Tópicos | exame do toque


Na Praça do Derby, na área central do Recife, uma roda de amigos discute o câncer de próstata: 

-  Todo ano eu faço exame de sangue. Mas só se acusar alguma coisa nesse eu vou para o toque – comenta o auxiliar Edson Jerônimo Lucas, de 56 anos.

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- Tu nunca vai ter nada na próstata não, Edson, que tu transa muito – brinca o vigilante Jurandir Barbosa, 43.

- Eu também só fiz exame de sangue, e foi há uns cinco anos – diz o fiscal Antônio Francisco de Lima, 53. – Eu faria esse exame do toque, mas só tenho medo de gostar. Mas se eu gostar todo ano eu vou – opina, caindo na gargalhada. 

- Eu vou, mas só para o médico que tem dedo fino – conclui Jurandir.

Apesar do tom descontraído, os três amigos carregam um discurso que é grande inimigo do combate ao câncer de próstata. O medo da interferência do exame de toque na masculinidade influencia na prevenção. Uma pesquisa de 2013 realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) apontou que 47% dos entrevistados nunca realizaram exames para detectar o câncer de próstata, 44% jamais se consultaram com o urologista e 51% nunca fizeram exames para aferir os níveis de testosterona.

A estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é que 68,8 mil novos casos do câncer sejam detectados em 2014. Para reverter esses valores, é preciso lutar contra o machismo. Neste mês de novembro, a campanha Novembro Azul serve justamente para alertar a população da importância do exame de detecção ao câncer de próstata.

A desculpa dos amigos do texto de que já faziam o exame de sangue também não é válida. O exame de Antígeno Prostático Específico (PSA), ao qual eles se referem, não detecta cerca de 10% a 20% dos casos de câncer, sendo necessário o exame de toque para complementar. Mesmo comentando que fariam o exame caso fosse necessário, o tom jocoso do grupo traz muitas dúvidas no cumprimento dessa promessa. 

Depois de ouvir algumas pessoas do Recife, o perfil que se cria é de alguém com um comportamento mais semelhante ao do comerciante Mario Gomes da Silva, 63 (de óculos na foto), que firmemente diz: “Eu peço a Deus para nunca precisar fazer. E mesmo assim, faço não, de jeito nenhum. Dá não...”.

Quem já fez também tem vergonha de dizer. O aposentado Edivaldo Alves, 57 (de boné), se machucou na virilha durante uma partida de futebol com os amigos na época em que trabalhava como porteiro. No hospital, acabou fazendo o exame de toque. Fez outras três vezes depois daquela. Mas ainda assim fica constrangido para dizer. “É... é... levei uma dedada”, assume sorrindo e com hesitação.

Para o chefe de urologia do Hospital do Câncer, André Maciel, o preconceito e a vergonha diminuíram nos últimos 20 anos. “Em geral, os pacientes mais esclarecidos entendem melhor. Quem tem menos formação, tem mais resistência. Mas a massificação do tema tem ajudado”, ele esclarece. O urologista também lembra outro aspecto importante do combate ao câncer: “O papel da mulher. Ela exige que o marido vá ao médico. ‘Só vim pra me livrar dela’ é muito comum de se ouvir. Ela é a cuidadora do parceiro. Marca consulta, lembra, é proativa”, ele destaca.

Segundo a sexóloga Silvana Melo, o comportamento de muitos homens com relação ao exame do toque é “uma verdadeira homofobia”. “A nossa sociedade, nossa cultura, é muito machista. Os homens têm medo da homossexualidade. Quando há estímulo anal, eles vão sentir prazer devido aos terminais nervosos, aí ficam com medo desse prazer, até acham que são homossexuais. Isto é totalmente errôneo. O que define homossexualismo é o desejo, a paixão, o amor por outra pessoa do mesmo sexo”, ela resume. 

Atualmente, os exames são indicados para homens a partir dos 50 anos. Caso haja histórico da doença na família, as avaliações devem começar antes, aos 45 anos. Além do histórico familiar, outros fatores de risco são a raça, pois há maior incidência em negros, e idade avançada. O Inca diz que 75% dos casos do mundo ocorrem em pessoas acima dos 65 anos. Há ainda 16% de chance do homem sofrer do câncer de próstata durante toda a sua vida.

A importância de se fazer anualmente a avaliação se deve também ao comportamento do câncer. “Ele é assintomático no início. Quando vem aparecer algum sintoma é porque já ultrapassou o limite da próstata”, diz o urologista.  

Apesar da difusão da importância dos exames, o processo ainda é lento e o preconceito ainda perdura. Próximo dos três amigos que conversavam na praça, um jovem taxista de 20 anos, que não quis se identificar, ainda não lida muito bem com o exame de próstata. “Não, eu vou fazer esse não. Vou fazer o do laser”. Aí ele foi informado que não há exame por laser para detectar câncer de próstata. “Mas falta muito tempo ainda, faltam ainda 20 anos para eu pensar nisso. Tem que ver um que seja seguro”. Aí ele é informado de que o exame de toque é altamente seguro. “É... não é nem questão de ser seguro não, é que é complicado. Vou fazer o do laser”.

Tratamento – Para o câncer localizado, a indicação é a cirurgia radical, que cura 90% dos casos. Os efeitos colaterais da cirurgia, entretanto, são expressivos. O procedimento causa impotência em 40% das vezes e incontinência urinária, em 5%. 

Quando não há condições para a cirurgia e o risco é maior, a recomendação é a radioterapia. Quando o câncer está avançado já não há cura, sendo feito apenas um tratamento paliativo, para oferecer melhor qualidade de vida ao paciente.

Fotos: Augusto Cataldi/LeiaJáImagens / Ilustração: WikimediaCommons

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