Nos últimos 10 anos, a Prefeitura de São Paulo gastou pelo menos R$ 1,2 bilhão, em valores corrigidos, com ações que foram indicadas pelos vereadores da cidade por meio de emendas parlamentares. O valor é equivalente a duas vezes o preço do corredor de ônibus da Radial Leste, uma obra planejada desde 2011, mas ainda não executada.
As emendas são determinações para gastos que os vereadores incluem no projeto de lei do orçamento do ano seguinte. Na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa paulista, as emendas são "impositivas", o que significa que os governos federal e estadual são obrigados a cumpri-las. No caso da capital, não: a Prefeitura decide se vai ou não atender as indicações dos vereadores.
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Nesta legislatura, o acordo entre a Câmara e a gestão Bruno Covas (PSDB) foi que cada vereador, independentemente do partido, teria direito a uma cota de R$ 4 milhões por ano para gastar com emendas. Como a casa tem 55 vereadores, essas ações somam R$ 220 milhões por ano, uma verba similar ao orçamento anual destinado, por exemplo, à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (R$ 255 milhões), que cuida de todos os parques da cidade.
O professor e pesquisador Marco Antonio Carvalho Teixeira, do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, destaca que a prática traz problemas para o funcionamento ideal da democracia, e critica a distribuição das emendas.
"Tem uma questão que é crucial: eles estão decidindo como gastar o dinheiro público. Do ponto de vista republicano, isso é altamente questionável. Porque o filtro e o critério estão nas mãos deles. O que os vereadores vão fazer? Vão alocar dinheiro público tendo como filtro o interesse deles. Vereador foi eleito para isso?", questionou. "Outro dado é também de cunho eleitoral. Esses vereadores já têm recursos do fundo eleitoral, fundos são geralmente grandes, e eles ainda têm esse fator de desigualdade que é manuseio de dinheiro público, que os coloca em uma posição de competição, por ter mandato, extremamente desigual com quem não tem esses recursos."
Neste ano, a grande maioria dos atuais vereadores deverá tentar a reeleição.
A gestão Covas publicou em seu site as planilhas com as emendas liberadas nos últimos 10 anos. O material foi retirado do ar no período eleitoral. Os dados anteriores a 2013 eram apenas parciais. Havia ainda obras cujos recursos constavam como liberados mas que, no fim, não foram gastos, como a reportagem constatou em um campo de futebol de várzea da zona leste, que deveria ter ganhado vestiário.
Eventos
Os gastos com os eventos - que são os principais destinos das emendas - foram crescendo ano a ano neste mandato. Em 2017, eles somaram R$ 33,4 milhões. No ano passado, foi de R$ 70,5 milhões.
Vereadores de partidos distintos destinaram R$ 55 milhões com campeonatos e apresentações de esportes. Essas ações passaram a ser alvo do Ministério Público após uma auditoria interna da Prefeitura indicar irregularidades.
As apurações apontaram que 23 eventos esportivos realizados a partir das emendas, entre novembro de 2017 e junho de 2018, tiveram indícios de superfaturamento, com "prejuízo potencial de R$ 856.095,46". Além disso, os auditores apontaram "existência de vínculo pessoal entre entidades e fornecedores por elas contratados, e possível participação de empresa de fachada na cotação/execução dos Termos de Colaboração (os contratos com a Prefeitura)".
A apuração da CGM não aponta nenhuma responsabilidade dos vereadores nas irregularidades, citando falhas de procedimentos na Secretaria Municipal de Esportes como motivo para o prejuízo ocorrer. Além dos preços cobrados pelas entidades acima dos da média do mercado, a auditoria apontou que melhoria nas práticas da pasta poderiam ter resultado em uma economia extra de outros R$ 312 mil.
A secretaria de Esportes disse, por nota, que as investigações da CGM levaram à abertura de 14 processos administrativos contra as entidades, com base na Lei Anticorrupção, em junho deste ano. Segundo a secretaria, após a auditoria, passou-se a exigir das entidades contratadas mais documentos, como a Certidão de Idoneidade do Tribunal de Contas da União.
Para o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, eventos podem ser usados para conquistar apoio político pelos vereadores com mais facilidade do que outras ações. "Eles têm, obviamente, uma característica político-eleitoral muito forte por dois motivos: pela quantidade de pessoas que participam e visualizam o evento, e a questão temporal - porque aquilo imediatamente pode ser visualizado pelo cidadão e eleitor." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.