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Celebrando o Mês da Consciência Negra, o LeiaJá buscou entender o significado da palavra "empretecer", tão usada por estudiosos, artistas, figuras políticas e lideranças do movimento negro. O termo, que exalta a contribuição intelectual preta na construção da identidade do Brasil, tem o intuito de dar a população a oportunidade de entender a ótica africana sobre determinados assuntos, assim como também, encorajar a sociedade em defender políticas públicas que incluam o negro em espaços de poder e decisões do país.

A palavra, que vem ganhando visibilidade nas redes sociais quando são discutidos temas que envolvem demandas étnico-raciais, também está, cada vez mais, sendo incorporada nos discursos políticos. Na última segunda-feira (20), durante evento realizado no Palácio do Planalto em que foi lançado um pacote de políticas públicas para a população negra, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) afirmou que "assim como nós (negros) estamos empretecendo as universidades, vamos empretecer também os poderes constituídos nesse país".

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Além disso, Benedita usou parte de seu discurso para cantar a música Juízo Final, escrita por Nelson Cavaquinho, como síntese do desejo de negros e negras do país: "O sol há de brilhar mais uma vez/A luz há de chegar aos corações/O mal será queimada a semente/O amor será eterno novamente/É o juízo final/A história do bem e do mal/Quero ter olhos pra ver/A maldade desaparecer".

No evento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, anunciaram um pacote de medidas, com um volume de R$ 68,9 milhões em recursos. Ao todo, 13 ações, articuladas entre diversas pastas, visam garantir ou ampliar o direito à vida, à inclusão, à memória, à terra e à reparação, eixos apontados por Anielle como guias das políticas do seu ministério.

"Quando me perguntam qual é prioridade do Ministério da Igualdade Racial, digo que é a vida digna para todas as pessoas. Não aceitaremos nada menos do que isso. Ano a ano, os dados persistem em comprovar que a fome e a insegurança alimentar, o acesso à educação e à saúde, o desemprego e as mortes violentas atingem de forma desigual a população negra. Fruto do racismo que impede que todo mundo possa viver bem”, pontuou a ministra.

Se um dos significados de empretecer é defender a inclusão de negros em locais de poder, Anielle fez questão de colocar isso em prática. Dois dias após o evento no Palácio do Planalto, a ministra informou que elaborou em conjunto com a primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, uma "lista tríplice" com nomes de mulheres negras a serem consideradas pelo presidente Lula na escolha da pessoa para ocupar a vaga em aberto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 132 anos de história, o Supremo teve 171 ministros. Entre eles, apenas três homens negros e três mulheres brancas. Com esses números, lideranças do movimento negro pressionam Lula para que, pela primeira vez, uma mulher negra possa fazer parte da Corte.

Se a coisa tá preta, a coisa tá boa

Em entrevista ao LeiaJá, a ativista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Daniele Braz, afirma que o sentido da palavra empretecer "é dizer que ficar preto também é bom". Ela revela que o termo faz críticas a abordagem da nossa linguística, "que coloca as coisas claras como boas e coisas negras como ruins".

"A gente pode falar também que a gente vai empretecer ao invés de clarear. Porque essa disputa de narrativa vem sendo feita nesses últimos anos, por conta da desconstrução do racismo estrutural que está presente na nossa língua também. Então, usar o termo empretecer é dizer que a gente pode melhorar a visão, se referenciando aos nossos irmãos pretos e a população preta, que ser preto também é uma coisa boa”, pontua Danielle, que também representa a Frente Nacional Contra Criminilização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, e faz parte da coordenação colegiada do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE).

Mesmo com o crescimento de debates sobre a temática, a ativista avalia o contexto da representação dos corpos negros nos espaços de poder intelectuais como “um lugar de disputa extremamente hostil”, pois a presença de pessoas pretas “ainda incomoda a branquitude que sempre hegemonizou esses espaços de poder”.

“No contexto de hoje, a gente vem lutando para manter nossos companheiros e companheiras nesses espaços de poder de forma qualificada, mas também tendo a consciência que esses espaços são totalmente violentos e ainda muito limitados para os corpos negros, onde a gente vive uma racialização do trabalho que foi construído, e a gente vem tentando desconstruir essa hegemonia branca e esse pacto da branquitude do poder e da intelectualidade no mundo, não é só no Brasil”, afirma.

Questionada sobre como enxerga o desempenho do país em incluir a população negra em espaços de poderes, a ativista afirma que nos últimos quatro anos, nos quais o Brasil foi comandado pelo Governo Bolsonaro, as tomadas de decisões sobre espaço de poder para pessoas negras foram “totalmente restringidas”, fazendo com que os movimentos negros se unissem para “pautar todos os desrespeitos e retrocessos de direito que a população negra estava enfrentando”. Ela acredita que, com a troca de gestão, algumas conquistas foram alcançadas, porém o povo preto ainda precisa criar “estratégias de sobrevivências” para conseguir ocupar espaços.

Intelectualidade negra e arte

Em 2022, a palavra empretecer tomou conta da folia do Sambódromo Marquês de Sapucaí. Com alegorias e fantasias opulentas, a escola de samba Beija flor de Nilópolis homenageou escritores negros de reconhecimento nacional e internacional através do enredo "Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor".

Os mais de 3 mil componentes da escola da Baixada Fluminense, ecoaram trechos do samba que citava Cruz e Souza, importante poeta do século 19 eternizado em obras como “Missal” e “Broquéis”. Além disso, a agremiação trouxe um carro alegórico que homenageava escritores e intelectuais como Machado de Assis, Maria Firmina dos Reis, Lima Barreto, Conceição Evaristo e Djamila Ribeiro.

Foto: Douglas Shineidr/Riotur/Flickr

Na época, em entrevista à revista Elástica da Abril, o carnavalesco André Rodrigues afirmou que era muito importante uma escola de samba, que é considerada "um organismo que a sociedade civil não entende", trazer o debate sobre temas que envolvem a intelectualidade do povo preto. “A gente está produzindo debate no país desde 1932. Desde o primeiro desfile, tudo que a escola de samba faz é debatido, mas a gente não é reconhecido como arte.”

"A Lélia [Gonzalez, filósofa brasileira] fala exatamente sobre isso, sobre como esse corpo é admirado no carnaval, mas durante o ano ele está, sei lá, nas cozinhas. É exatamente o pensamento dela, e o pensamento que a gente escolheu colocar no desfile, que é uma crítica à essa branquitude, à forma como somos objetificados, e como se coloca também a própria escola nesse lugar", pontuou.

O artista ainda fez questão de lembrar que a intelectualidade do povo preto também resiste na arte e cultura do país. Para isso, ele citou o fundador da Beija flor, o sambista Cabana, como um homem preto de periferia que usou de sua inteligência para assumir um papel de compositor, músico e agente social.

"O Cabana é um intelectual, assim como outras pessoas que constroem a Beija-Flor são intelectuais em suas áreas. E a gente acaba falando sobre essa intelectualidade não-acadêmica para que ela também seja louvada, porque nós pretos somos feitos disso. Boa parte da nossa intelectualidade também é feita fora da academia", disse.

 

 

 

A escola de samba Beija-Flor de Nilópolis anunciou na tarde deste sábado (13), o enredo para o Carnaval 2024. A agremiação levará para o sambódromo Marquês de Sapucaí, o tema “Um delírio de carnaval na Maceió de Rás Gonguila”, que será desenvolvido pelo carnavalesco João Vitor Araújo.

O homenageado nasceu em Maceió, em 1905. Era analfabeto e ganhava a vida como engraxate. Com sua flanela, ele lustrava os sapatos das figuras nobres da região. Mas foi com os bêbados e as meretrizes que aprendeu a ser boêmio e folião.  Na infância, ouvia dos seus pais, histórias de nobres de terras distantes, que faziam festa nos altos do maior dos quilombos, o de Palmares.

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Então, ele passou a contá-las de forma mágica nas tradições populares do estado. Por volta dos 30 anos ele já era conhecido por ser um contador dessas memórias e por criar o Bloco Cavaleiros dos Montes. O nobre folião das encruzilhadas passou a se chamar Rás Gonguila, e hoje é conhecido na cultura popular de Alagoas. 

Pela primeira vez Maceió, será tema de samba enredo de uma escola de samba do Rio de Janeiro. O coordenador da Federação das Organizações da Cultura Popular e do Artesanato Alagoano (Focuarte), João Lemos, disse ao G1 que a cultura do estado está em festa e será muito bem representada na folia carioca.

"Estamos muitos felizes com Rás Gonguila ser o samba enredo, esse grande carnavalesco que fez a história de Maceió. E a partir de ele, falar da nossa cultura popular, do nosso artesanato, que faz Alagoas ser o polo mundial das tradições das manifestações culturais. Ter a Beija-Flor com esse enredo, faz o mundo todo olhar para o nosso estado", disse.

Nas redes sociais, a Beija Flor, maior campeã da Marquês de Sapucaí, divulgou um texto sobre o tema. "Nasceu em Maceió, no ano de 1905, um menino chamado Benedito, sobrenome dos Santos. Ouvia dos pais histórias de nobres de terras distantes, que faziam festa nos altos do maior dos quilombos. Mais tarde, o parceiro de boêmios e damas da noite virou Rás Gonguila, folião soberano dos carnavais da capital alagoana, que falava, para quem quisesse ouvir, sobre seu parentesco direto com o último imperador da Etiópia", escreveu.

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