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*Enviada especial do LeiaJá a Brumadinho (MG)

Na série de reportagens "Brumadinho - O que restou depois da lama", o LeiaJá viajou pela cidade de Brumadinho ouvindo relatos de pessoas afetadas pelo rompimento da barragem.

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Conceição nunca imaginou viver esse momento, o qual ela considera "um filme de terror sem fim". Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

“Isolados aqui para morrer no esquecimento”, resume Conceição Assis, 69, moradora do vilarejo Córrego do Feijão, localizado na área rural de Brumadinho, em Minas Gerais. A tragédia provocada pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, no último dia 25 de janeiro, ainda assombra os pensamentos da aposentada, que nasceu, foi criada no bairro e não pretende se mudar. Ela teme, no entanto, que o ‘Feijão’ nunca mais será o mesmo e deve ir se esvaziando ao longo dos próximos meses.

“A gente tem o nosso quintal e plantamos as nossas coisinhas, era um lugar de sossego. Passei por todas as minhas dificuldades aqui e as superei, tenho uma relação muito forte com o córrego. Agora aqui acabou, não tem mais a nossa calmaria. Sei que meus filhos não vão me deixar ficar aqui sozinha, estou na esperança disso ter logo um fim para eu decidir meu rumo”, relatou Conceição, que segue angustiada desde o dia do rompimento da barragem.

Há anos que os 400 moradores do Córrego do Feijão não viam um enterro de alguém que vivia na pequena comunidade rural. Conceição, que já perdeu as contas de quantos amigos teve de enterrar após a tragédia, ainda espera pelo corpo da nora Angelita Cristiane Freitas De Assis, enfermeira que prestava serviços para a Vale. “Meu filho nem conseguiu falar com ela pelo telefone porque a lama veio de uma vez. Ela estava no refeitório e não teve tempo de nada, não acharam até hoje o corpo dela. Isso para mim está sendo um desastre”, desabafou a moradora do Feijão, que conta com a ajuda dos bombeiros para não perder as esperanças de localizar o corpo de Angelita.

Angelita Cristiane Freitas De Assis ainda não foi localizada. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

As lembranças do mar de lama, que invadiu sem pedir licença ou bater na porta dos moradores desse bairro, não devem se apagar nunca mais. Recomeçar é o que mais querem, porém os caminhos ainda estão escuros e interrompidos pela avalanche marrom que ceifou vidas e a moradia de muitas pessoas.

Conceição não esqueceu nenhum segundo do fatídico dia. Lembra como se fosse ontem que estava se organizando para ir à fisioterapia, quando percebeu que a energia da casa acabou. Não estava chovendo e apesar disso, ela se recorda de ter ouvido uma explosão. "Achei que tinha sido um transformador", falou. Poucos minutos depois, deixou a escova de cabelo de lado quando ouviu a vizinha da frente gritar por socorro. "Ela dizia 'socorro, me ajuda. A barragem da Vale rompeu'. Eu pedi para ela ter calma porque não estava acreditando. Eu tenho pressão alta, fiquei passando mal. Me dei conta de que era verdade quando muita gente se juntou e começou o inferno. Todo mundo correndo para os locais mais altos", disse.

Ela e seus vizinhos precisaram migrar de um canto para o outro até que ela decidiu voltar para sua casa, que fica localizada na região mais alta do bairro. “Estamos vivendo um filme de terror. A gente não se concentra porque fica esse assunto e não sabemos se vamos sobreviver ficando aqui. Eu não esperava viver uma passagem dessa na minha vida, ainda mais morando por aqui”.

O lamaçal, com até 30 metros de profundidade, borrou de marrom, para sempre, a história do vilarejo. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Em abril de 2018, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou o estudo “Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana”. O levantamento avaliou 271 pessoas, das quais quase um terço foi diagnosticado com depressão. A taxa é próxima à encontrada imediatamente após o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.

As consequências psicológicas para a população de Brumadinho também devem ser sérias, já o Corpo de Bombeiros contabiliza mais de 180 mortos identificados e 130 pessoas desaparecidas. O cemitério do vilarejo ficou pequeno. Os coveiros precisaram abrir covas às pressas porque todos os dias estavam sendo localizados corpos. Atualmente, após mais de um mês do ocorrido, o trabalho do Corpo de Bombeiros continua, mas encontrar os corpos ficou mais difícil diante da lama endurecida.

Dona Cota, o filho Rangel Henrique e o seu esposo Noé Henrique. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

As circunstâncias de tristeza e desespero que a onda marrom causou fez com que Maria das Dores, 52, se sentisse abençoada por localizarem o corpo de seu filho Rodrigo Henrique de Oliveira, 30, operador de máquinas na Vale. Após 16 dias do rompimento, Dona Cota, como é conhecida no bairro, recebeu a notícia num misto de alívio e agonia. Ela se sentiu feliz porque diante da situação em que muitas pessoas continuam embaixo da lama, realizar o velório formal de seu filho foi uma vitória.

“Eu pedia que Deus cuidasse dele seja lá onde estivesse. Na lama, no hospital ou no IML. Eu pedia demais para que quando o encontrassem, ele estivesse inteiro e não aos pedaços. Eu tenho quatro filhos e o Rodrigo era um filho da promessa. Fui abençoada, me entregaram o corpo dele inteiro, não do jeito que a gente queria porque com 16 dias a gente não ia encontrar o corpo normal. A decomposição estava avançada, mas ele estava completo”, explicou a mãe.

Dentre tantas consequências, a avalanche de lama ainda deixou cerca de 80 pessoas desabrigadas. O Rio Paraopeba foi contaminado e produtores rurais da região perderam tudo. "Eu não sei o que vai ser do Córrego do Feijão, na hora que todos forem embora, que acabarem as buscas. Eu acredito que será um vazio muito grande", afirmou Dona Cota. Ela é mais uma moradora que não pretende sair da sua casa pelas relações que construiu ao longo da vida no Feijão.

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Rangel Henrique de Oliveira, 24, descreve o dia antes do rompimento da barragem. “O meu irmão era o melhor profissional que já conheci. Todas empresas o queriam pelo seu potencial. No dia 24, ele veio na casa dos meus pais, sempre fomos muitos unidos como família. Ele jantou, conversamos e foi embora. Nunca mais o vi”.

Após descobrir que o mar de lama tinha cedido, Rangel correu junto com outros moradores para a região da mineradora no intuito de encontrar sobreviventes. A lama é formada pelos restos deixados pela atividade de extração e beneficiamento do minério de ferro, principal metal explorado na mina Córrego do Feijão. “As famílias iam chegando desesperadas na frente da lama e parecia que não existia mais nada, destruiu tudo. Parecia outro local. Na hora eu me dei conta, cadê o meu irmão? Desabei em seguida”, relembra.

Meses antes, em 2018, Rangel, que é um dos membros da associação dos moradores do bairro, acompanhou visitas estratégicas dentro da comunidade para a apresentação de uma projeto emergencial, caso tocasse a sirene. “Eles vieram aqui, a Defesa Civil, e informaram que em caso de vazamento, deveríamos ir para um local seguro. A gente suspeitava de um certo risco, mas eu penso que eles sabendo disso, deixar essas construções embaixo da área da barragem seria muita insensatez. E foi o que aconteceu. Não deu tempo de correr. Nós que estamos a três quilômetros dela sentimos um grande impacto, imagina  quem estava a poucos metros. Hoje a lágrima pode até ter secado, mas não é algo que se esquece”, frisa.

O neto de Vicentina é Wesley Eduardo de Assis, 37 anos. Ele trabalhava como operador de máquinas e estava na barragem no momento do rompimento. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

O povoado começou a ser habitado na década de 1940 e Vicentina Gomes, 83, assistiu a tranquilidade de seu bairro perder espaço para o motor das aeronaves. Ela mora com o seu marido, também idoso, o aposentado José Maria das Candeias, 72. Ele em dificuldades de se locomover e conta com a ajuda da esposa para viver. “Imagina eu ter que correr caso essa sirena toque um outro dia, eu não vou conseguir com ele”, lamenta.

Vicentina sente saudades do neto Wesley Eduardo, 37, que também faleceu após o rompimento da barragem. Em tom saudoso, ela chora ao lembrar do cuidado que o falecido tinha com ela. “Ele vinha sempre me ver, cuidava de mim. Eu o criei, sabe? Fui como uma mãe e de repente, a pessoa partir assim por falta de organização da Vale, é uma sensação horrível, minha filha”.

Ela teme ficar sozinha no bairro com medo de adoecer e não ter a quem pedir socorro. “Peço a Vale que resolva essa situação, se ela quiser comprar a minha casa, eu me mudo para Brumadinho para ficar perto de outros filhos. Meu marido não anda e os nossos vizinhos estão partindo. Com quem vamos ficar?”, questiona.

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Neiva Ferreira, 60, sentada na escadaria que dá acesso à Estação do Conhecimento de Brumadinho, que se tornou provisoriamente um centro de acolhimento para as demandas dos moradores da região que foram afetados com o rompimento da barragem, observa a movimentação. Ela tinha ido à localidade para resolver demandas burocráticas e pedir ajuda após perder a filha Jussara Ferreira dos Passos, 35, camareira da Pousada Nova Estância, coberta pela lama.

Ela admite estar parada no tempo desde o último dia 25 de janeiro. "Não apagou nada. Eu tinha um filho trabalhando na barragem e uma filha na pousada. Só um escapou", relembra. Ela destaca ainda que apesar da Vale divulgar que está apoiando os moradores, muitos estão passando necessidades. Neiva precisava da água proveniente do Rio Paraopeba para sobreviver, cuidar das plantas, alimentar seus bichos. "Quero que eles coloquem uma caixa d'água potável na minha casa porque estou numa situação desumana".

O corpo de Jussara foi localizado poucos dias depois do ocorrido. "Já enterrei a minha filha e sei que ela não vai voltar. Agora quero os meus direitos, não é questão de ganância, mas é pensar com a razão. Espero que aqui não fique no esquecimento como foi em Mariana. As pessoas seguem desorientadas, esperando marmita. Quase todo dia tem um enterro. A gente ficava cinco, seis anos sem ir a um velório e agora só esperamos o corpo chegar".

Neiva aguarda por respostas da Vale. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Ao lado de Neiva, está o seu genro. Ele já conseguiu se despedir oficialmente de sua esposa Jussara, mas ainda não enterrou a mãe Giomar Custódio, que também trabalhava na pousada. "O ser humano hoje em dia prefere filmar a desgraça dos outros do que ajudar o próximo. Já pensou se as pessoas que estavam com o celular na mão tivessem gritado para todo mundo correr. A história poderia ser um pouco diferente", criticou o morador do Córrego do Feijão.

Gelson entrou dentro dos matos, correu, burlou os guardas e não conseguiu localizar a mãe e a esposa. A pousada já estava coberta de lama. Ele lamenta ter perdido as duas mulheres de sua vida e ainda não sabe por onde recomeçar.

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*Enviada especial do LeiaJá a Brumadinho (MG) 

Na série de reportagens "Brumadinho - O que restou depois da lama", o LeiaJá viajou pela cidade de Brumadinho ouvindo relatos de pessoas afetadas pelo rompimento da barragem.

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Terreno transformado após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Vinte e cinco dias de um tormento, angústia e da pior notícia que a família de Luciano de Almeida Rocha, 40, poderia receber. Roberta Cristina Ferreira, 37, sua esposa, nunca imaginou que a ligação recebida às 12h03, a qual não atendeu, poderia ser o último contato do marido com ela. Ele trabalhava com topografia, no ramo da geotecnia, em várias barragens de Minas Gerais e no último dia 25 de janeiro foi uma das vítimas após o rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho (MG). O corpo de Luciano segue debaixo da lama e pela lista oficial que contabiliza os números da tragédia, está desaparecido.

De acordo com boletim da Defesa Civil do estado divulgado no domingo (17), todos os óbitos já foram identificados. A tragédia na mina Córrego do Feijão, nos arredores da capital Belo Horizonte, deixou ainda 141 pessoas desaparecidas – entre funcionários da mineradora, terceirizados que prestavam serviços à Vale e membros da comunidade.

Apesar do termo oficial, Roberta já cansou de esperar e não nutre esperanças de que achem o corpo de seu marido para que a família possa enterrá-lo com dignidade. A viúva aceitou nos receber em sua casa, no Residencial Bela Vista, em Brumadinho, para a entrevista. Apesar de permanecer na residência com os três filhos após a tragédia, o desejo de Roberta é sair da cidade e tentar amenizar a dor que sente a cada notícia de que ainda não encontraram o que restou de seu marido.

“Agora estou sem chão e não tenho visão de futuro, fizemos planos, pouco depois do dia 25 de janeiro completamos vinte anos de casados, aniversário do meu filho, viagens e tudo mais, acabou. Ele até brincava que não queria ser enterrado, queria ser cremado porque era medroso. Foi enterrado vivo”, lamenta.

Luciano ao lado da família em um passeio por Minas Gerais. Foto: Arquivo Pessoal

Luciano Almeida, nas palavras de Roberta, era um homem trabalhador, vaidoso, carinhoso com a família e adorava bagunça. Ele não gostava de falar sobre seus sentimentos, mas no domingo antes da tragédia em uma conversa informal falou que não saberia o que fazer caso perdesse Roberta e que “ela era a mulher da sua vida”. Ele a conhecia desde a infância, eram amigos e costumavam brincar em um sítio de familiares em Brumadinho.

Há 21 anos, Roberta saiu de Belo Horizonte para casar com Luciano, seu primeiro namorado e amor. Tiveram cinco filhos, dos quais dois faleceram por problemas na gestação. “Fiquei com minhas três jóias. João, Maria e Miguel. Hoje são tudo que tenho para tocar a vida”, conta.

O caso de Brumadinho não é o primeiro desastre com barragens no Brasil. Há mais de três anos, no dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, deixou 19 mortos e causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais.

Com população de aproximadamente 40 mil pessoas, Brumadinho é uma cidade em que todos se conhecem, praticamente. Caminhar pelo centro do município, mais afastado da barragem que rompeu, não te distancia de sentir os danos que a tragédia causou aos habitantes. Todo mundo perdeu alguém. Seja da família ou um amigo. Se antes para localizar um endereço era preciso a ajuda do google maps, hoje as pessoas conseguem se guiar pela casa de “fulano que está desaparecido ou morto”.

Faixa pendurada no frente da Rodoviária de Brumadinho. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Roberta relembra que seu marido não deveria estar na barragem da Mina Córrego do Feijão naquela sexta-feira. Era o dia dele ir para Congonhas, região central de Minas, onde também existem várias barragens. “Ele estava no local errado e na hora errada. Nem deveria estar ali, mas a caminhonete quebrou e ele ficou preso no escritório adiantando serviço”, relembra. Após perceber que tinha perdido uma ligação de Luciano, ela enviou mensagem pelo aplicativo WhatsApp, que ele nunca recebeu.

A dificuldade em acreditar que todo o pesadelo é real se mistura com as memórias recentes de como Luciano estava feliz no dia. Ele comprou salgados, fez pipoca e levou bolo para o trabalho porque era um dia em que eles confraternizavam. Pouco tempo depois, no horário de almoço, Roberta lembra do filho mais velho falar sobre a barragem ter rompido. “Achei que fosse mentira, mas aí minha sogra também comentou desesperada comigo. Eu telefonei para todo mundo de lá e nem chamava. Foi quando começou a passar na televisão e vimos tudo”.

No dia seguinte, o sábado, as buscas já tinham iniciado e vários trechos da região rural de Brumadinho tinham sido bloqueados em decorrência da passagem da lama. “Fui lá no Parque das Cachoeiras no sábado e tinha muita esperança de encontrá-lo com vida. Eles não nos deixavam passar e entrei pelos matos na casa dos outros. Os bombeiros estavam marcando os locais onde estavam os corpos. Sei que é triste, mas eu precisava chegar perto para acreditar. A última lembrança que tenho dele é dele indo trabalhar feliz”, relembra.

Roberta e os três filhos. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

O escritório onde Luciano estava foi completamente destruído pela lama. Nenhum pertence do topógrafo foi localizado. Roberta confessa que não gosta dessa espera e a cada minuto a sensação de impotência aumenta. Segue tomando algumas medicações para se acalmar e consegue passar o dia relativamente bem cuidando de seus filhos e dos sobrinhos. Mas quando o relógio se aproxima das 17h15, a saudade aumenta e as lembranças todas voltam. Esse era o horário que seu marido chegava do trabalho.

“Eu nunca fui de sentar e esperar as coisas e isso de ficar tendo que aguardar é o que está me matando. Eu não consigo agir de outra forma porque não tem o que eu fazer. Até um padre teve aqui e disse que corpo não vale nada, temos que ver a alma. Mas para a gente, é essencial. Minha filha me perguntou quando vamos enterrar o pai e eu não sei a resposta. Eu tenho muito medo de encerrarem as buscas sem que os outros sejam achados”, destaca Roberta.

A família do marido perdeu quatro pessoas. “Meu concunhado André Luiz, a Letícia Mara, prima do meu marido e o Gustavo, também primo dele. Os quatro trabalhavam para a Vale e foram embora de uma vez só, a família está muito abalada. Todos os três já foram localizados. A avó do Luciano disse para mim que ele seria o último a ser encontrado porque como ele era o mais velho ele iria guiar os primos mais novos. Mas até agora nada”.

"A avó do Luciano disse para mim que ele seria o último a ser encontrado porque como ele era o mais velho ele iria guiar os primos mais novos. Mas até agora nada”. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, destacou em entrevista à imprensa que o incidente é uma "tragédia humana". Ele afirma que a maioria dos mortos pelo desastre são funcionários e terceirizados da empresa, já que, no momento em que a área administrativa foi atingida, havia centenas de pessoas trabalhando no local.

A dona de casa considera que o avalanche de lama que soterrou parte da cidade de Brumadinho não foi um “acidente” ou um “incidente”. Foi uma chacina. “Mataram todos eles, é a mesma coisa de atirar em um por um”, frisa. Mortes, destruição de casas, vegetação e vidas que foram manchadas pela lama e os efeitos de uma rotina calma destruída pela tragédia.

Os passos para superar ou amenizar a dor estão lentos. Roberta detalha que o único serviço prestado pela Vale foi um atendimento psicológico de uma profissional que foi até sua casa, mas não recebeu nenhum telefonema da empresa e não consegue encaminhar as questões burocráticas porque ainda não tem a certidão de óbito, já que Luciano segue desaparecido.

“Eu nunca fui de sentar e esperar as coisas e isso de ficar tendo que aguardar é o que está me matando". Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

“Eles não me procuraram. Parece que estão fazendo favor e a gente tem de suplicar. Fiz o cadastro, mas não recebi nenhum dinheiro de doação, nem de pensão. Fui em uma assistente social na Estação do Conhecimento para saber se poderiam me ajudar com o material escolar dos meus filhos e ainda nada”, denunciou.

Segundo a Vale, até o dia 5 de janeiro, 107 pessoas já haviam recebido a doação de R$ 100 mil. No cadastro da empresa constavam 248 representantes de 229 vítimas registrados. Essa doação não é uma indenização, que será discutida depois com as famílias e representantes do poder público. De acordo com a mineradora, estão aptos a receber a doação representantes de empregados da Vale, de trabalhadores terceirizados e de pessoas da comunidade mortos ou desaparecidos, de acordo com a lista oficial validada pela Defesa Civil.

Roberta destaca ainda que não trabalha e a única renda dentro de casa era a do marido. Ele tinha feito uma promessa para a filha de que no dia 1º de fevereiro iriam comprar o material escolar completo com o tema “unicórnio”, mas não deu tempo. “Ela ficava abalada porque ele tinha prometido, são crianças e ainda não entendem. Arrumei dinheiro e comprei a mochila e os cadernos porque nessas horas a gente precisa pensar mais a frente, mas não fiz isso com a ajuda da Vale. Tenho os dados de sua conta, mas não tenho o cartão e fico nessa de esperar, esperar”.

Na casa de Roberta, os pertences de Luciano ainda estão todos no lugar porque ela não teve coragem de mexer em nada. A única exceção são suas fardas da Vale. Ela fez questão de retirar tudo de seu armário, empacotar e colocar na garagem. “Não quero nada dessa empresa criminosa. Um parente disse que viria buscar, espero que venha logo, quero isso longe da minha casa”, concluiu.

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