Dos 40 técnicos da elite do futebol brasileiro, considerando as Séries A e B, apenas três são negros: Roger Machado (Bahia), Marcão (Fluminense) e Hemerson Maria (Botafogo-SP). Para o último, essa escassez está diretamente ligada ao "racismo velado" que ele identifica no futebol brasileiro, independentemente da divisão analisada.
"Nunca sofri ofensas raciais diretas, sempre foi uma coisa velada, mas sempre percebi uma grande resistência. Eu ouvi coisas que meus colegas não ouviam. Diziam, por exemplo, que eu era não técnico para aquele time", disse o treinador que hoje ocupa a 10ª posição na tabela de classificação da Série B do Campeonato Brasileiro. "Não é vitimização. É algo que todos sentem. Enquanto os outros matam um leão por dia, nós temos de matar dois leões e um urso por dia", comparou o catarinense.
##RECOMENDA##O treinador de 47 anos não tem um episódio claro de discriminação para relatar durante a sua carreira de treinador iniciada aos 23 (isso mesmo, 23 anos) quando percebeu que não seria um atleta de destaque. As ofensas ficaram restritas à infância quando era chamado de "macaco" em um bairro carente da região metropolitana de Florianópolis, em Santa Catarina. Naquela época, o filho mais velho de uma professora e de um almoxarife tinha de ajudar em casa, cuidar dos irmãos, estudar e (claro) arrumar tempo para treinar.
Depois de adulto, sua maior conquista ocorreu na situação mais adversa da carreira. Ele se sagrou campeão da Série B em 2014 dirigindo o Joinville, onde viveu uma espécie de soma de preconceitos. "Eu fui muito bem recebido, mas foi uma batalha. Havia muita desconfiança. A torcida tinha resistência e a cobrança era maior. Além disso, existe uma rivalidade regional com as pessoas de Florianópolis, um preconceito entre capital e interior. Soma-se a isso o fato de eu ter trabalhado em dois rivais, o Figueirense e o Avaí. Eu sou negro, de Florianópolis e trabalhei em dois rivais. Foi uma soma. Mas conquistei o respeito por causa dos resultados", disse Hemerson.
A campanha atual do Botafogo na Série B de Hemerson está sendo regular. O time começou bem e chegou a liderar a competição quando o treinador ainda era Roberto Cavalo. Hemerson assumiu a equipe na 14.ª rodada e o time demorou algumas partidas para se recuperar. A reta final do primeiro turno foi ruim. Por outro lado, o time se recuperou na segunda metade e chegou novamente ao G-4. Os fracassos vieram nos confrontos diretos contra Coritiba, Atlético Goianiense, Bragantino e Sport, quando o time jogou em casa. Foram três derrotas e um empate nesse recorte. Hoje, o time está no bloco intermediário. A missão é somar pontos para terminar na primeira parte da tabela de classificação.
O catarinense conta que os desafios para um treinador negro na Série B são conseguir espaço - ele atua desde 2012 - manter a regularidade e, por último, obter resultados para ter novas oportunidades. Para Hemerson, o problema do racismo é estrutural na sociedade brasileira. Ele afirma que não existem negros como diretores executivos de futebol, supervisores, gerentes e auxiliares técnicos. "Demoro para ser atendido quando vou trocar de carro na concessionária. Não vejo negros no colégio particular da minha filha, Hérika", exemplificou. "A gente precisa continuar essa luta para ocupar o nosso espaço na sociedade".