram o passado quando tudo o que as crianças queriam era apresentar seus trabalhos que tinham feito com muito entusiasmo “Em relação aos trabalhos, pesquisas, era um reboliço só. Amavam. Cobravam dos membros participação ativa quando era em equipe. Faziam questão de entregar e apresentar, porque sempre gostei de treiná-los para as futuras apresentações de seminários dos anos subsequentes. Eles faziam questão de levar (os trabalhos) para casa. Os de equipe eram sorteados para ver com quem ficava”, recorda Mônica Cunha, educadora infantil da Escola Municipal Margarida Serpa Cossart, localizada no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife.
Com vários anos em sala de aula, a professora relembra, em entrevista ao LeiaJá, os trabalhos entregues pelas crianças e fala que na época, o esforço refletia nos trabalhos criativos dos alunos. “Para que escrevessem sobre um determinado tema, eles pesquisavam mesmo, assim como ao preparar a cartolina, desenhavam ou colavam figuras referentes ao tema pesquisado. Tudo com mais responsabilidade, com mais compromisso, com vontade de acertar”, recorda.
Entre muitas lembranças do ensino fundamental, Alexcianny Santana lista, inspirada neste dia, as boas lembranças que teve na escola quando era pequena. “Na hora do intervalo, quando todos paravam para conversar; nas aulas de educação física que era divertido; e em uma ocasião em especial que tenho até hoje guardada em vídeo, todos na sala rindo, fazendo exercícios, conversando, cantando, sendo criança. Minhas maiores lembranças são de conversas aleatórias, de trocas de saberes, de apresentações de seminários, do 'até amanhã' quando largava, até chegar o momento de não poder mais dizer até amanhã, e encerrar o ciclo”, conta.
Não muito diferente, Mateus Araújo também fala sobre os sentimentos e as lembranças que vêm à tona quando rever os trabalhos feitos na infância. “Eu relembro das pessoas com as quais convivi, dos momentos que passei. De certo modo, eu consigo rever até mesmo o papel daquela escola na minha formação pessoal e profissional. Esse trabalho, por exemplo, que a minha alfabetizadora me mandou, me fez escrever um textinho agradecendo às minhas professoras da primeira escola que frequentei. Foram essas mulheres que me alfabetizaram e que, com certeza, me ensinaram valores que carrego até hoje”, diz.
A nostalgia dos trabalhos feitos em salas de aulas, dos professores que marcaram a infância, das brincadeiras com os amigos e das meninices da época, ocorre de formas diferentes em cada pessoa, e traz sentimentos bons que desencadeiam fortes emoções, como explica a psicóloga clínica e escolar Márcia Monteiro.
“Existem pessoas que vivenciam coisas maravilhosas relacionadas a essa primeira infância, e o resgate de trabalhos, cartas e fotografias promovem sensações de prazer e resgatam um passado positivo que nos leva a fortes emoções. Esse resgate pode chamar de saudade e se intensifica com o bom humor, uma vez que ela é baseada em experiências passadas, geralmente felizes em escola, festas de família, com amigos, viagens, entre outros”, explica a psicóloga.