Tópicos | miscigenação

O Brasil é um país multicultural, que tem na sua formação influências de diversas origens. Nossa construção identitária levou à miscigenação e ao sincretismo religioso, em que diversas correntes ideológicas acabaram se misturando, por vários motivos. A vivência de fé é algo muito pessoal e privado, não cabendo a ninguém mais tecer algum juízo de valor, diminuindo essa ou aquela religião. No entanto, em pleno século 21, a intolerância religiosa ainda traz máculas à sociedade.

Chega a ser um contrassenso que um país tão diverso em seu(s) rosto(s) seja tão intolerante em seu pensamento. Segundo os dados mais recentes, do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apenas em 2021, foram registradas mais de 800 denúncias de intolerância religiosa no país – isso contando somente as que foram oficializadas; o número real, no entanto, sabemos que é bem maior. As religiões de matriz africana são os maiores alvos: agressões, depredação de espaços de culto, demonização das práticas. Todas essas ações, repetidas por décadas, ou séculos, relegaram a fé de herança africana a um espaço de medo. Falar de Candomblé, Umbanda ou práticas semelhantes gera medo em muitas pessoas, por puro desconhecimento. Não, nenhuma dessas religiões prega o mal ou inclui práticas “sombrias”. Nesse ponto, o conhecimento é a melhor arma para quebrar preconceitos e paradigmas.

Na TV, dois exemplos recentes do tratamento dessa questão. No “Big Brother Brasil”, o participante Fred Nicácio, adepto ao Ifá, culto tradicional Iorubá, sofreu intolerância por parte de outros competidores, que afirmaram ter medo de suas orações e práticas religiosas. Voltamos ao ponto: a ignorância leva ao preconceito. Claramente, quem desrespeita outra fé, atribuindo a ela um status negativo, desconhece aquela prática e seus princípios. Por outro lado, a novela “Vai na fé”, também na Globo, tem abordado as religiões com olhar positivo: de evangélicos a candomblecistas, os personagens ajudam a trama a expor a beleza de cada sistema religioso. E esse é o caminho: educar para combater o preconceito.

Religião é um tema muito sensível. Ninguém gosta de ter sua crença desrespeitada. Da mesma forma, faz-se necessário saber conviver e valorizar. A palavra religião vem do latim religare, que significa religar; ou seja, é a prática que nos reconecta a algo maior. Sendo assim, precisa ter seu lugar garantido. Especialmente em um país tão diverso, não há mais espaço para a intolerância. O ponto que conecta, em suma, todas as religiões, é muito simples: o amor.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) indica uma inversão da tendência histórica de aumento da afirmação da miscigenação na população brasileira. Entre 2009 e 2011, houve queda na participação de pessoas que se declaram pardas e aumento dos autodeclarados pretos.

Juntos, pretos e pardos se tornaram maioria no País a partir de 2008, segundo o IBGE. No entanto, os pardos continuavam crescendo até a última pesquisa, de 2009. Em 2011, houve aumento de 1,4 ponto porcentual dos pretos e redução de 0,4 ponto para brancos e de 0,9 ponto da população parda. Para especialistas ouvidos pela reportagem, é óbvia a influência de políticas afirmativas. No País, o maior contingente de pessoas que se declaram pretas está no Nordeste (10,5%). Já o de pardos fica na região Norte (67,9%) e o de brancos, no Sul (77,8%).

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"O que há de novo é o crescimento especificamente do preto em detrimento do pardo. O brasileiro não é burro. Isso vem acontecendo numa proporção exatamente simétrica à expansão das políticas de ação afirmativa fundadas no conceito de raça", avalia o professor da UFRJ Manolo Florentino, do departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). "No final das contas, vamos acabar tendo uma sociedade bicolor."

O economista Claudio Moura Castro e o sociólogo Simon Schwartzman concordam com a avaliação de que há influência de políticas afirmativas e campanhas de valorização da identidade étnica. "A definição de cor é muito volátil. Se fizerem cota para branco, vai aumentar a proporção de branco", diz Castro. Para ele, a explicação "mais óbvia" para a queda de pardos é a questão da identidade. Schwartzman avalia que, apesar de as cotas também beneficiarem os pardos, há uma campanha do movimento negro no sentido de que as pessoas se declarem pretas, e não pardas. "Assim, a dúvida não se instaura", completa Florentino.

O professor da UFRJ afirma que a tendência histórica verificada ao longo do século 20 era de "extinção" da categoria preto e de crescimento dos pardos, lembrando que, a rigor, pardos são também a mistura de brancos com indígenas. Ou seja, uma afirmação da miscigenação. "Agora, temos uma reversão disso. Ao invés de afirmar-se a miscigenação expressa através do crescimento do pardo, o que está se afirmando é a bipolarização da sociedade com o crescimento dos pretos", diz Florentino.

O professor da UFRJ considera válido o IBGE perguntar a cor e não a origem étnica. "Já se tentou pela origem étnica, o padrão americano, e isso redundou em respostas que majoritariamente apontavam para nacionalidade", diz.

A Pnad mostra que, da população desocupada no País em 2011, 57,6% eram pretos ou pardos. O porcentual aumentou em relação a 2009, quando era de 56,2%.

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