Corriqueiras em dias de jogos no Recife, as brigas de torcidas organizadas seguem assustando quem frequenta os estádios da cidade. No mês passado, um confronto nos arredores dos Aflitos, na partida Náutico x CSA, teve repercussão na mídia nacional, por causa das imagens absurdas que circularam nas redes sociais. Uma bomba foi atirada em um grupo que andava na rua, escoltado pela Polícia Militar de Pernambuco.
No início de junho, outra confusão, desta vez nos arredores do Arruda, onde o Timbu enfrentou o Vasco da Gama. Mais uma vez, cenas de pancadaria foram compartilhadas na internet. Para entender como clubes podem ser parceiros contra a violência e como o torcedor normal pode denunciar e contribuir para que os vândalos sejam punidos, o LeiaJá entrevistou o delegado Thiago Uchôa, titular da Delegacia de Repressão à Intolerância Esportiva. No cargo há dois meses, ele busca dar fôlego no combate aos crimes praticados por essas facções.
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LeiaJá: A Delegacia de Repressão à Intolerância Esportiva foi criada em 2013. Qual era o contexto no momento dessa iniciativa?
Thiago Uchôa: A delegacia foi criada seguindo uma tendência de outros estados de focar no combate às brigas de torcidas organizadas. Pernambuco foi mais um estado a dar esse passo. Já havia um trabalho de investigação nos dias de jogos, mas não era uma delegacia específica, era uma delegacia que estava de plantão e era deslocada para fazer esse trabalho. Hoje em dia, nós temos uma delegacia para trabalhar com a repressão ao crime das torcidas organizadas. Todos os jogos com grande volume de torcida têm nossa delegacia de plantão
LeiaJá: A situação de Pernambuco pode ser considerada grave?
Thiago Uchôa: Mesmo havendo violência, os torcedores comuns continuam indo para o jogo, porque uma boa parte ainda se sente segura com o trabalho realizado pelas polícias. Não é por conta de uma minoria, que torcedores de bem estão deixando de ir a campo. Claro que esse grupo pequeno incomoda, por isso que existem as forças policiais para reprimir os atos de pessoas que estão praticando crimes. A torcida pode continuar indo pro estádio, pois o que tiver de ilegalidade as polícias irão combater.
LeiaJá: O decreto que extinguiu as torcidas organizadas em Pernambuco teve algum efeito na prática?
Thiago Uchôa: O Tribunal de Justiça decretou a extinção compulsória das três torcidas do Recife. Essa proibição ajuda, no momento em que a gente pode fazer um processo de fiscalização nos locais onde a gente percebe que eles estão agindo. Como estão de maneira clandestina, a polícia pode usar outros atores, como Bombeiros e Prefeitura, já que essas sedes não podem funcionar com pessoas jurídicas extintas. A gente pode ir lá mandar fechar as atividades. Foi o que foi feito recentemente. Nós tínhamos um mandato de busca e apreensão em uma dessas unidades, ela não tinha CNPJ, nem alvará de funcionamento. Falta de alvará da Prefeitura, licença de Bombeiros, furto de energia, a gente sai pegando onde eles deixam brechas. Se voltar a funcionar, a polícia fecha de novo.
LeiaJá: Mas nos casos de brigas, esse pessoal seria enquadrado em que crime?
Thiago Uchôa: Lesão corporal, dano ao patrimônio público, roubo, como tivemos no sub-17 da Copa do Brasil, na partida Sport x Corinthians. Ali foi um claro ato de roubo. Tudo isso está sendo investigado. E se atuam de maneira coletiva, podem ser inseridos no crime de associação criminosa. Vai depender de cada caso.
LeiaJá: Como se faz uma queixa contra torcidas organizadas?
Thiago Uchôa: Qualquer delegacia do estado de Pernambuco pode receber qualquer denúncia de crime. Ou pela internet. Essas unidades repassam para a gente investigar.
LeiaJá: Existe uma cooperação com outros estados, já que há casos em que os criminosos são de torcidas de fora de Pernambuco?
Thiago Uchôa: A gente trabalha com investigações e com outras corporações até para se planejar melhor em dias de jogos. E também repassamos informações para outros órgãos como Polícia Militar e Guarda Municipal do Recife.
LeiaJá: O que é mais difícil de se combater, nos casos de brigas agendadas pela cidade?
Thiago Uchôa: Tentamos nos antecipar a eles. Mas eles sempre estão procurando novos meios de se esconder, meios de comunicação que não temos acessos. Às vezes somos surpreendidos com uma briga, mas nada impede de ir atrás depois. Eles têm o efeito surpresa, que estamos correndo atrás cada vez mais para evitar.
LeiaJá: Banir torcedores violentos do estádio seria uma boa medida protetiva?
Thiago Uchôa: Aqui já existem decisões judiciais que determinam esse tipo de afastamento. Isso ajuda, mas o torcedor organizado tem todo um fenômeno sociológico. Às vezes, o cara não é ninguém durante a semana, vive cheio de problema, e quando chega no jogo ele é escolhido como um representante daquele grupo. Então, essa pessoa se empodera. Precisamos entender a prevenção para evitar que essa frustração que ele tem, ele descarregue nos dias de jogos.
LeiaJá: Qual a relação da delegacia com o Juizado do Torcedor?
Thiago Uchôa: A atuação do juizado é nos estádios, em dias de jogos, com a gente. Mas eles só atendem casos de infração de menor potencial ofensivo, que é justamente o crime mais brando. Tentativa de homicídio e assalto já saem da atuação deles. Mas somos parceiros, o que a gente precisa de ajuda o juizado sempre tem providenciado.
LeiaJá: Os times de Pernambuco ajudam no combate à violência de suas organizadas?
Thiago Uchôa: Ajudam, mas podiam ajudar mais. O cadastramento dos torcedores podia ser feito por eles. Os clubes poderiam nos ajudar a ter controle sobre os membros dessas torcidas e caso aconteça algum incidente, o clube contactar a polícia e informar as pessoas envolvidas. Torcedor de bem pode denunciar também, de forma anônima. A gente não trabalha com adivinhação, trabalha com o que consegue desvendar. Então, quanto mais pessoas ajudarem a gente, fornecendo informação, mais rápido vai ser a elucidação, e podemos tirar de circulação esses criminosos travestidos de torcedores.