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Uma exposição de arte que está em cartaz no Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) é alvo de polêmica e acusações de ofender “e ir contra todos os princípios religiosos e conter peças não apenas provocativas, mas caricaturas e distorções nitidamente ofensiva a símbolos das religiões cristãs”. A segunda edição da exposição coletiva “Tramações: Cultura Visual, Gênero e Sexualidades” é aberta ao público e oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPE.

As 29 obras de arte estão expostas na Galeria de Arte Capibaribe desde o dia 8 de maio e integram uma série de ações que objetivam capacitar professoras/es e estudantes de licenciatura para os desafios da aproximação com a comunidade LGBTT.

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Apesar da liberdade artística e de pensamento dentro da universidade, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) emitiu uma Nota de Repúdio contra exposição da UFPE. De acordo com o documento publicado no site oficial do órgão, dentre as narrativas expostas há ofensa e desrespeito. “Caricaturas e distorções nitidamente ofensiva a símbolos das religiões cristãs. Há desrespeito aos seus objetos de culto, aos personagens reverenciados e às narrativas sacras, como a figura de Jesus Cristo, Maria, os santos e a Bíblia, associando-os a atos sexuais lascivos, de violência, mutilação e falta de pudor”, diz um trecho da nota.

A vereadora Michele Collins (PP) também se manifestou sobre a exposição durante o pequeno expediente da reunião plenária na Câmara Municipal do Recife, na tarde da terça-feira (29). Para a parlamentar evangélica, ‘Tramações’ “vai contra todos os princípios religiosos”. De acordo com a vereadora, a mostra repete “exemplos repugnantes de uma outra realizada no ano passado no espaço Santander Cultural”, que diante de protestos das bancadas religiosas e do Movimento Brasil Livre (MBL), foi cancelada. Ela se refere a mostra Queermuseu: Cartografias da diferença na arte brasileira, sobre diversidade sexual na arte.

Ainda de acordo com Collins, a exposição deve ser investigada o quanto antes. “Ela é gratuita e aberta ao público, inclusive os adolescentes a partir de 14 anos,  podem ter acesso. Isso é muito ruim. Concordo com a Associação Nacional de Juristas Cristãos que está promovendo um repúdio à exposição, em respeito às famílias e instituições cristãs. Inclusive, quero pedir que seja realizada uma vistoria nesta exposição”, disse.

A exposição faz parte de uma disciplina homônima oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPE, cuja proposta seria de haver “leituras, diálogos e experimentações/imersões poéticas com o objetivo de pensar a produção de gênero e sexualidades por meio da cultura visual”.

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Por meio de nota, a Anajure selecionou alguns pontos em que considera a exposição ofensiva:

"1. O conjunto de peças de título ”A garantia do céu” exibe uma réplica de um quarto, onde uma boneca violentamente amarrada está deitada numa cama, abaixo da imagem de Cristo crucificado, ladeada por uma pequena mesa, onde estão elementos de culto como um altar a Virgem Maria e outros santos católicos romanos, terço romanístico, crucifixo, bíblia e santinhos, dividindo espaço com um frasco de água benta com o nome de um homem e uma vela desgastada em formato de vagina;

2. Em outro ambiente, há a construção de um pequeno altar, cujo espaço está dividido por um terço, uma vela de Sto. Antônio, pés e cabeças, replicando os objetos deixados por fiéis em agradecimento à cura de alguma doença nos membros, e uma réplica de pênis ereto;

3. Por último, a apresentação de uma bíblia cristã-protestante, dentro da qual há várias páginas rabiscadas e adulteradas, desdenhando de dogmas e narrativas, com desenhos de um ânus feminino nas suas páginas, a colagem de uma vagina feita em crochê, dizeres como “esta bíblia foi concebida sem pecado”, fotos de travestis com frases de efeito, dentre outras situações.

Verificamos, portanto, que os idealizadores destas seções replicaram cenários e estruturas, para debochar voluntária e conscientemente destes elementos e símbolos de fé, por meio da dessacralização dos seus objetos (ou seus representativos) de culto, replicando tortuosamente um ambiente de alto valor à fé cristã".

O Conselho Diretivo Nacional da Anajure informou que deverá enviar a nota de repúdio aos órgãos apoiadores da exposição, dentre eles, a reitoria da Universidade Federal de Pernambuco e ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPE. Além disso, também oficiar o Ministério Público Federal em Pernambuco e à Polícia Federal (Superintendência Regional de Pernambuco), a fim de que sejam adotadas as medidas administrativas e judiciais cabíveis, para a apuração eventual do ilícito penal.

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Em entrevista ao LeiaJa.com, a professora da UFPE e idealizadora de ‘Tramações’, Luciana Borre, explicou que a exposição é parte do projeto de pesquisa “Tramas na formação de professoras/es para questões de gênero e sexualidades” desenvolvida no departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da UFPE e Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPE/UFPB.  

“A exposição é legítima e é dentro da universidade, local onde a discussão deve ser sempre fomentada. Claro que causa certo impacto nas pessoas e muitas rupturas, no entanto, é uma discussão mais do que necessária, é urgente. E deve ser incentivada sempre. A exposição é parte de uma pesquisa pensada e embasada. O nosso objetivo acima de tudo é a formação de professores preparados para esses embates culturais”, pontuou a pesquisadora. O projeto de extensão é fomentado pelo Edital de Apoio à Pesquisa em Criação Artística/Proexc/UFPE e pelo Funcultura/2018.

De acordo com Luciana, o grupo que preparou a exposição estava preparado para algum tipo de rechaço, mas não esperavam toda a polêmica por se tratar de um ambiente acadêmico. “O que acontece é que algumas pessoas foram conhecer a exposição de maneira silenciosa e sem se identificarem fizeram algumas interpretações relacionadas a aspectos religiosos e começaram a divulgar isso, sem conversar conosco e sem procurar entender o contexto das obras de arte. Estamos tranquilos porque não há nenhum tipo de insulto ou menosprezo a rituais ou cultos religiosos. Pelo contrário, as obras que apresentam cunhos religiosos foram feitas por pessoas pertencentes a comunidades cristãs, pessoas de fé”, complementou.

A exposição busca legitimar a produção de jovens artistas pernambucanos pertencentes à comunidade LGBTT, promover ações educativas para os visitantes e comunicar as ações e resultados do projeto em eventos científicos relacionados às representações de gênero e sexualidades. “A violência que percebo é a de pessoas que fazem diversos comentários com violência nas redes sociais e desconhece o propósito das obras, além do contexto da exposição. A gente entende que a compreensão de movimentos artísticos e discussões estéticas não faz parte do repertório sociocultural da maioria das pessoas, então é por esse motivo que nosso objetivo é promover essas ações educativas e convidar todos a conhecerem, trocarem ideias e pensamentos de maneira respeitosa”, informou Luciana.

Sobre os comentários de lideranças evangélicas, a pesquisadora diz que está aberta ao diálogo e faz um convite para que as pessoas possam conhecer ‘Tramações’. “A fala da vereadora Michele são comentários de quem não visitou a exposição e não está aberto a conversa com o diferente. É nossa responsabilidade enquanto professores trabalhar com esse tipo de questão da diversidade cultural e religiosa. É o acolhimento das diferentes maneiras de pensar. Não há possibilidade da exposição ser retirada e essa aversão é um dos reflexos desse contexto maior de conservadorismo extremo no país.

Confira o documento, no formato de convite, da exposição:

"Tramações (2a edição) é uma exposição coletiva que integra uma série de ações que objetivam capacitar professoras/es e estudantes de licenciatura para os desafios da aproximação com a comunidade LGBTT. É parte do projeto de pesquisa “Tramas na formação de professoras/es para questões de gênero e sexualidades” desenvolvida no departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da UFPE e Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPE/UFPB. Também se configura como um projeto de extensão fomentado pelo Edital de Apoio à Pesquisa em Criação Artística/Proexc/UFPE e pelo Funcultura/2018. Os objetivos específicos da exposição são: (1) Desenvolver ações de arte/educação para formação de professoras/es da educação básica e estudantes de licenciatura sobre questões de gênero e sexualidades; (2) Capacitar trinta professoras/es e estudantes de licenciaturas em artes visuais para questões de gênero e sexualidades; (3) Legitimar a produção de jovens artistas pernambucanos pertencentes à comunidade LGBTT - grupo culturalmente marginalizado; (4) Promover ações educativas para as/os visitantes da exposição; (5) Comunicar as ações e resultados do projeto em eventos científicos relacionados às representações de gênero e sexualidades.

Destaca-se que as ações de curadoria, montagem, expografia e mediação cultural foram/são realizadas em coparticipação com os estudantes durante formação pedagógica. Bem como as produções artísticas que foram pautadas em narrativas pessoais. Ressalta-se que nenhuma das obras citadas pela nota de repúdio emitida pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE –, no dia 28 de maio de 2018, trata de insulto, menosprezo, desprezo e/ou ultraje a atos, rituais ou objetos de culto religioso. Trata-se sim, de uma ressignificação de objetos oriundos das memórias, lembranças e registros subjetivos dos artistas envolvidos. Vale ressaltar que as produções mencionadas foram elaboradas por artistas que também fazem parte da comunidade cristã e que professam discursos de fé, embora não se sintam impedidos de problematizar e refletir sobre eles.

De fato, Tramações (2a edição) busca o encontro respeitoso de ideias contrárias, a desestabilização de verdades consolidadas e a provocação de olhares para a legitimação das diferenças sem a intenção de ofender a imagem e/ou crenças de grupos religiosos. O grupo proponente de Tramações (2a edição) entende que a compreensão dos movimentos artísticos, das discussões estéticas e da fruição do campo das Artes Visuais não faz parte do repertório sócio cultural da maioria dos integrantes da comunidade acadêmica da UFPE. Com isto em mente e buscando atingir o nosso 4o objetivo (Promover ações educativas para as/os visitantes da exposição) convidamos a todos interessados para uma visita mediada a nossa exposição com a intenção de compartilhar experiências/modos de pensar e acolher concepções distintas as nossas. Tramações (2a edição) insere-se em um contexto educativo, por isso, estamos ansiosos pela oportunidade de trocar, respeitosamente e cordialmente, modos de pensar".

Serviço

Exposição Tramações (2ª edição)

Av. da Arquitetura, S/n - Campos Universitários, Recife - PE

Galeria Capibaribe/CAC/UFPE, 9 de maio a 28 de junho de 2018

Horário: 10h às 19h

Gratuito

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