Depois de oito anos de bravatas e ameaças, Mahmoud Ahmadinejad deixou a presidência do Irã no último fim de semana de maneira discreta, isolado não apenas nos círculos internacionais, mas também dentro de seu próprio país. Não bastasse ter caído em desgraça com os aiatolás, Ahmadinejad deixa o cargo, como o presidente mais impopular da história entre a população iraniana, segundo pesquisas. Para analistas, seu legado é o de ter reservado um lugar cativo para o Irã na pauta do Ocidente, ainda que de forma negativa. Entre os iranianos, prevalece uma sensação de alívio tanto entre os cidadãos comuns quanto entre as autoridades do regime agora que Ahmadinejad saiu.
"Uma mostra do legado de Ahmadinejad é o fato de que, na cerimônia de posse Hasan Rouhani, no domingo passado, ele nem ao menos esteve presente. Eu diria que a maioria da população, assim como as autoridades do regime, estão aliviadas agora que Ahmadinejad saiu da presidência", afirma o diretor da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã, Hadi Ghaemi, um iraniano radicado nos Estados Unidos.
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Esse discreto fim de mandato é o ocaso de um político ainda jovem - Ahmadinejad deixa a presidência com apenas 56 anos de idade -, mas de habilidades diplomáticas e administrativas bastante contestáveis. Em seu país, ele será lembrado como o presidente que entregou a seu sucessor uma economia em frangalhos, resultado de uma mescla de sanções externas e má gestão de recursos.
Outro fator a pesar contra Ahmadinejad no quesito popularidade foi a repressão aos protestos ocorridos no país na esteira das eleições presidenciais de 2009, quando ele foi reeleito. Na ocasião, a oposição denunciou fraude eleitoral, mas os protestos contra os resultados oficiais foram brutalmente reprimidos pelas forças de segurança, assegurando a permanência de Ahmadinejad. "O cidadão comum ficou muito descontente com essa experiência", afirma Ghaemi.
Fora do Irã, Ahmadinejad certamente será lembrado pela retórica bombástica. Ao longo de oito anos de governo, suas bravatas incluem ameaças das mais diversas, desde a de "varrer Israel do mapa do Oriente Médio" à de fechar para navegação o Estreito de Ormuz, por onde passam aproximadamente 40% de todo o petróleo vendido no mundo. O ex-presidente iraniano também acumulou declarações extravagantes, como a negação da existência de homossexuais no Irã e seus persistentes questionamentos ao Holocausto.
Carreira política - Na década de 1980, depois de militar em uma organização estudantil cuja principal missão era impedir os jovens de simpatizarem ou se aliarem com o grupo extremista Mujahedin e-Khalq, ele iniciou a carreira política na província de Azerbaijão Ocidental, onde foi prefeito biônico das cidades de Maku e Khoy. Em 1993, Ahmadinejad foi indicado governador-geral da recém-criada província de Ardabil, função que exerceu por quatro anos.
Seu primeiro cargo eletivo foi conquistado somente em 2003, nas eleições para a Câmara dos Vereadores de Teerã. Na ocasião, o índice de comparecimento às urnas foi de apenas 12% e a casa legislativa acabou dominada pelos conservadores. Empossados, os vereadores então elegeram Ahmadinejad prefeito da capital iraniana, dando a ele projeção nacional.
Nos dois anos seguintes, Ahmadinejad conseguiu capitalizar o descontentamento dos iranianos com as infrutíferas tentativas de diálogo com o Ocidente defendidas pelo presidente moderado Mohammed Khatami. Em 2005, elegeu-se presidente com 62% dos votos, derrotando em segundo turno o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani.
Presidência - Uma vez eleito, porém, a falta de habilidade diplomática somada à retórica bombástica de Ahmadinejad acabou por aprofundar o isolamento internacional de um país que já figurava na mira do Ocidente - mais especificamente dos Estados Unidos - desde a Revolução Islâmica, em 1979.
O resultado de tudo isso pode ser constatado nos números da economia. O Irã já era alvo de duros embargos quando Mohammed Khatami, o antecessor de Ahmadinejad, era presidente. Ainda assim, o produto interno bruto (PIB) do Irã cresceu a uma taxa superior a 7% ao ano durante seus dois mandatos, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Hadi Ghaemi observa que, apesar de todas as sanções, a receita do Irã com as exportações de petróleo nunca foi tão grande quanto durante os anos em que Ahmadinejad esteve no poder. "E mesmo assim a economia iraniana está uma completa bagunça, em grande parte por causa de erros administrativos e do aprofundamento das sanções. E esta é a causa de grande parte de sua popularidade", afirma.
O resultado de anos de embargos somados à má gestão sob comando de Ahmadinejad foi uma desaceleração no crescimento do Irã de 12,88% ao ano na virada de 2005 para 2006, quando ele já era presidente, para apenas 0,36% de expansão no fim de 2012, segundo dados do Banco Central do Irã. Ao fim de oito anos, o crescimento econômico médio anual iraniano não chegou a 2,5% sob liderança de Ahmadinejad.
A piora na economia inclui um enfraquecimento acentuado da moeda local, o rial, que perdeu 75% de seu valor durante seus dois mandatos, e uma escalada na inflação, que saiu de 10% ao ano nos primeiros anos de Ahmadinejad no poder para mais de 40% no primeiro semestre de 2013.
Legado - O legado de Ahmadinejad é muito negativo, constata Ghaemi, apontando uma série de motivos: "A mídia iraniana está repleta de relatos de um país em ruínas por causa da má administração de Ahmadinejad. A economia, as relações exteriores, o ambiente, todos esses setores sofreram terrivelmente. Além disso, a corrupção disseminou-se durante a presidência de Ahmadinejad. E é claro que, internacionalmente, a política externa isolou tremendamente o Irã e resultou em sanções econômicas que prejudicaram demais o país e o povo". Segundo ele, os cidadãos comuns avaliam a situação atual como pior do que quando Ahmadinejad assumiu a presidência. "Não é de espantar que ninguém vai sentir falta dele."