A Justiça Federal em São Paulo rejeitou denúncia da Procuradoria da República contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), alojado no antigo II Exército, no Ibirapuera. A Procuradoria acusou Ustra pela morte do militante político Carlos Nicolau Danielli, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B), em 1972.
Também foram acusados os delegados da Polícia Civil do Estado Dirceu Gravina e Aparecido Laertes Calandra. Ao rejeitar a denúncia contra Ustra, Gravina e Calandra, o juiz federal Alessandro Diaferia observou que a anistia concedida em 1979 "abrangeu os dois lados da disputa", em alusão aos ativistas e aos integrantes do aparato repressivo que se instalou no País e perdurou no poder entre 1964 e 1985.
##RECOMENDA##
"Não se trata de acobertar atos terríveis cometidos no passado, mas sim de pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo, elevado, da sensação de 'impunidade' àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão", escreveu o magistrado.
Diaferia anotou que "não apenas opositores ao regime de exceção pereceram durante aquele difícil período".
O juiz fez uma reflexão. "Há relatos e dados estatísticos que apontam a morte de inúmeras pessoas, militares e civis, que ou estavam em serviço ou eram meros inocentes, alheios às questões políticas que fervilhavam à época, os quais se encontravam na hora errada, no local errado e na circunstância errada; e morreram, da mesma forma que a vítima deste processo.Para estas vítimas também seria válido o raciocínio desenvolvido pelo órgão ministerial, que poderia equivaler à anulação dos efeitos da anistia? Há vida que seja mais importante? A do opositor de um regime autoritário? A do defensor de tal regime? A do inocente que nada tinha a ver com tal disputa de poder?"
Alessandro Diaferia prossegue. "A resposta é uma só: todas as vidas são importantes e todas devem ser protegidas. Por isso, compatibilizando-se e ponderando-se os princípios de direito internacional em consonância com os princípios e regras de direito interno, deve ser prestigiada a anistia alcançada, que abrangeu os dois lados da disputa."
O juiz destaca em sua sentença o 'lapidar voto' do ex-ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), para quem "a anistia foi uma verdadeira conquista e veio com sabor de vitória naquele momento histórico".
Na denúncia contra Ustra e os delegados, o Ministério Público Federal afirmou que Carlos Nicolau Danielli foi sequestrado em 28 de dezembro de 1972 por agentes da repressão em São Paulo e levado às dependências do DOI-CODI. Segundo a acusação, a morte do militante foi cometida "por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver".
Além do motivo torpe, diz a denúncia, o homicídio teria sido cometido com o "emprego de tortura, consistente na inflição intencional de sofrimentos físicos e mentais agudos contra a vítima, com o fim de intimidá-lo e dele obter informações".
A ação, segundo a Procuradoria, teria sido executada mediante recurso que tornou impossível a defesa do militante do PC do B. Para a Procuradoria da República, "as condutas imputadas (aos três denunciados) foram cometidas no contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil, consistente na organização e operação centralizada de um sistema semiclandestino de repressão política, baseado em ameaças, invasões de domicílio, sequestro, tortura, morte e desaparecimento dos inimigos do regime".
O juiz Alessandro Diaferia registra que "não se pode dizer que o Estado brasileiro tem sido omisso na reparação de danos causados por agentes seus, em serviço, por atos praticados durante o período de exceção, haja vista a solução civil dada em incontáveis oportunidades, tanto através de indenizações, algumas superiores à cifra do milhão de reais, quanto por meio de pensões vitalícias a vítimas ou seus familiares e descendentes".
"A propósito, matéria veiculada na imprensa eletrônica em 31 de março de 2014, aponta o pagamento, entre 2001 e 2013, de cerca de R$ 3,4 bilhões em indenizações pela Comissão de Anistia, órgão encarregado da análise e concessão de tais reparações", ressalta o juiz federal. "Situadas tais indenizações e recomposições no âmbito cível, é evidente que não há como se promover a restituição integral e plena para a maior parte das lesões praticadas; mas é a solução que o ordenamento jurídico previu e, por mais imperfeita que possa ser, é o bem possível para o momento.Tais ponderações são postas para demonstrar que dada a importância da anistia, tal como concebida e implementada, consoante lapidarmente explicitado pelo ministro Eros Grau, e considerada a reparação cível das vítimas, familiares e dependentes, é preciso que o intérprete volte os olhos àquilo que certamente constitui uma das finalidades maiores do direito, a pacificação social com Justiça, que se alcança, entre outros, com a segurança jurídica."
Para Diaferia, "o oposto disso é a instabilidade de regras e a insegurança nas instituições". "Aqueles que padeceram concretamente durante o período autoritário sabem bem o que significa e quais as consequências da instabilidade das regras, da insegurança nas instituições; é justamente isso o que devemos buscar evitar, ainda que mediante o custo elevado que se condensa no sentimento de impunidade, que é partilhado por quem foi vítima tanto das autoridades do governo de então, quanto dos opositores do regime que pegaram em armas para defender seus ideais."
"Que esse custo possa servir para direcionar nossas rotas futuras em busca da pacificação social com Justiça e da verdadeira evolução da sociedade", alerta o magistrado.
Alessandro Diaferia, "considerando que os fatos imputados na vestibular foram anistiados", rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.