Tópicos | Assassinos da Lua das Flores

Por Geraldo de Fraga

Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, 2023) nos leva até o estado americano de Oklahoma. Lá, em 1897, foram encontradas várias reservas de petróleo nas terras pertencentes ao povo indígena Osage. A descoberta deixou os membros da tribo milionários e transformou a cidade de Fairfax numa espécie de 'meca do óleo', atraindo centenas de trabalhadores (alguns honestos e outros não).

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Na década de 1920, o ex-combatente da I Guerra Mundial Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) chega ao local para morar e trabalhar com seu tio, William Hale (Robert De Niro), um fazendeiro e líder querido da comunidade. Ele incentiva seu sobrinho a se casar com a herdeira Osage Mollie Burkhart (Lily Gladstone), prática comum dos homens brancos em Fairfax, o popular 'golpe do baú'.

Estabelecido esse cenário, Assassinos da Lua das Flores envereda pelo suspense, contando sobre várias mortes suspeitas de indígenas endinheirados, fato apontado como uma das conspirações mais assombrosas da história dos Estados Unidos. O roteiro foi baseado no livro de David Grann e também aborda a criação do FBI.

O filme é mais uma aula de Martin Scorsese de como se fazer um épico. Em suas quase 3h30, o longa não desperdiça um minuto de tela e não cai de ritmo hora nenhuma. Tudo que o veterano diretor nos apresenta tem importância para a trama, algo pouco comum em tempos em que até adaptações de super-herói extrapolam a duração padrão do gênero sem cerimônia.

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Mas mesmo com a mão segura de Scorsese, isso não seria possível sem as grandes atuações do elenco. Em um certo momento do filme, Mollie se refere ao personagem de Leonardo DiCaprio como alguém "não muito inteligente, mas bonitão". A dualidade de Ernest Burkhart, hora bem intencionado, hora envolvido em merda até o pescoço, faz dele o protagonista perfeito, e muito graças à interpretação de DiCaprio.

Falando em Mollie Burkhart, Lily Gladstone crava aqui seu lugar em Hollywood. A atriz carrega com maestria todo o drama do seu povo, intercalando falas em inglês e na língua nativa Osage e, às vezes, apenas em olhares e expressões. Bom também ver Robert De Niro saindo do modo automático, aos 80 anos, e entregando algo inovador.

Assassinos da Lua das Flores dosa na medida certa as relações pessoais entre os personagens e a trama maior. O longa ainda aborda de maneira eficiente a questão do racismo, mostrando que um grupo de índios milionários incomodava muita gente já no início do século passado. Tudo isso com uma incrível direção de arte e outros detalhes técnicos impecáveis (como fotografia e som). Filmaço em todos os sentidos.

Nota: ★★★★★

O vento sopra pelo cemitério Grey Horse, nas terras do povo nativo americano Osage, no norte de Oklahoma. Enquanto as águias voam pelo céu, Margie Burkhart aponta os túmulos de seus ancestrais assassinados há um século.

A tragédia que afetou sua família constitui o argumento do novo filme de Martin Scorcese, "Assassinos da Lua das Flores", baseado no bestseller homônimo.

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Mollie Burkhart, a avó de Margie, interpretada nas telonas pela atriz nativa americana Lily Gladstone, viu como vários membros de sua família (sua mãe, suas irmãs, seu cunhado) foram assassinados, um após o outro, nos anos 1920.

"Escolheram metodicamente quem matar", disse Margie Burkhart à AFP.

Os responsáveis pelos crimes foram o próprio marido de Mollie, Erne Burkhart, interpretado no filme por Leonardo DiCaprio, e seu tio William Hale (Robert De Niro), dois colonos brancos que ambicionavam assumir os títulos de exploração petrolífera desta família nativa.

- "Ambição" -

No início do século XX, as torres de perfuração cobriam as pastagens da região por dezenas de quilômetros depois que uma das maiores reservas petrolíferas dos Estados Unidos foi descoberta.

Os Osage detinham a exclusividade da exploração dessa riqueza inesperada. Os direitos não poderiam ser transmitidos ou vendidos, apenas herdados.

"Os Osage eram considerados o povo mais rico do mundo", disse Kathryn Red Corn na casa construída por seu bisavó Osage em Pawhuska, a sede do atual governo tribal.

Chegaram forasteiros à região, especialmente colonos brancos, com a intenção de se casar com integrantes desta tribo apenas por seu dinheiro, continua esta octagenária de cabelo preto azeviche, olhos penetrantes, rosto quadrado e brincos de prata nas orelhas.

"Assassinavam e depois herdavam suas posses", acrescenta, sentada em sua sala decorada com arte Osage e fotografias em preto e branco de seus antepassados.

Seu avô, Raymond Red Corne pai, também Osage, suspeitava que sua segunda esposa, uma mulher branca, o estava envenenando. Morreu no começo dos anos 1920 durante a madrugada.

Quando assistiu a uma exibição privada do filme de Scorcese, no verão (inverno no Brasil), Margie Burkhart não conseguiu evitar reviver com força a indignação que a acompanha desde sempre.

"Tiraram de mim minhas tias-avós. Poderia ter tido uma grande família. Poderia ter tido muitos primos, sobrinhas, sobrinhos, mas cresci sem eles", disse com a voz embargada.

"William não precisava ter feito o que fez. Era um dos homens mais ricos do condado de Osage. Tinha muito gado. Muito dinheiro", afirma ela. Assassinou "por simples ambição", acrescenta.

- Sem justiça para os "pisoteados" -

"Simplesmente porque eram nativos americanos, suas vidas tinham menos valor", resume com amargura Jim Gray, cujo bisavô Henry Roan foi assassinado em 1923. Um crime também orquestrado por William Hale para cobrar um seguro de vida.

Apenas 5% dos assassinatos cometidos em Osage durante a década de 1920 foram objeto de investigação federal, estimou Jim Gray, que serviu como chefe da Nação Osage entre 2002 e 2010.

"Não houve justiça para essas famílias", disse em Skiatook, ao norte de Tulsa, admitindo que quando ficou sabendo que Hollywood estava interessado neste doloroso passado ficou tomado pela ansiedade.

"Seríamos coadjuvantes em nossa própria história? Imagine nossa surpresa quando Scorsese nos contatou, conversou conosco, nos ouviu e reescreveu grande parte do roteiro."

Inicialmente, o roteiro iria se centrar na investigação federal, mas acabou passando a se focar no casal Mollie-Ernest.

"Quando virem o filme sentirão a influência dos Osage", afirma Gray. Ele espera que a estreia do longa-metragem gere consciência sobre "as pessoas que foram pisoteadas" para que os Estados Unidos se tornassem "o que é hoje".

"Provavelmente, as pessoas não querem falar disso. Não está em nossos livros de história, mas devemos conhecer nosso passado, especialmente seus erros, para não repeti-los", argumenta.

Margie Burkhart também espera que o drama vivido pelos Osage não seja esquecido. "Dentro de dois ou três anos, quando o filme já não for mais notícia, espero que as pessoas sigam falando dele", conclui.

O filme "Assassinos da Lua das Flores", cuja pré-estreia aconteceu na noite de quarta-feira (28) em Nova York, fala sobre as mortes de ameríndios há cem anos nos Estados Unidos. A história "milenar" e universal é um "choque de culturas", disse o cineasta Martin Scorsese à AFP.

Durante a noite de tapete vermelho no Lincoln Center, em Manhattan, o escritor americano David Grann, cujo livro homônimo foi adaptado para o cinema por Scorsese, disse à AFP que "Assassinos da Lua das Flores" denuncia os "crimes genocidas" cometidos no início do século XX por americanos brancos contra os povos nativos.

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Apresentado em maio fora de competição no Festival de Cannes, a obra cinematográfica conta com 3h26 de duração.

O elenco desta produção milionária, que custou US$ 200 milhões (R$ 994,2 milhões), conta com Robert De Niro e Leonardo DiCaprio.

O filme deve chegar aos cinemas dos Estados Unidos em 20 de outubro, antes de ser disponibilizado na plataforma Apple TV+.

- Tribo Osage, rica em petróleo -

O novo filme de Scorsese conta o que aconteceu no início da década de 1920 nas terras do povo Osage, em Oklahoma, região central dos Estados Unidos, após a descoberta do petróleo - acontecimento que trouxe riqueza ao povo, mas também destruição.

Leonardo DiCaprio interpreta Ernest Burkhart, um homem apaixonado por uma indígena interpretada por Lily Gladstone, que se vê no meio de uma trama arquitetada pelo magnata do gado William Hale (interpretado por De Niro), ansioso para aumentar sua fortuna com petróleo.

Um agente do FBI, interpretado por Jesse Plemons, fica encarregado de solucionar uma série de mortes estranhas entre a população nativa.

"Trata-se de um choque de culturas, de um mal-entendido mútuo, de um sentimento de direito", explicou Scorsese, de 80 anos.

O cineasta nova-iorquino de origem italiana, que se descreve como "euro-americano", afirmou que "os americanos lá (em Oklahoma) eram principalmente europeus".

A violência e os assassinatos reportados no filme "podem ocorrer hoje em qualquer lugar do mundo. É uma história que se perpetua ao longo dos séculos", afirmou o cineasta, que filmou a superprodução nas pradarias de Oklahoma, com a participação de quase 40 indígenas da tribo Osage.

O jornalista e escritor da revista cultural The New Yorker, David Grann, conta que tanto seu livro, publicado em 2017, quanto o filme de Scorsese contam "a história de um dos mais monstruosos crimes e injustiças raciais perpetrados por colonos brancos contra os povos indígenas pelo dinheiro do petróleo".

"Quando a ganância se mistura com a desumanização de outros povos, leva a estes crimes genocidas", indicou o escritor.

Grann acredita que a história e o destino dramático da tribo Osage foram "em grande parte apagados da consciência coletiva" americana.

"Não foi ensinado em nenhum dos meus livros escolares, nunca aprendi", lamentou em conversa com a AFP.

Ao seu lado no tapete vermelho, o chefe da tribo Osage, Geoffrey Standing Bear, denunciou que tanto o "povo Osage quanto outros povos indígenas tiveram uma vida muito difícil por 500 anos".

"E o filme mostra que isso ainda está acontecendo", acrescentou.

Segundo dados oficiais, nos Estados Unidos existem hoje cerca de 6,8 milhões de indígenas "nativos" ou "autóctones" - 2% da população.

Desde 2021, por decreto do presidente democrata Joe Biden, o país comemora toda segunda segunda-feira de outubro o "Dia Nacional dos Povos Indígenas".

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