Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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O Voto ziguezague

Gustavo Krause, | ter, 04/02/2014 - 14:39
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Voto. Palavra curta e de enorme significado. Muita coisa bonita e muita coisa feia podem ser ditas sobre sua história. A mais bonita: uma conquista da humanidade, elemento constitutivo da cidadania e mecanismo essencial para aferir a preferência das maiorias de modo a legitimar as competições eleitorais e a alternância pacífica do poder.

O que tem de feio é que a prática nem sempre corresponde à bela teoria. A história do voto é uma história de exclusões e inclusões. De outra parte, como expressão manifesta de preferência nas regras do jogo democrático, nem sempre reflete a consciência livre e a vontade soberana do eleitor ao escolher seus representantes a quem, em grande medida, confiam o destino da coletividade.

 

No caso brasileiro, são inegáveis os avanços dos processos eleitorais em contraste com o anacronismo dos sistemas partidários e eleitorais alimentado pela falta de vontade política em aperfeiçoá-los.

 

Com efeito, o percurso histórico do voto no Brasil foi marcado, ora pela falta de democracia, ora pela exclusão social, até que a Constituição de 88 transformou o País num amplo colégio eleitoral de 140 milhões de votantes.

 

Um voo rasante sobre a história é capaz de demonstrar a evolução e, até mesmo, curiosidades sobre o voto no Brasil.

 

- O voto indireto para os Conselhos Municipais (ou Senados da Câmara). A primeira eleição: 23 de janeiro de 1532. Dois representantes escolhiam os integrantes do colegiado. O voto era um fato local.

 

- O voto luso-brasileiro. Em 1821, o Brasil votou pela primeira vez, em âmbito nacional, para escolher representantes junto às Cortes portuguesas observando os dispositivos da constituição espanhola. Foram eleitos 72 brasileiros. Cinquenta chegaram a Lisboa.

 

- O voto dos “homens bons” e dos “homens novos”. Era o voto censitário. Prerrogativa dos que tinham posses equivalentes a cem mil réis, depois duzentos mil réis, aí incluídos a nobiliarquia e os emergentes (“homens novos”).

 

- O voto por procuração. Este era apenas um tipo de voto que assegurava a fraude, extinto em 1843. Neste sentido, é importante registrar que a fraude e a intimidação estiveram presentes ao longo do Império e da República Velha de forma ostensiva e violenta (o voto não era secreto). A intimidação ostensiva ocorria com a ajuda dos “capoeiras” e dos “cerca-igreja” (de 1824 a 1881, quando a Lei Saraiva instituiu o título de eleitor). Até então, as eleições eram realizadas nos templos católicos.

 

- Voto de cabresto, curral eleitoral, eleições de bico de pena e o voto fósforo. A constituição de 1891 adotou o voto  secreto, porém, excludente (não votavam menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados, indígenas e membros do clero). No entanto, a fraude corria solta, legitimada pelas oligarquias estaduais. O cabresto revelava a dominação do chefe político; o curral ou viveiros era um local de reclusão do eleitor, transportado do interior, alimentado e mantido incomunicável até a hora de votação; a eleição de bico de pena era uma tramoia das comissões eleitorais que elegiam os candidatos de acordo com o sistema de poder, inclusive, lavrando atas escritas na véspera da eleição; o voto fósforo “riscava” a urna que era semelhante a uma caixa de fósforo, várias vezes, ressuscitando eleitores mortos e ausentes.

 

De fato, o código de 1932 (voto feminino, criação da Justiça Eleitoral, etc..), seguido de outros códigos e leis específicas buscaram limpar a sujeira das eleições. Recordo-me da cínica resposta de um deputado pernambucano, nos idos da década de oitenta, quando confrontado com a irreverente pergunta: “Tá difícil comprar voto?” Lampreiro, ele não perdeu a bossa: “Estou tranquilo, não compro, vendo”.

Que avançou, avançou, mas o voto, a moeda da democracia está mais valorizada do que nunca no mercado político. No atacado, o balcão dos negócios; no varejo, a cabeça do eleitor de opinião, cada vez mais reduzido, uma confusão enorme: 40 partidos, ideias, princípios, doutrina, visão ideológica, tudo misturado em cinquenta tons de cinza; no marketing, o ilusionismo associado à neurociência.

 

E aí como votar? Primeiro uma tendência ditada pela desilusão que é não votar, ou, votando, criando o Voto Ziquezague, uma chapa personalíssima que vai do capital ao trabalho, da esquerda para a direita (?), do verde ao cor-de-rosa.

 

Resta uma advertência: “Não é política que faz o candidato virar ladrão; é o voto que faz o ladrão virar político”.

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