Em um cruzamento no bairro do Espinheiro, Cícero Silva, de 43 anos, expõe a sua arte. O ofício de artesão veio em forma de herança deixada pelo pai e que mantém há 20 anos. A "oficina" não é longe de onde ele resolveu fazer morada. O artesão reside em uma estrutura improvisada com uma lona na calçada de um laboratório particular de análises clínicas.
O espaço, além de abrigar Cícero, também é ocupado pela companheira, o material de trabalho, casas de boneca, entre outras peças que produz. Contrastando com o ritmo acelerado da via, ele fala calmamente com a reportagem enquanto finaliza uma encomenda, uma casa de boneca que deve ficar pronta até o próximo sábado (15).
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O artesão conta que antes da pandemia de Covid-19, trabalhava como pedreiro e morava em uma casa alugada na cidade de Olinda, Região Metropolitana do Recife. “Antes eu morava em Olinda, tinha uma casa alugada e trabalhava como pedreiro. Acabei perdendo o emprego durante a pandemia. Antes de voltar para o artesanato, eu pedia uma ajuda por aqui”, relembra.
Nas contas dele, já se somam 190 dias em situação de rua e dois meses dedicados às casinhas de boneca e outras peças, como porta jóias. De acordo com Cícero, as peças são produzidas por encomenda e a maioria são arquitetadas por ele. “Eu penso em uma modelo, passo verniz, mas, sempre deixo do jeito que o cliente quer”, ressalta.
As casas são planejadas por Cícero, mas, ele deixa do jeito que o cliente quiser. Foto Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
Todos os dias, exceto quando chove, Cícero começa o trabalho às 6h da manhã e finaliza às 17h, mas como tem encomenda, o horário se estende até o final da noite. Em média, segundo o artesão, uma casa de boneca leva entre quatro ou cinco dias para ser finalizada, a depender do tamanho, e os valores variam entre R$ 30 e R$ 80.
À reportagem, ele fala sobre a necessidade de ter material para continuar a construir as casas. “Eu uso papelão, cola, palito de picolé. Todas as casas têm como material principal o papelão. Se eu pudesse, faria minha casa de papelão também”, diz. Em um cartaz feito também de papelão, Cícero pede aos pedestres e motoristas, que passam constantemente pelo cruzamento do bairro nobre, a doação dos materiais para dar continuidade às produções.
Sem celular, o aparelho que tinha quebrou há pouco tempo, as encomendas precisam ser feitas presencialmente. Questionado sobre se todos os pedidos são retirados após a solicitação, o artesão conta que já aconteceu de não irem buscar a encomenda. No entanto, isso não parece um problema para ele. “Não se perde. Alguém compra”, afirma.
O artesão, aravés de um cartaz, pede ajuda para conseguir os materiais para produção das peças que serão vendidas. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
Enquanto junta o valor necessário para comprar um outro celular, Cícero "faz propaganda" do seu trabalho por meio de um banner doado por uma pessoa que avistou a 'oficina' enquando passava pela via. "Esse cartaz eu ganhei. Antes, era um cartaz de papelão que eu fiz e ainda está ali [apontando para uma árvore]. Uma pessoa de bom coração chegou aqui e me deu essa placa", conta.
Na esperança de dias melhores, ele ressalta que está em busca de emprego. "O artesanato é algo de agora, mas, se aparecer um emprego, eu quero. Pode ser de pedreiro, pintor, eletricista. Eu quero", reforça. Durante todo tempo da entrevista, Cícero não tira os olhos da casinha. Afinal, o tempo de entrega se aproxima. Nada passa despercebido por ele e o importante é que tudo está perfeito para o cliente.
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