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Se o corpo é memória, gravar novos discursos sob sua superfície pode mudar uma história. Ao lançar a campanha “Transmute sua história”, a tatuadora caruaruense Fernanda Souza se depara com o maior desafio de sua carreira de três anos. Durante todo o mês de março, por iniciativa própria, a artista tomou para si a responsabilidade de cobrir com tatuagem definitiva as cicatrizes de mulheres vitimadas por agressão física, sem cobrar nada por isso, arcando com todos os custos do procedimento. 

Sentada em um dos bancos da Praça de Casa Forte, na Zona Norte do Recife, a poucos metros do novo estúdio, Fernanda se esforça para conversar sobre a campanha. Tímida, ela conta que a iniciativa está diretamente ligada a sua trajetória pessoal. “Aos 18, ainda em Caruaru, fui brutalmente agredida por um homem, conhecido meu. Geralmente, vem de onde você menos imagina, de gente próxima. É difícil até denunciar, porque você acha que não vão entender o que está acontecendo”, lembra. 

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A superação do trauma veio junto com a profissionalização no desenho. “Estou em um momento de me colocar como mulher na minha produção, trazer essa vivência. Agora trabalho também em uma série de seis desenhos à aquarela, chamada ‘Mulheres nu infinito’, onde exponho a nudez feminina”, comenta. A tatuadora ressalta ainda que, em sua área, o trabalho das profissionais do gênero feminino é questionado. “Existe muita desconfiança no nosso trabalho das mulheres. É comum a gente ouvir que tem mãos ‘pouco firmes, por exemplo’”, relata. 

Por outro lado, os abusos sofridos por algumas clientes de profissionais do gênero masculino, faz com que sua freguesia seja majoritariamente feminina. “Muitas das que chegam no meu estúdio se dizem felizes por terem encontrado uma mulher tatuadora. Infelizmente, alguns colegas se excedem durante o trabalho, pedindo que elas tirem mais roupa do que é preciso para fazer o desenho, por exemplo”, lamenta.

Desenhos serão feitos de acordo com a história e as ideias de cada vítima. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Tabu

A primeira fase da campanha consiste em ouvir os relatos. “A criação do desenho será feita de acordo com o que a mulher quiser, estarei totalmente aberta. Meu trabalho é autoral, a tatuagem será feita de acordo com a história e a intenção da mulher”, explica. Desta forma, a tatuadora acredita que é possível ressignificar as cicatrizes. “A palavra ‘transmutação’ está no título da campanha porque nosso objetivo é colocar, no lugar dessa marca, uma coisa boa, um significado positivo. Você não vai precisar olhar para cicatriz durante o banho ou na hora de trocar de roupa, nem vai precisar explicar o que aconteceu às pessoas que perguntam”, completa.

Ainda que gratuita, a campanha ainda não foi acionada por nenhuma mulher. Pelo que apontam os dados, contudo, a falta de procura parece paradoxal. De acordo com a pesquisa 'Relógios da Violência', do Instituto Maria da Penha, a cada 7.2 segundos, uma mulher é vítima de violência física no Brasil. Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública registra que, de onze em onze segundos, uma pessoa do gênero feminino é estuprada. Para Fernanda, as vítimas enfrentam enorme dificuldade para falar sobre os ataques. “Eu também passei por esse momento de ficar travada na hora contar o que tinha ocorrido. No caso da conversa comigo, a mulher só precisa falar do que se sentir a vontade”, conclui. 

Serviço

Fernanda Souza

Estúdio: Rua Visconde de Ouro Preto, 156, Casa Forte, Recife

Contato: fsouzatattoo (Instagram)

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