No último trimestre de 2023, os perfis oficiais do prefeito do Recife João Campos (PSB) foram tomados por comentários de usuários de todo o país enaltecendo os trabalhos feitos por sua gestão, a maioria em tom humorístico. As contas, ao interagirem nas publicações, reagem de forma exagerada e cômica, agradecendo por todo o trabalho realizado pelo prefeito em sua gestão.
O fenômeno se espalhou, sendo comum atualmente observar comentários desse tipo se referindo a Campos em qualquer publicação do prefeito no Instagram. Tudo começou quando vídeos de teor humorístico começaram a circular, em que se faz sátira sobre as pessoas que defendem cegamente seus políticos “favoritos”. Nesse tipo de conteúdo, é comum ser dita a frase “não fale assim do meu prefeito”, defendendo o político, mesmo que a cidade não esteja nas melhores condições estruturais.
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No entanto, o efeito reverso aconteceu na capital pernambucana, quando o termo “meu prefeito” começou a ser utilizado, se referindo ao atual gestor municipal, devido às melhorias na cidade divulgadas nas redes. Comentários e respostas a João Campos demonstrando afeto e agradecimento cresceram ainda mais quando uma pesquisa realizada pelo Instituto RealTime Big Data da TV Record, publicada no final de dezembro, apontou que 80% dos recifenses o aprovam como gestor do município. Já no início de janeiro, outra pesquisa, realizada pela Atlasintel, indicou que João Campos é o prefeito de capital mais bem avaliado no Brasil, com 80% de aprovação na lista geral.
Os comentários feitos pelos usuários são geralmente relacionados ao conteúdo da publicação, mas também podem vir sem um contexto específico. Em um vídeo em que Campos aparece comendo um milho, um usuário se prontifica para levar um fio dental para que ele não fique com fiapos da fruta entre os dentes. “Meu prefeito, tô levando um fio dental pra tirar os fiapos dos seus dentes, se preocupe não que eu tô chegando”, diz.
Imagem: Reprodução/Instagram
Outros comentários são ainda mais irreverentes, como o que se prontifica para ajudar o prefeito a mastigar a comida. “Meu prefeito, se o senho quiser eu empresto a chapa de voinha pra não desgastar seu dentinho”, diz o comentário, que no momento em que foi visto para esta matéria, contava com 6.671 curtidas.
Imagem: Reprodução/Instagram
Mas afinal, o que essa popularidade pode significar no longo prazo, quando se trata de política e campanha eleitoral? Ao LeiaJá, o sociólogo Maurício Garcia, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), explica que mesmo com as novas ferramentas à disposição para se comunicar e se expressar, o comportamento humano se mantém similar ao que era antes da era da tecnologia e acesso à informação. “Antigamente esses fenômenos já ocorriam, mas o tempo e a estrutura para sua disseminação eram mais ‘orgânicos’, mais lentos e dificilmente atingiam tantas pessoas, mas já existiam”, comenta.
“Essa identificação com João Campos só existe e se torna viral porque elas têm aderência na sociedade. As pessoas ‘compram’ essas versões e embarcam nela. Mas o grande ponto é que explodem de sucesso, tornam-se virais porque elas têm lastro, têm aderência e isso é uma conquista do carisma e, principalmente, das ações e entregas do prefeito pela cidade”, continua o especialista.
Imagem: Reprodução/Instagram
Equipe de marketing preparada
Apesar de a repercussão do meme nas redes sociais do prefeito ter acontecido de forma orgânica, como comentou o sociólogo, muitas pessoas percebem que houve um grande aproveitamento por parte da equipe de marketing da gestão, que entrou na onda para criar conteúdos mais atraentes para todos os públicos. Os resultados obtidos por essa dinâmica vêm de uma combinação de fatores, que incluem o carisma do prefeito e as entregas da prefeitura.
“(...) São ingredientes de uma bem azeitada engrenagem de comunicação que o cerca, de maneira bastante eficiente. Se ele não tivesse entregado, se ele estivesse em débito com a população, ou estivesse mentindo, mesmo que tivesse o maior carisma do mundo, não seria o sucesso que tem sido. É um bem-acabado exemplo de boa utilização do marketing governamental, ou administrativo, por enquanto diferente do marketing político, com caráter eleitoral. Mas esse já está gestado em paralelo com o administrativo. Esse é o roteiro bem-feito”, analisa Garcia.
Imagem: Reprodução/Instagram
Mirando a campanha eleitoral
A crescente popularidade de João Campos nas redes, além dos bons números que ele apresenta em pesquisas oficiais, faz gerar a certeza de sua reeleição no pleito de 2024, ou ao menos ter uma boa dianteira de seus concorrentes, como explica Maurício Garcia. “A estratégia dele é acumular o máximo desse capital para entrar na campanha com ‘várias voltas à frente’ dos concorrentes. Ao ponto até, e isso claramente já está ocorrendo, de assustar os adversários e eliminá-los da disputa”, comenta.
Imagem: Reprodução/Instagram
No entanto, é preciso levar em consideração os públicos que de fato interagem com as publicações. É comum que os usuários que comentam no perfil do prefeito, que passou recentemente da marca de 1 milhão de seguidores, sejam de outras cidades, ou até mesmo de outros estados. Segundo a doutora em ciência política, Priscila Lapa, pensar que o bom rendimento nas redes vai reverter votos automáticos em João Campos pode ser considerado uma “ilusão”. É possível que haja uma transferência de votos por outros fatores, ela explica.
“Quando você tem contexto de alianças políticas, quando você olha pro contexto, no caso que é uma eleição municipal, mas você tem um plano de fundo estadual, você tem um plano de fundo nacional que precisa também ser considerada porque essas orientações políticas macro também orientam o direcionamento do eleitor. A pessoa pode gostar muito da performance de João, simpatizar com agradar da forma como ele age nas redes sociais, mas não querer votar nele, não ser eleitor dele. Isso pode acontecer, isso na verdade acontece”, afirma Lapa à reportagem.
Imagem: Reprodução/Instagram
Para além da dianteira que um prefeito em mandato já tem, por natureza, a uma possível reeleição, Campos possui “meio caminho andado” com ajuda dessa popularidade digital, de acordo com a explicação de Lapa, mas que não necessariamente garante a vitória nas urnas. O desafio, no entanto, é ganhar outros espaços na opinião pública, protagonismo, pautar a agenda política, entre outros fatores, como diz a doutora.
“Você precisa de recursos que geralmente garantem vitórias, que é a aliança, você precisa fazer espaços de palanque, você precisa de inserção nas comunidades, você precisa ter uma agenda clara para atender à demanda dessas comunidades, e você precisa de recurso financeiro, realmente para poder fazer entregas que possam reverter em voto. Então é um é um é meio caminho andado, cria um pioneirismo cria um favoritismo, mas não necessariamente garante a eleição da pessoa”, avalia.
Imagem: Reprodução/Instagram
Oposição poderá ter trabalho extra
De fato, a corrida eleitoral de 2024 no Recife será uma arena interessante de observar, principalmente em relação a como os candidatos concorrentes vão se comportar e levantar as fraquezas de seus adversários, em especial João Campos. Priscila Lapa afirma que a atuação da oposição é um movimento natural dentro de qualquer democracia, permitindo que “existam forças de oposição atuante e que possam também influenciar o comportamento e a opinião das pessoas”.
O que a especialista avalia, no entanto, é como esses espaços do contraditório e do questionamento serão utilizados pela oposição. “(...) o que se coloca como desafio pra essa oposição, é encontrar as lacunas de opinião pública que sejam capazes, suficientes, pra gerar um efeito contrário, um efeito de contraditar, de poder fazer com que, por exemplo, o gestor fique na defensiva, que ele saia da postura ativa que ele assumiu (...)”, comenta.
“Por exemplo, é muito comum a oposição ganhar força e visibilidade quando ela consegue dizer que uma obra desperdiçou recurso público, ficou inacabada, quando ela foi feita de uma forma digamos assim, de alguma maneira suspeita, e aí você coloca o gestor numa posição defensiva e não mais numa posição ofensiva, pensando em estratégia. E aí desse ponto de vista a oposição sim tem tido sim muita dificuldade porque ela foi claramente colocada nessa condição reativa e não na posição pautar o comportamento do ator do executivo”, conclui.
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