Tópicos | Festival de Paulínia

Em seu primeiro filme solo, a diretora Juliana Rojas (sua estreia foi com Trabalhar Cansa, parceria com Marco Dutra) ousa e faz uma comédia necrológica.

Mais ainda, Sinfonia da Necrópole, exibido na quarta, no 6.º Festival de Paulínia, é o que se poderia chamar de musical no campo santo, com toques de humor, negro ou não, crítica social e alusão, direta, à especulação imobiliária.

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Sinfonia da Necrópole é um originalíssimo musical fúnebre, quase inteiramente

ambientado em um cemitério e com coveiros e funcionários do serviço funerário como protagonistas. Quais são? Deodato é um coveiro aprendiz que desmaia com a presença de cadáveres. O emprego foi arrumado por um tio, este sim um profissional dos enterros. Deodato só se entusiasma com o emprego quando chega uma nova funcionária, Jacqueline, disposta a repaginar o cemitério, aplicando técnicas modernas de gestão empresarial. Original, divertido, crítico e brechtiano, Sinfonia na Necrópole é um grande acontecimento em nosso medíocre panorama cinematográfico atual.

Em entrevista, Juliana diz que se inspirou no teatro épico de Brecht e nas músicas de Kurt Weil para conceber essa comédia negra. O desejo de lidar com o tema da morte de maneira humorística parece bem presente. Lembra as ideias de Philippe

Ariès, o pensador francês que escreveu o clássico História da Morte no Ocidente. Ariès defendia que o riso funciona como uma espécie de proteção contra o pensamento intolerável da finitude humana representada pela "indesejada das gentes".

"Acho que fui encontrando o tom ao longo do processo do filme", afirma Juliana. Ela diz que gosta de primeiro pensar numa ideia, ou numa série de ideias que deseja filmar e, apenas em seguida, encontrar o tom e o estilo mais adequados para exprimi-las. "Aqui, o musical e o tom cômico como que se impuseram, tendo em vista o que eu tinha em mente", lembra. "Busco uma relação mais lúdica com o cinema e gosto também de evocar os filmes com os quais me divertia quando estudante, isto é, os de fantasia e de terror." Filmes de gênero, como se costuma dizer no jargão do cinema. "De modo que Sinfonia na Necrópole evoca tanto o teatro épico de Brecht quanto as fantasias de Disney."

O filme evoca as preocupações de Juliana com o mundo do trabalho e a precarização das profissões com os novos métodos de gestão. Desse modo, o cemitério é como uma empresa, que precisa minimizar custos e maximizar lucros. Para isso, necessita "reestruturar" seu organograma. E tudo isso é dito com muita graça e leveza. Mas o tema principal talvez seja o da especulação imobiliária, que devasta uma cidade como São Paulo. Os mortos antigos devem ceder lugar aos mortos recentes e a única saída, para a falta de espaço é a verticalizacão dos túmulos. É uma espécie de

Plano Diretor para as necrópoles da capital. A crítica é corrosiva. E brilhante.

Documentários

Aprendi a Jogar com Você, de Murilo Salles é um documentário que destoa da mesmice do gênero no Brasil. Assume a técnica do cinema direto e reconstrói o cotidiano de Duda, um DJ da periferia e virador profissional, tentando sobreviver e agenciar shows nas margens do sistema musical. Duda seria um exemplo do surrado jeitinho brasileiro, não fosse ele mesmo um hábil malabarista da sobrevivência. A câmera acompanha o personagem de perto e com empatia, nunca julgando, talvez nos oferecendo uma possibilidade de compreensão de uma vida que não é a nossa (falo do ponto de vista da classe média, a dos cineastas e também do público).

O Samba, de Georges Gachot. Um belo documentário deste franco-suíço, que deveria ser eleito brasileiro honorário pelo trabalho que vem fazendo pela música brasileira - são dele dois documentários anteriores sobre cantoras, um sobre Maria Bethânia, outro sobre Nana Caymmi.

Neste, ele vai mais fundo, às raízes do mais fundamental ritmo brasileiro, o samba. Tendo Martinho da Vila como mestre de cerimônias, e a escola Unidos de Vila Isabel como palco, Samba mostra não apenas o enraizamento popular da música como seu caráter refinado. Martinho diz coisas muito inteligentes, e canta, com sua voz característica, alguns dos seus sucessos. Mas há uma estrutura no filme que vai além da simples apresentação de números musicais. É como vermos imergir, por meio da música, um País em geral escondido e oculto, que se torna visível apenas pelo filtro marqueteiro do carnaval. E, no entanto, essa substância continua tendo existência real. É nosso cerne mesmo. E Gachot o descobre, amorosamente, como não conseguem fazer os brasileiros natos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Aberturas de festivais são chatas, de maneira geral. Mas esta, a da 6ª edição do Festival de Paulínia, foi especial, digna de fazer história neste sentido porque foi marcada por intermináveis discursos de políticos e autoridades. Deixemos isso para lá. Já nos chatearam o suficiente. O fato é que a exibição do filme de abertura (fora de concurso) começou depois das 22h30, com uma plateia já exausta pela overdose discursiva. Mas pode-se dizer que, apesar do esgotamento, Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho, de Daniel Augusto, foi bem recebido pelo público que ficou para vê-lo no suntuoso Theatro Municipal de Paulínia (1.300 lugares).

E, de fato, essa cinebiografia de Paulo Coelho tem suas qualidades, embora não deixe de exibir também suas limitações. Ocupa-se da juventude e da maturidade do autor de O Diário de Um Mago e O Alquimista, que, goste-se ou não, é um dos maiores best-sellers mundiais e, por consequência, um dos brasileiros mais conhecidos internacionalmente. Esse fato só não vê quem não quer. Que disso se deduza automaticamente a qualidade da sua literatura é outra história. História, aliás, que o filme não se propõe contar.

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Quem define bem a proposta do projeto é a roteirista Carolina Kotscho. "O eixo de gravidade é a vida de alguém que tentou uma e outra vez ser escritor e, mesmo diante das dificuldades, não se deixou abater e persistiu até conseguir o que queria." Uma história de superação, portanto, bem na linha autoajuda, na qual, de certa forma, a literatura de Coelho se inscreve. Com um adicional de misticismo e magia, claro.

Na trama, Paulo Coelho de Souza (vivido na adolescência por Ravel Andrade e na mocidade e maturidade por seu irmão, Julio Andrade), é alguém que deseja ardentemente ser escritor. Ninguém acredita nele, a começar pelo pai, Pedro (Enrique Diaz), que aspira a uma carreira estável para o filho. O conflito pai-filho será um dos polos interessantes da narrativa.

Paulo Coelho é de uma época em que rolavam drogas, sexo e rock’n’roll. E tudo isso está no filme, a começar por suas internações psiquiátricas (num tempo em que se internava o sujeito por qualquer desvio), baladas, doideiras, mulheres, e a aproximação com um certo roqueiro chamado Raul Seixas. Parceria e ruptura também estão lá, dos sucessos como Sociedade Alternativa e Gita, que provocou o estranhamento entre os amigos quando Seixas, no Fantástico, citou a música dizendo que era apenas dele. Até aí o filme funciona, embalado pela música, pela boa atuação do elenco (Ravel é uma revelação, Julio e Enrique vão muito bem) e por uma reconstituição legal de época. Meio fechada em poucos cenário, mas convincente.

Fica menos interessante nas cenas do Paulo Coelho sessentão, na Europa, ou suas deambulações pelo Caminho de Santiago de Compostela. Aí, então, a estética pende para o cartão-postal, apesar da relação entre Brasil e Espanha ser orgânica na biografia do autor, que fez o caminho e nele encontrou inspiração para seus primeiros livros de sucesso. É que não basta certas passagens serem biograficamente justificáveis, mas precisam ser críveis e intensas em termos da dramaturgia.

Sente-se falta, também, de maior ousadia formal na narrativa. Mas é uma opção do diretor e, talvez, também da produção. Não Pare na Pista vai ser lançado pela Sony no dia 14 de agosto, com cerca de 300 cópias. Não chega a ser lançamento de arrasa-quarteirão, mas é considerável. Tem outra coisa, como diz o próprio diretor Daniel Augusto: "Quis mesmo fazer um filme para dialogar com o grande público". E o tal grande público, sabe-se, anda cada vez mais arredio a desvios da narrativa tradicional (nem falo em experimentação) ou outras ousadias. Segue a trilha do "mais do mesmo", o que acaba inibindo a criatividade, ainda mais quando há dinheiro em jogo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Quando Bem-vindo a Nova York foi exibido em sessão paralela durante o Festival de Cannes, em maio, houve quem dissesse que era um filme quente demais para a Croisette.

Isso porque o longa de Abel Ferrara não só não entrou na seleção oficial do evento como causou furor ao trazer cenas fortes, ou hiper-realistas, de sexo já em seus primeiros 15 minutos e rendeu, entre outras polêmicas, uma ameaça de processo por difamação por parte de seu principal ‘inspirador’, o ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês Dominique Strauss-Kahn. DSK, como é chamado, foi acusado em maio de 2011 de ter agredido sexualmente uma camareira de um hotel em Nova York. Quatro dias depois, o ex-diretor pediu demissão, viu sua possível candidatura à presidência da França ir por água abaixo e, pouco tempo depois, ouviu de sua mulher, a jornalista Anne Sinclair, o pedido de divórcio.

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Nesta quarta-feira, 23, é a vez de Ferrara descobrir qual será a reação do público paulistano, que recebe o diretor e a atriz Jacqueline Bisset (que vive Anne Sinclair, ex-mulher de DSK no longa) para a sessão especial de Bem-vindo a Nova York, no Reserva Cultural, que abre a mostra comemorativa dos 25 anos da distribuidora Imovision, homenageada no Festival de Paulínia.

O longa ainda encerra o festival na cidade do interior paulista no domingo, 27, em sessão aberta ao público. Já para a plateia paulistana, o filme tem sessão também no domingo no Reserva Cultural, às 21h30. "Estou feliz de voltar ao Brasil. Foi muito bom da primeira vez (em 2012, para participar de mostra dedicada a sua filmografia). Espero que o brasileiro goste do filme", declarou Ferrara em conversa com o jornal O Estado de S.Paulo, na tarde dessa terça-feira, 22, quando o diretor americano estava a caminho de Paulínia, onde seria um dos convidados especiais da noite de abertura do festival.

Ainda que defenda que Bem-vindo se trata de obra ficcional, é exatamente sobre o processo de descida ao inferno de um dos homens mais poderosos do mundo, e ainda incapaz de controlar a si mesmo, que Ferrara lança olhar quase documental.

O nome do protagonista foi trocado, por motivos óbvios, para Georges Devereaux (um impecável Gérard Depardieu). No entanto, é mais do que claro que é do ex-diretor do FMI que se está falando. "Há dois assuntos. Um é o caso real de DSK. O outro é o filme que fiz. Não filmamos um documentário. Podemos falar de um filme, de política, de tudo. Mas quando se liga uma câmera, nasce um mundo completamente diferente, que tem a própria dinâmica", disse.

Se o público brasileiro vai gostar do filme, que estreia comercialmente em novembro, é questão em aberto. Já a plateia internacional vem se dividindo entre os que sentem repulsa diante de um retrato ‘inimitavelmente cruel, mas ainda assim contemplativo do caso de Strauss-Kahn", como escreveu o crítico Scott Foundas da Variety, e os que se indignaram e definiram o filme como difamatório, degradante e até mesmo antissemita, como afirmou Anne Sinclair, em artigo do The Huffington Post francês, do qual é editora.

"Até agora, DSK não me processou. Mas tem toda a liberdade. Ele faz o que quiser. Eu faço o que quiser", afirmou Ferrara. "Todos dizem que me inspirei nele. Como me inspirar em alguém como ele? Que tenta estuprar uma camareira? O que me inspirou foi minha consciência, meu subconsciente. Cresci em Nova York. Basta observar a vida."

Há uma certa frieza na forma como Ferrara observa o sexo entre Devereaux e as garotas de programa. É com a mesma precisão cirúrgica que o cineasta mostra a cena do suposto assédio sexual contra a camareira. "Se filmei o sexo como se fosse quase um documentário? Talvez. Acho que esta é a única forma de filmá-lo. Tem que parecer real. É preciso que os atores façam acontecer. E tanto Depardieu quanto as atrizes foram incríveis", comenta o diretor.

É bem por conta das cores realistas impressas em Bem-vindo que muitos viram no filme o melhor de Ferrara desde Vício Frenético (1992). O diretor sempre foi fascinado pela relação entre sexo e poder. "Política, sexo e poder. Combinação explosiva. É sobre isso que muita coisa gira no mundo. Só que do outro lado do poder pode estar a justiça", analisa Ferrara, que, como prólogo, inseriu uma entrevista de Depardieu afirmando que odeia políticos e é anarquista.

"A partir daí, você decide se quer ver o filme ou não. Há a ideia de que políticos e celebridades podem tudo. Mas todos somos iguais perante Deus. E perante o carma. Você pode esconder do mundo, do juiz, da sua mulher, mas não de Deus", completa o cineasta, que estreia Pasolini, sobre o última dia de vida de Pier Paolo Pasolini, no próximo Festival de Veneza, em setembro. "Ele morreu há 40 anos em uma situação ainda misteriosa. Há muitos crimes pelos quais a polícia não se interessa. Mas que me interessam." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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