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O papa Francisco pediu neste sábado (21) à Cúria Romana, o governo da Igreja, uma "profunda mudança de mentalidade" no contexto de um Ocidente em processo de descristianização. "Não estamos mais no cristianismo, não estamos! Já não somos os únicos hoje a produzir cultura, nem os primeiros nem os mais ouvidos", afirmou o pontífice em sua tradicional felicitação à Cúria.

"Já não estamos mais em um regime de cristianismo porque a fé, especialmente na Europa, mas também em grande parte do Ocidente, não constitui mais um orçamento para conviver juntos. Pior ainda, (a fé) é negada, burlada, marginalizada e ridicularizada", disse o papa argentino diante de seus principais cardeais.

Esta "mudança de época obriga a uma mudança de mentalidade pastoral", completou o primeiro pontífice latino-americano da história, que desde sua eleição em 2013 tenta reformar as estruturas internas da Cúria.

Francisco advertiu ainda contra a rigidez e a tentação de refugiar-se no passado, no momento em que devem ser feitas "mudanças significativas".

O Papa Francisco deu o tom, nesta segunda-feira (5), dos debates do Sínodo dos bispos sobre a família, pregando o rigor doutrinário, mas também a abertura aos outros, para não fazer da Igreja um "museu". O Papa pediu aos "padres sinodais" a não considerar a assembleia como um "parlamento", onde os participantes se envolvem em "negociações e compromissos", mas como o lugar onde "a Igreja caminha junto".

Na sala do sínodo, membros da Cúria (governo da igreja), delegados enviados pelas conferências episcopais, aqueles nomeados pelo Papa, e ouvintes, incluindo - pela primeira vez - um casal italiano, Marco e Marialuca Matassonni, que veio com seu bebê de poucos meses.

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No domingo, durante a missa de abertura do segundo Sínodo em dois anos sobre a família, Jorge Bergoglio já havia indicado como seriam os debates, que se prolongarão até 25 de outubro.

Tranquilizando os conservadores, reafirmou a doutrina católica, defendendo a indissolubilidade do casamento, condenando o divórcio e reiterando que a família é composta por um homem e uma mulher. Mas também advertiu que a "Igreja deve buscar, acolher e acompanhar a todos, porque uma Igreja com as portas fechadas trai a si mesma e a sua missão, e, ao invés de ser ponte, se transforma em barreira".

E sem nomear as pessoas que vivem em situação "ilegal" do ponto de vista da Igreja Católica (divorciados que voltam s se casar, uniões livres, homossexuais...), o Papa lembrou que está fora de questão "apontar o dedo para julgar os outros" porque a Igreja tem "a obrigação de procurar e tratar os casais feridos".

Em sua introdução, o relator-geral do Sínodo, o arcebispo de Budapeste Peter Erdo, evocou a recepção dos casais em união livre que querem se preparar para o casamento, mas se mostrou inflexível sobre a doutrina, principalmente quanto aos homossexuais e os divorciados novamente casados. "Entre o certo e o errado, o bem e o mal, não há gradualismo, embora algumas formas de coabitação cívica tenham aspectos positivos, o que não implica dizer que são boas", disse.

Como preparação para o Sínodo, uma série de questionários foram enviados a pedido do Papa às dioceses de todo o mundo, e colocaram em evidência a distância entre a doutrina severa da Igreja e a prática dos fiéis.

O primeiro sínodo ou assembleia de bispos sobre a família, celebrado há um ano, revelou as profundas tensões e divergências que reinam dentro da Igreja católica, apesar de compartilhar uma série de conceitos básicos.

Um dos principais conflitos que os bispos enfrentam gira em torno dos divorciados que voltam a se casar. Para a Igreja o casamento é indissolúvel e não reconhece o divórcio civil, razão pela qual não permite que os católicos divorciados que voltam a se casar recebam a comunhão. Mas, por enquanto, é sobretudo o local dos homossexuais na Igreja que se impõe.

No sábado, o padre Krysztof Olaf Charamsa, membro da Cúria, revelou sua homossexualidade e a intenção de viver abertamente o amor por seu companheiro Eduardo, acusando a Igreja de ter "institucionalizado a homofobia". "O clero é em grande parte homossexual e também, infelizmente, homofóbico pela falta de aceitação de sua própria orientação sexual", disse ele.

Declarações perturbadoras

Estas declarações provocaram a ira do Vaticano que o expulsou da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão do Vaticano especificamente responsável por garantir o dogma católico.

O cardeal Erdo, em seu relatório introdutório, sem se referir ao caso de Charamsa, considerou "inaceitável que os pastores da Igreja sofram pressão nesta matéria". Ele condenou "a analogia" entre as uniões homossexuais e o casamento homem/mulher, e criticou o "pacote de ajuda financeira" aos países pobres para "a introdução de leis sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo".

Por sua parte, o cardeal André Vingt-Trois, arcebispo de Paris, um dos quatro copresidentes da reunião, advertiu: "Apesar de nossas diferenças, este Sínodo não deve ser um confronto, cujos microfones e câmeras serão os árbitros".

Ele também afirmou que não espera "nenhuma mudança espetacular na doutrina", mas considerou que os bispos são chamados "a não fechar os olhos" sobre nenhuma realidade.

O Papa Francisco falou, pela primeira vez, em "uma corrente de corrupção" na Cúria Romana, governo central da Igreja, bem como na existência de um influente "lobby gay", segundo o site católico progressista latino-americano Reflexión y Liberación, o que leva a crer que o pontífice prepara mudanças profundas na máquina do Vaticano.

"Na Cúria há gente santa, de verdade, há gente santa. Mas também há uma corrente de corrupção, também há, é verdade", admitiu o Papa em uma audiência concedida no dia 6 de junho aos líderes da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosas e Religiosos (CLAR). "Hoje se fala de 'lobby gay' e é verdade, ele existe... é preciso ver o que podemos fazer", acrescentou o pontífice ao se referir ao sistema de chantagens internas baseadas em fraquezas sexuais, denunciado pela imprensa italiana em fevereiro.

Segundo uma síntese do encontro de uma hora, publicada pelo site, Francisco reconheceu que é uma pessoa "muito desorganizada" para realizar a reforma da Cúria Romana, exigida por "quase todos os cardeais". "Sou uma pessoa desorganizada, nunca fui bom nisso. Mas os cardeais da comissão vão levá-la adiante", afirmou.

Um mês depois de sua eleição em março como primeiro Papa latino-americano e jesuíta da história, Francisco designou um grupo de oito cardeais para assessorá-lo na reforma do governo central da Igreja, sacudida por uma série de escândalos por corrupção e intrigas.

Entre os oito cardeais aparecem o hondurenho Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, presidente da Caritas Internationalis, conhecido por suas posições a favor de uma renovação do governo central da Igreja, e o chileno Francisco Javier Errázuriz Ossa, arcebispo emérito de Santiago do Chile, profundo conhecedor da engrenagem vaticana.

Os cardeais se reunirão pela primeira vez em outubro. "A reforma da Cúria Romana é algo que quase todos os cardeais pediram nas congregações anteriores ao conclave. Eu também a pedi. A reforma não pode ser feita por mim...", explicou Francisco.

Perguntado sobre as declarações do Papa, o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, afirmou que se tratou de uma reunião privada, sem dar maiores detalhes. Se tais declarações forem confirmadas oficialmente, esta terá sido a primeira vez que o Papa argentino falou de forma tão franca e clara das revelações e escândalos sobre a suposta trama de corrupção, sexo e tráfico de influências no Vaticano denunciada pela imprensa.

As escandalosas denúncias, publicadas por dois importantes veículos de comunicação da Itália - o jornal La Repubblica e a revista Panorama - indicavam que o papa Emérito Bento XVI decidiu renunciar ao cargo depois de receber um relatório ultrassecreto de 300 páginas sobre o tema. No relatório, entregue a Francisco por Bento XVI poucos dias após sua eleição, em 13 de março, são descritas as disputas internas por poder e dinheiro, assim como o tráfico de influências internas com a homossexualidade.

Francisco, que, segundo o site, tratou os religiosos da CLAR como iguais, sentando em círculo com eles, falou também da influência de algumas congregações e do dinheiro que administram.

A gestão do dinheiro da Igreja é um tema que também foi abordado pelo Papa nesta terça-feira na homilia da manhã na capela de sua residência no Vaticano. "São Pedro não tinha conta no banco", disse ao defender novamente a ideia de uma "igreja pobre" que rejeite a mentalidade empresarial.

Tudo parece indicar que o Papa tomou um tempo de reflexão antes de iniciar profundas reformas na Cúria Romana, cujos mecanismos não conhece, já que atuava como arcebispo de Buenos Aires. O momento crucial destas mudanças será quando designar o novo secretário de Estado, em substituição ao cardeal Tarcísio Bertone. O secretário é o braço direito do pontífice, que por tradição administra os temas mais complexos do papado.

Segundo um importante prelado, vários organismos da Cúria serão fundidos e o Papa seguirá os conselhos de Bento XVI, que não conseguiu realizar a reforma que havia elaborado baseado em sua experiência de 25 anos dentro da maquinaria vaticana.

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