O frevo, ritmo pernambucano centenário, é conhecido por fazer fever multidões inteiras durante os dias de Carnaval em sua terra de origem. No entanto, esse gênero musical é muito mais que timbres rasgados e passos frenéticos. Sua história foi - e é - construída por inúmeras mãos, de compositores, músicos, passistas e maestros que, nem sempre, são conhecidos, tampouco, reconhecidos pelo grande público.
Para fazer justiça a alguns desses, e levar às pessoas um maior conhecimento sobre o frevo e seus atores, o jornalista, crítico musical e pesquisador Carlos Eduardo Amaral, criou a série Frevo Memória Viva, editada e publicada pela editora Cepe. O projeto começou após Carlos lançar a biografia do maestro Clóvis Pereira e contemplou outros quatro músicos: Maestro Ademir Araújo, o Formiga; Maestro Duda; Getúlio Cavalcanti e Jota Michiles.
##RECOMENDA##Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, Carlos Eduardo explica que os livros não se tratam exatamente de biografias, mas sim de "grandes reportagens" nas quais também são abordados o desenvolvimento do fremo em termos estéticos, estilísticos e antropológicos, inclusive com a colaboração dos próprios biografados. Uma oportunidade de conhecer melhor sobre a música que mais representa Pernambuco e sobre aqueles que ajudaram a fazer dela um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Confira a entrevista na íntegra.
LJ - Como foi o processo de escolha dos biografados?
Carlos Eduardo - O primeiro de todos os biografados foi Clóvis Pereira, devido à sua atuação como maestro e principalmente compositor de música clássica – que é meu campo de pesquisa e atuação, na qualidade de crítico musical. Depois de lançada a biografia de Clóvis, sugeri à Cepe a criação do selo Frevo, Memória Viva. A editora delegou a missão de volta pra mim e então fiz contato com três compositores, para saber se eles topariam: Formiga, que tem uma ligação não apenas com o frevo de rua, mas também com os caboclinhos e maracatus; Duda, pela referência no frevo de rua em si; e Getúlio Cavalcanti, pela unanimidade no universo do frevo de bloco. Quando voltei à Cepe, levando o o.k. dos três, a editora lembrou que faltava um nome do frevo-canção e sugeriu Jota Michiles. Eu não o conhecia, a não ser de nome, mas topei e o deixei por último, para quando eu tivesse adquirido ritmo de escrita e uma melhor compreensão geral da história do frevo. Durante o processo de produção dos livros houve uma recomendação aqui e acolá para biografar Edson Rodrigues, que não depende de minha vontade, mas eu encararia a missão com todo o prazer. E se for com outro pesquisador que venha a se concretizar, perfeito – o que importa é não deixar a memória dos criadores do frevo adormecer.
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LJ - Alguma passagem, durante o processo de escrita, te chamou atenção ou te tocou de maneira mais significativa?
Carlos Eduardo - Destaco um relato, do livro mais recente, sobre Jota Michiles: o da filha Michelle. Dediquei um capítulo inteiro à fala que ela me concedeu, com poucas observações e intercalações minhas, tamanho foi o impacto dela. Por algumas vezes, tive de exercer um autocontrole enorme, ao longo da conversa, para não chorar, devido à a carga afetiva do relato. E fiquei repensando muitas coisas da minha vida, ao voltar pra casa. Jota também caiu num profundo processo de reflexão, ao ler o livro já pronto. e foi muito humilde em abrir o coração, reconhecer os pontos que porventura tivesse de melhorar e agradecer o apoio da família.
LJ - Essa série mudou em algum aspecto sua visão sobre o frevo?
Carlos Eduardo - Como manifestação musical, rigorosamente falando, não. Quanto mais eu pesquisava, mais confirmava que o frevo – pela sua trajetória e pelo trabalho atualmente desenvolvido por grandes músicos (do passado e do presente) que estão na cena musical pernambucana – sempre trilhou bons caminhos, mesmo tendo passado algumas épocas engessado, quando poderia ter se sintonizado mais com as novas gerações ou buscado novos mercados. O que falta mesmo é união, convergência de esforços e menos lamentações de produtores de visão atrasada e amadora. O frevo tem tudo para ganhar o mundo e Pernambuco deve agradecer àqueles que estão viajando mundo afora, ganhando prêmios e colecionando boas críticas, enquanto outros choram a ausência de algum dinheiro público e de espaço na imprensa, sem aceitar fazer uma autocrítica, sem atualizar-se em termos de produção, divulgação e mercado, e sem oferecer novas ideias musicais e novos formatos de performance e repertório.
LJ - Você acha que o pernambucano conhece pouco de sua própria música, apesar de orgulhar-se tanto dela?
Carlos Eduardo - Sim, mas temos caminhos para reverter isso: inserção das manifestações culturais pernambucanas no currículos das diversas disciplinas escolares e universitárias onde aplicáveis; visitas a instituições de referência (Paço do Frevo e museus diversos, clubes e blocos carnavalescos, centros de artesanato, ateliês etc.); rodas de debates; documentários e reportagens na imprensa; por aí vai.
LJ - Por que você acha que o frevo, apesar de toda sua riqueza e efeito que causa nas pessoas, ainda é relegado apenas ao Carnaval?
Carlos Eduardo - Por não ter investido com suficiente afinco em formatos e discursos extracarnavalescos. O forró está aí, seja o pé-de-serra, seja o eletrônico, com seus nichos garantidos ao longo do ano. A título de exposição sobre como enveredar por essas searas, deixo o convite para uma carta aberta que publiquei ano passado em meu blog.
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LJ - Você tem publicações futuras planejadas?
Carlos Eduardo - Tenho. Chegou a um ponto que não posso parar mais. Durante o processo de produção e lançamento dos cincos livros pela Cepe, que durou de 2013 a 2019, investi também em composições musicais e arranjos, que, aos poucos, estou tendo a oportunidade de ver executados e gravados, mas a partir de agora possuo um novo foco e estou direcionando meu tempo livre a ele: a literatura. Se aparecerem convites para novas biografias, serão bem-vindos e devidamente analisados, porém estou concluindo meu primeiro romance e já tenho mais quatro esquematizados para serem desenvolvidos ao longo do próximo quinquênio. Descobri que na literatura está a minha voz mais verdadeira e é por ela que tentarei me interligar profissionalmente, inclusive, com os que estão à minha volta: família, amigos, colegas de profissão, conhecidos, admiradores etc. A composição musical também é uma realização pessoal que fui capaz de atingir, mas na literatura tenho muito mais possibilidades de expressão, amplitude de fala e criação de diálogo duradouro.