Tópicos | Ender's Game

Há filmes excelentes, e outros que são péssimos. Há também aqueles que estão em um meio termo, e costumam nos deixar indiferentes. Numa quarta categoria, consegui encaixar Ender’s Game – O Jogo do Exterminador, aquela de obras que nos dividem, deixando-nos pensativos acerca de sua qualidade e conteúdo por um longo tempo, e tudo isso graças a algumas escolhas de roteiro, vindas do livro do qual foi adaptado, ou não, que diminuem o poder e a força da narrativa, mais especificamente seu final após o encerramento da trama principal, que surge a fim de romantizar os fatos, mas acaba por minimizar o impacto da reviravolta em uma película que discute questões éticas, história da humanidade, Freud, guerras e religião.

Com tamanho arcabouço, é no mínimo decepcionante que tal final realmente venha na contramão de tudo o que o filme  apresentara até então, e que este seja um daqueles exemplares em que podemos claramente afirmar que mais tempo de projeção o faria bem. Seus 105 minutos parecem pouco, e acabam acelerando determinados processos, discussões ou desenvolvimento de personagens, que, se parecem precoces, são compensados pela densidade visual da película, com inspirações que remontam 2001 – Uma Odisseia no Espaço (alguns corredrres circulares) e Tron (com suas luzes e arquiteturas impossíveis) , e vão além, criando um espaço sombrio, onde a iluminação são apenas feixes de esperança salpicados aqui e ali. Os locais das batalhas entre equipes são particularmente fascinantes e representam o apuro do design de produção, que cria salões suspensos em naves espaciais, com paredes transparentes que dão a sensação de infinitude em gravidade zero.

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Excetuando os problemas já citados, e uma completa falta de justificativas para os desígnios quase místicos atribuídos pelo script, que fazem de Ender Wiggin o escolhido e estabelecem uma ligação especial com sua irmã, Valentine, sem que jamais saibamos como aquilo se deu, Gavin Hood é eficiente ao traduzir características da psiquê em seus personagem, como no trio formado por Harrison Ford, Viola Davis e Asa Butterfield. Enquanto o primeiro  representa o Superego, sempre preferindo se calar em vez de falar absurdos ou deixar-se levar pela raiva, e escolhendo cada palavra antes de dizê-la, Davis é o Ego, prezando pelo emocional e sempre preocupada em como a guerra afetará aquelas crianças. Já Butterfield encarna o Id a ser lapidado, em busca de contrabalancear os aspectos de seus tutores, que inclusive se refletem também em seus irmãos.

Mais interessante ainda é a abordagem de se colocar crianças em uma guerra capaz de definir o destino da humanidade, tudo isso por conta da sua capacidade reconhecida de absorver mais rapidamente aprendizados, além de serem, tanto hoje quanto no futuro apresentado, da geração dos videogames, que apresentam elevado potencial para lidar com as simulações que fazem parte de seu treinamento. Gavin Hood, o também diretor, não suaviza a mão e coloca no centro de discussões éticas aqueles garotos, que para se provarem, precisam demonstrar frieza e exibir raciocínio acima da média em disputas que podem lhes custar suas vidas. Além disso, o tempo como cadetes em nada se afasta do rigor e crueza visto em outras produções, como Nascido para Matar e seus filhotes, talvez mais leves a fim apenas de se adaptarem à classificação indicativa.

E se Ford exprime uma presença absurda em tela, da qual já sentíamos falta, e Davis acaba por ser desperdiçada e ignorada em boa parte da projeção como mera coadjuvante, é em Asa Butterfield que Ender’s Game – O Jogo do Exterminador, ganha carisma, sagacidade e força, já que o jovem ator consegue compor uma figura dualística que se divide entre as emoções, retratadas através de olhos marejados, e da lógica, vista em suas estratégias ou na não interrupção de uma luta, apenas para enfraquecer seu inimigo, ao passo que se atenta a detalhes como a respiração arrítmica, que é ouvida e sentida no primeiro momento em que Ender entra em uma câmara de combate.

Talvez pelos custos da produção, os efeitos visuais, em sua maioria, deixem a desejar, mas mesmo isso é absorvido diegeticamente pela narrativa, já que os duelos espaciais são, em certa medida, nada menos que representações gráficas da realidade, e o próprio jogo jogado por Ender não passa de uma plataforma virtual.

As inspirações históricas também estão lá, como visto no excelente diálogo em que se pede do protagonista que este seja um Júlio César ou um Napoleão Bonaparte, ao passo que este rebate informando do trágico destino dos dois, e é cobrado não por seus finais, mas por seus feitos. Mas acima de tudo, impressiona o debate gerado pelo uso dos infantes nas guerras que os adultos não são capazes de duelar, e no engodo criado para fazê-los participar do jogo que dá título ao filme.

Graças a Steve Jablonsky, compositor habitual dos filmes de Michael Bay, a película ganha corpo com uma trilha sonora eficaz na ação e no suspense crescente, que se não traz enormes inspirações, ao menos é ideal para que vibremos com os embates apresentados por Hood e seu elenco.

Ainda com tantos problemas e um roteiro inextricável, nos é possível admitir que Ender’s Game – O Jogo do Exterminador é um exemplar intrigante e surpreendente da ficção científica em um ano tão prolífico para o gênero.

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