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Estimulando o cuidado com a saúde sexual e desmentindo alguns mitos e preconceitos, o mês se inicia nesta sexta-feira (1) com a campanha do Dezembro Vermelho, que marca uma mobilização nacional na luta contra o vírus HIV, a Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Sendo assim, o LeiaJá entrevistou um biomédico para explicar sobre os avanços nos tratamentos das doenças e esclarecer as dúvidas de muitas pessoas sobre as diferenças entre HIV e AIDS.

Avanços

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Um relatório divulgado esse ano pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) aponta que o fim da doença é uma escolha política e financeira, e que os países e lideranças que estão seguindo esse caminho já percebem resultados promissores. Países como Botsuana, Ruanda e Zimbábue estão sendo considerados exemplos mundiais ao alcançarem as metas denominadas de "95-95-95". Isso significa que 95% das pessoas que vivem com HIV conhecem seu status sorológico, 95% estão em tratamento antirretroviral e outras 95%, que são acompanhadas por infectologistas, estão com a carga viral suprimida.

Mesmo ainda não alcançando essa meta, o Brasil tem números animadores. Dados apresentados na última quinta-feira (30) pelo Ministério da Saúde revelam que 1 milhão de pessoas viviam com HIV no país no ano passado. Desse total, 900 mil foram diagnosticadas, 731 mil das que têm diagnóstico estão em tratamento antirretroviral e 695 mil pessoas que estão em tratamento antirretroviral têm carga indetectável do vírus. Transformando esses números em porcentagens, o Brasil está com suas metas na casa de “88-83-95”, respectivamente.  

“Esses números animam, principalmente por saber que essa doença já matou muita gente nos anos 80. Ali as pessoas viviam amedrontadas, pois se a saúde sexual está doente, a saúde mental também fica afetada. Mas hoje é diferente. Claro que existem os perigos ocasionados pela doença, mas quem segue e respeita o tratamento, consegue viver muito bem”, afirma o biomédico Thiago Silva.

O especialista que trabalha em um laboratório de análises clínicas diz que “a decisão de se fazer o teste rápido é um passo muito importante para cuidar da saúde”.

“Vejo pacientes que vão fazer o teste rápido com um certo tipo de receio de que positive para o vírus. Mas é muito importante procurar um local de coleta. O medo precisa, urgentemente, ser substituído por precaução. Assim como o teste é muito importante, não deixe de usar preservativos”, afirmou.

Como o biomédico citou, o preservativo, ou camisinha, é o método mais conhecido, acessível e eficaz para se prevenir da infecção pela doença e outras infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis, a gonorreia e alguns tipos de hepatites. Os preservativos masculino e feminino são distribuídos gratuitamente em qualquer serviço público de saúde.

Thiago reforçou que a transmissão, em grande parte, ocorre através de uma relação sexual desprotegida, porém que existem também outras formas de se contaminar com a doença, como por exemplo, no compartilhamento de seringas contaminadas ou na transmissão vertical, que é quando a mãe passa o vírus para a criança durante a gestação, no momento do parto ou na amamentação, devido a falta de tratamento ou profilaxia.

PEP e PrEP

Com o avanço da ciência nos últimos anos, hoje é possível tanto controlar como prevenir a transmissão do HIV de diversas maneiras, muitas delas disponíveis gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um grande exemplo disso é o uso Profilaxia Pós-Exposição (PEP) e da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP).

A PEP é o uso de medicamentos antirretrovirais após um possível contato com a doença em situações como: violência sexual; relação sexual desprotegida, ou seja, sem o uso de camisinha; rompimento do preservativo e em casos de acidente ocupacional, que é quando a pessoa se fere com um instrumento perfurocortante ou quando tem um contato direto com um material biológico contaminado.

Para que a PEP seja efetiva, ela deve ser iniciada logo após a exposição de risco, respeitando um prazo de até 72 horas. Os medicamentos devem ser tomados por 28 dias. Mesmo com eficácia comprovada, os especialistas afirmam que a PEP não serve como substituta à camisinha.

Já a PrEP é o uso dos medicamentos antirretrovirais antes da exposição a doença. Ela reduz a probabilidade da pessoa se infectar com o vírus e é utilizada quando existe um alto risco de contrair o HIV. Os públicos prioritários para PrEP são as populações-chave, que são aquelas que concentram o maior número de casos de HIV no país: gays, pessoas trans, trabalhadores/as do sexo e parcerias sorodiferentes, que é quando uma pessoa está infectada pelo HIV e a outra não.

Diferença entre HIV e Aids

Questionado na entrevista sobre qual a diferença entre as doenças, o biomédico Thiago Silva afirmou que "o HIV é o vírus causador da Aids, pois ele ataca as células específicas do sistema imunológico, já a aids se apresenta no corpo do paciente em um estágio mais avançado da infecção pelo HIV". “Ter HIV não significa que a pessoa desenvolverá aids, pois hoje existem tratamentos para diminuir o impacto do vírus no corpo. Mas vale lembrar que a aids é uma doença causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, quando a falta de tratamento por longo tempo faz os sintomas avançarem de nível”.

O especialista explicou que a aids “ataca células específicas do sistema imunológico”, aquelas que são responsáveis em defender o organismo de outras doenças.

“Em um estágio avançado da infecção pelo HIV, o paciente apresenta vários sinais e sintomas, além de infecções como a pneumonias atípicas e doenças parasitárias. Alguns tipos de câncer também podem acometer o paciente. Isso acontece pois o HIV usa células do sistema imunológico para replicar outros vírus. Além disso, ele as destroem, tornando o organismo incapaz de lutar contra em série de infecções e doenças”. Completou.

 

O fim da Aids é uma escolha política e financeira dos países e lideranças que estão seguindo esse caminho e estão obtendo resultados extraordinários, o que pode levar ao fim da pandemia de Aids até 2030. É o que mostra um novo relatório divulgado nesta quinta-feira (13) pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids).

O relatório - denominado O Caminho que põe fim à Aids - expõe dados e estudos de casos sobre a situação atual da doença no mundo e os caminhos para acabar com a epidemia de Aids até 2030, como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 

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Segundo a entidade, esse objetivo também ajudará o mundo a estar bem preparado para enfrentar futuras pandemias e a avançar no progresso em direção à conquista dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Unaids é o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids que lidera e inspira o mundo a alcançar sua visão compartilhada de zero novas infecções por HIV, zero discriminação e zero mortes relacionadas à Aids. Ele trabalha em colaboração com parceiros globais e nacionais para combater a doença. 

Metas 95-95-95

Países como Botsuana, Essuatíni, Ruanda, República Unida da Tanzânia e Zimbábue já alcançaram as metas 95-95-95. Isso significa que, nesses países, 95% das pessoas que vivem com HIV conhecem seu status sorológico; 95% das pessoas que sabem que vivem com HIV estão em tratamento antirretroviral que salva vidas; e 95% das pessoas em tratamento estão com a carga viral suprimida.

Outras 16 nações, oito das quais na África subsaariana - região que representa 65% de todas as pessoas vivendo com HIV - também estão perto de alcançar essas metas.

Brasil: 88-83-95

O Brasil, por sua vez, também está no caminho, com suas metas na casa de 88-83-95. Mas o país ainda enfrenta obstáculos, causados especialmente pelas desigualdades, que impedem que pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade tenham pleno acesso aos recursos de prevenção e tratamento do HIV que salvam vidas.

Na visão da Oficial de Igualdades e Direitos do Unaids Brasil, Ariadne Ribeiro Ferreira, o movimento em casas legislativas municipais, estaduais e no Congresso Nacional de apresentar legislações criminalizadoras e punitivas que afetam diretamente a comunidade LGBTQIA+, especialmente pessoas trans, pode aumentar o estigma. “Este movimento soma-se às desigualdades, aumentando o estigma e discriminação de determinadas populações e pode contribuir para impedir o Brasil de alcançar as metas de acabar com a Aids até 2030”, diz ele. 

Lideranças

"O fim da Aids é uma oportunidade para as lideranças de hoje deixarem um legado extraordinariamente poderoso para o futuro", defende a diretora executiva do Unaids, Winnie Byanyima.

"Essas lideranças podem ser lembradas pelas gerações futuras como aquelas que puseram fim à pandemia mais mortal do mundo. Podem salvar milhões de vidas e proteger a saúde de todas as pessoas", acrescenta.

O relatório destaca que as respostas ao HIV têm sucesso quando baseadas em uma forte liderança política com ações como respeitar a ciência, dados e evidências; enfrentar as desigualdades que impedem o progresso na resposta ao HIV e outras pandemias; fortalecer as comunidades e as organizações da sociedade civil em seu papel vital na resposta; e garantir financiamento suficiente e sustentável.

Investimentos

O relatório do Unaids mostra, também, que o progresso rumo ao fim da Aids tem sido mais forte nos países e regiões com maior investimento financeiro. Na África Oriental e Austral, por exemplo, as novas infecções por HIV foram reduzidas em 57% desde 2010 e o número de pessoas em tratamento antirretroviral triplicou, passando de 7,7 milhões em 2010 para 29,8 milhões em 2022.

Com o apoio e investimento no combate à Aids em crianças, 82% das mulheres grávidas e lactantes vivendo com o HIV em todo o mundo tiveram acesso ao tratamento antirretroviral em 2022, em comparação com 46% em 2010, o que levou a uma redução de 58% nas novas infecções por HIV em crianças de 2010 a 2022, o número mais baixo desde a década de 1980.

Marcos legais

Segundo o relatório, o fortalecimento do progresso na resposta ao HIV passa pela garantia de que os marcos legais e políticos não comprometam os direitos humanos, mas os protejam. Vários países revogaram leis prejudiciais em 2022 e 2023, incluindo Antígua e Barbuda, Ilhas Cook, Barbados, São Cristóvão e Nevis e Singapura que descriminalizavam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

Financiamento

O financiamento para o HIV também diminuiu em 2022, tanto de fontes internacionais quanto domésticas, retornando ao mesmo nível de 2013. Os recursos totalizaram US$ 20,8 bilhões em 2022, muito aquém dos US$ 29,3 bilhões necessários até 2025, afirma o documento.

O relatório expõe, no entanto, que existe agora uma oportunidade para acabar com a Aids na medida em que a vontade política é estimulada por meio dos investimentos em resposta sustentável ao HIV.

Esses recursos devem ser focados no que mais importa, reforça o Unaids: integração dos sistemas de saúde, leis não discriminatórias, igualdade de gênero e fortalecimento das redes comunitárias de assistência e apoio.

"Os fatos e os números compartilhados neste relatório não mostram que o mundo já está no caminho certo, mas indicam claramente que podemos chegar lá. O caminho a seguir é muito claro”, observa a diretora executiva do Unaids, Winnie Byanyima.

Durante a pandemia da Covid-19, garotas de programa se viram obrigadas a se expor ao perigo de contaminação. Muitas não conseguiram o Auxílio Emergencial - que já é um valor muito abaixo do que costumam ganhar - e continuaram trabalhando na pandemia.



A UNAIDS, programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, afirma que a pandemia fez com que as profissionais do sexo em todo o mundo passassem por dificuldades, com perda total de renda e maior discriminação e assédio. A organização aponta que, como as trabalhadoras do sexo e seus clientes se auto-isolam, elas ficam desprotegidas, cada vez mais vulneráveis e incapazes de sustentar a si mesmas e suas famílias.

No Brasil, o governo lançou o Auxílio Emergencial para ajudar a população que foi afetada com o fechamento do comércio e outras medidas de isolamento para conter a Covid-19. No entanto, a Coordenadora da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) e presidente da Associação de Prostitutas do Estado do Piauí, Célia Gomes, 54 anos, destaca que muitas profissionais não conseguiram o dinheiro do auxílio e se viram mais desprotegidas.

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“O governo acha que nós somos invisíveis. Só somos visíveis na hora de votar - aí nós somos gente, somos profissionais. A gente teve que ir trabalhar de outras formas, buscando as ajudas necessárias. Algumas das mulheres tinham o Bolsa Família, mas outras não tinham e nem conseguiram se inserir no Auxílio Emergencial”, explica Célia.

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A principal reclamação das profissionais do sexo é que o governo, seja ele municipal, estadual ou federal não desenvolveu políticas públicas voltadas para essa camada da sociedade que, rotineiramente, já é tão marginalizada pelo poder público.

“Foi uma situação que, para nós, foi pior do que para outros brasileiros. Nunca teve uma política pública para essa população, não seria agora que iria ter. A gente vem lutando por inclusão, mais respeito, mais políticas públicas. A gente participa de várias comissões, mas eles [os políticos] não querem olhar para nós”, salienta a coordenadora da CUTS.

Sem o apoio esperado dentro do seu próprio país, as profissionais conseguiram uma ajuda com órgãos internacionais. “A gente teve muita ajuda do pessoal de fora do país, que falava com a gente pelas redes. Aqui no Brasil a solidariedade apareceu, mas foi muito pequena. Durante todo esse tempo uma coisa bacana que aconteceu foi que quem tinha uma horta, um açougue eram as pessoas que mais ajudavam. Mas isso foi uma articulação das putas”, diz Célia.

Marcelly Tretine

Marcelly Tretine, 28 anos, profissional do sexo e secretária da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), lembra que o momento de maior dificuldade vivido pelas profissionais aconteceu nos primeiros meses da pandemia. Agora, com a queda nos registros de casos confirmados e óbitos, essas profissionais estão retornando a sua rotina de trabalho dentro do possível.

 "Nós conseguimos adaptar esta instituição para que pudéssemos possibilitar uma ajuda com a entrega de alimentos e kits de higiene. Conseguimos atender 400 pessoas porque a gente sabe o sofrimento de toda essa população", diz Tretine sobre a Amotrans.

"Já é difícil sobreviver na sociedade onde não se tem oportunidades. Como é viver na pandemia para essa população? É uma luta de sobrevivência. Tem que se expor, tem que trabalhar e tem que correr atrás. Eu tive a ajuda da minha família nesse período, mas nem todo mundo tem essa sorte", completa a secretária da Amotrans.

A UNAIDS aponta que organizações lideradas por profissionais do sexo de todas as regiões estão relatando falta de acesso aos planos nacionais de proteção social e exclusão de medidas emergenciais de proteção social. "Quando são excluídas das respostas de proteção social à Covid-19, as profissionais do sexo são confrontadas com a possibilidade de ter sua segurança, sua saúde e suas vidas em risco, apenas para sobreviver", diz a entidade.

A organização está apelando aos países para que tomem ações imediatas e críticas, baseadas nos princípios de direitos humanos, para proteger a saúde e os direitos das profissionais do sexo.

*Fotos: Júlio Gomes

De 2007 até junho de 2018, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 247.795 casos de infecção pelo HIV no Brasil. Nesse período, o levantamento aponta um total de 169.932 (68,6%) diagnósticos em homens e 77.812 (31,4%) em mulheres. Embora qualquer um possa ser infectado pelo HIV, estão mais vulneráveis homens que fazem sexo com homens, mulheres trans, trabalhadores sexuais, jovens, pessoas que usam álcool e outras drogas e pessoas privadas de liberdade.

Em 2013, quando tinha 33 anos, o estudante Mauro Santos*, que nesta reportagem ganhou nome fictício, foi diagnosticado com o vírus em um dos exames rotineiros que fazia anualmente. Ele não preferiu se estender ao contar o contexto em que foi infectado, mas relembra que estava em um relacionamento sério com outro homem e que teria se tornado soropositivo através dele, por um descuido no preservativo.

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Mauro reconhece que estava em um grupo de risco, apesar da vivência em movimento social desde o ano de 2002, atuando na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, alertando sobre os perigos da Aids em escolas e ambientes de aprendizado. “Eu não era um completo ignorante. Eu sabia de tudo e aceitei o risco quando me expus ao meu companheiro na época”, diz.

"Ao receber a notícia, a sensação foi de desespero porque é algo que todo mundo está sujeito, mas ninguém quer para si. Eu procurei me recompor porque sabia da importância do meu psicológico para tocar a minha vida e foi o que eu fiz", relembra.

Mauro convive com o HIV há cinco anos e confessa já ter passado por altos e baixos. Ele iniciou seu tratamento no Hospital Correia Picanço, em 2014, para tomar a medicação e lhe foi informado que o melhor horário para se medicar seria à noite por causa dos efeitos colaterais. “A tontura é angustiante e mistura com a depressão, causa um desespero. Tive que fazer de tudo para que a minha mãe não percebesse. Em uma das minhas primeiras quedas, eu me sentia acabado, passei o dia mal. Era o início de tudo, estava me acostumando”, relata.

“Eu não era um completo ignorante. Eu sabia de tudo e aceitei o risco quando me expus ao meu companheiro na época”, diz. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O estudante decidiu que não contaria a família sobre sua saúde porque tinha medo da reação deles e preferiu viver em silêncio sobre esse assunto. “Até hoje a minha família não sabe, e eu prefiro que seja assim porque é outra cultura, minha mãe já é mais velha e tenho receio dela não aceitar. Só quem sabe são poucos amigos porque precisei desabafar”.

Reconstruir a vida na condição de soropositivo é uma batalha diária porque a sociedade ainda é muito reativa quando se fala em Aids. E Mauro sentiu isso na pele. No último relacionamento que se envolveu, após duas semanas conhecendo melhor a outra pessoa, precisou revelar a sua condição de saúde porque a preocupação com o outro é fundamental para acabar com o HIV de uma vez. “Estava com esse homem e quando contei, o resultado não me surpreendeu. Ele preferiu se afastar e seguimos em frente no caminho oposto”, conta.

Muitas pessoas ainda acham que a doença pode ser transmitida pelo ar, no beijo, ou em um simples abraço. Mas longe dos gestos afetuosos transmitirem algo de ruim.  “O preconceito é algo que eu já sentia por ser gay, mas agora é duplo porque quando alguém fala algo negativo de um soropositivo, eu ouço e me sinto ofendido, mas nem sempre posso falar algo”, afirma.

O tratamento contra o HIV disponível atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS) é um coquetel de três medicamentos responsáveis por inibir o máximo possível a reprodução do vírus no corpo, enquanto mantém o sistema imunológico atuante e protege contra infecções oportunistas.

Mauro relata que sabe dos riscos de ficar sem a medicação e condena o sistema de saúde de Pernambuco porque em 2018 foram no mínimo duas semanas com a medicação em falta. “A minha sorte foi que eu nunca deixo meus remédios acabarem, sempre pego antes. Então eu tinha certo estoque, mas muitos amigos me ligaram pedindo, desesperados sem saber o que fazer e a quem recorrer nessas horas”, comenta o estudante, que diz fazer parte de um grupo de WhatsApp para soropositivos trocarem informações e se ajudarem.

Um dos sonhos que ele carrega para diminuir o impacto da doença na sua vida é que criem uma vacina para tomar mensalmente. “Evitaria da gente ter que tomar as medicações todos os dias, vai ser muito melhor”, opina esperançoso.

Uma pesquisa internacional avaliou o efeito de injeções espaçadas de dois antirretrovirais em mais de 200 pacientes. Em dois anos, 87% dos que receberam a dose uma vez ao mês suprimiram o vírus. Mas, para que o estudo possa se expandir e se tornar seguro e efetivo, precisa passar por uma nova fase de pesquisas com um número bem maior de voluntários. Ainda não há expectativa para que seja aplicado ao mercado.

Aos 23 anos uma médica informou que o resultado do seu exame tinha sido reagente e que ele estava com o vírus. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

O profissional do sexo José Carlos* - nesta reportagem ganhou nome fictício -, 27, que trabalho com o corpo desde os 14 anos, lamenta não ter conhecido a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV antes de ser diagnosticado com o vírus. O PrEP é o uso preventivo de medicamentos antes da exposição reduzindo a probabilidade da pessoa se infectar com vírus e pode ser utilizada por grupos de alto risco, gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH); pessoas trans; trabalhadores/as do sexo e parcerias sorodiferentes (quando uma pessoa está infectada pelo HIV e a outra não).

Não deu tempo. Aos 23 anos, uma médica informou que o resultado do seu exame tinha sido reagente e que ele estava com o vírus. José era casado e tinha uma filha. Quando decidiu contar a sua esposa, teve medo de dizer como poderia ter pego porque a prostituição era algo secreto e ela nem desconfiava. “Fui muito irresponsável, falei que tinha pego com alguma mulher porque tinha a traído na rua, mas não tive coragem de revelar a forma que ganhava dinheiro”, esclarece.

A mãe e o pai ficaram em choque, sem entender direito como seria a vida do filho daquele momento em diante, mas José sempre demonstrou tranquilidade porque fez pesquisas, passou a frequentar reuniões no GTP+ e em outras ONGs, e as conversas no ciclo de amigos próximos também o acalmavam. “A minha mãe ainda se preocupa muito comigo, quando saio para beber e perco noites de sono. A gente sabe que não pode exagerar porque a doença chega muito rápido. Mas minha mente sempre foi mais aberta, consigo me acalmar para poder tranquilizar quem está ao meu redor”.

José se considera heterossexual e que o fato de transar com homens em seu trabalho não altera sua sexualidade. “Gosto de mulheres, quero encontrar uma para que eu possa me apaixonar de novo, espero que ela me aceite. Mas, são negócios e mantenho relações sexuais com homens principalmente para sobreviver”. Ele conta que já frequentou saunas gays, cinemas, e pontos de prostituição por muitos anos, mas agora mantém um caso com um pastor de uma igreja evangélica que pediu “exclusividade”.

Mas, apesar disso, continua trabalhando com programa quando aparece alguma oportunidade. “É um trabalho que não tem crise, não abala, quem quer sexo vai procurar isso, eles pagam para isso. Quem me conhece, me procura porque gosta de mim. Mas sei que ficando velho, vou perder clientes e essa é a tendência, os mais novos são mais procurados”.

Mesmo sendo portador do HIV, ele diz que leva uma vida tranquila, saudável e sempre que vai fazer sexo, faz o uso da camisinha. Com os medicamentos que fazem parte do coquetel, as perspectivas de vida para soropositivos estão cada vez melhor. Pior mesmo é o preconceito que só aumenta. “O desconhecimento é muito grande, tenho medo de nunca conseguir casar de novo. É um assunto que parece um monstro para tantas pessoas e é tão simples de ser entendido. A gente sofre demais, mas não me entrego”, admite.

Para ele, os casos de HIV entre jovens aumentaram porque falta conscientização, principalmente nas periferias, em que o acesso a educação sexual é mais precário. “Muitas pessoas se drogam, precisam trabalhar com o corpo, e estão vulneráveis. O estado precisa intervir urgente e criar novas medidas mais eficazes para essa molecada ter mais conhecimento”, opina.

José não se arrepende de ter entrado na prostituição para se manter e por consequência ser infectado, mas sente mágoa de seu passado e presente e gostaria de largar o sexo por dinheiro de uma vez por todas. “Quero ter um trabalho como qualquer outro, uma vida mais digna, me cuidar mais. Só que nem tudo é tão simples assim, o dinheiro fácil é atrativo, mas da mesma forma que ele vem com facilidade, vai embora também”, analisa.

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Conheça outras histórias de pessoas que convivem com o vírus do HIV clicando nas imagens a seguir:

 

 

 

 

 




 

 

 

 

 

 

— No velório do meu companheiro, a família dele jogou cal em seu corpo, lacrou o caixão com madeira e prego e pediu que ninguém tocasse nele porque tinha morrido com Aids.

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Emocionado ao relembrar um dos momentos mais difíceis de sua trajetória, Wladimir Reis, 58, hoje se tornou coordenador do Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+), fundado em 2000 por pessoas com HIV e seus familiares.

Na década de 1990, Wladimir Reis e o seu companheiro trabalhavam na mesma empresa no Porto de Suape, na cidade do Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife, em uma indústria náutica. Ele relembra que Alberto, seu namorado, era homossexual, mas havia casado com uma mulher porque ela tinha engravidado e eles precisavam manter a aparência para a sociedade. Longe dos holofotes, os dois eram só amores. Alberto gostava de se cuidar, era vaidoso, andava sempre com os cabelos arrumados e as unhas cortadas, se recorda Wladimir, em tom de saudosismo.

Em 1994, em três semanas, ele percebeu que Alberto estava mudado, com o físico abalado, sem se cuidar e o aspecto de doente. “Ele dizia que não estava legal, mas não sabia o que estava acontecendo. Eu também não tinha ideia do que estava por vir”, relembra. Poucos dias depois de perceber a mudança, ele recebeu a ligação da esposa de Alberto e foi informado de que ele estava passando mal. “Eu ainda me lembro, consegui um carro com a minha chefe na época, ela também me ajudou a marcar uma consulta em uma clínica no centro do Recife. Fui buscá-lo na casa dele o fomos direto para o consultório do médico”.

Alberto já não se locomovia, estava fraco. Quando o doutor fez a radiografia, apontou que o quadro de saúde era de pneumonia, mas que não era grave e que ele podia ir para casa. “Era uma sexta-feira e o médico me disse para levá-lo ao Otávio de Freitas na segunda-feira, e lá poderiam conseguir interná-lo, mas que ele ficaria bem”, destaca Wladimir.

E o procedimento que o médico informou foi seguido. Wladimir levou Alberto de volta à casa de sua família e teve que realizar uma viagem a trabalho para o interior de Pernambuco. Na segunda-feira, logo pela manhã, recebeu a ligação fatídica. A esposa de Alberto informava que ele faleceu a caminho do hospital. “Ele tinha uns 40 anos, era jovem e não teve tempo de chegar à unidade médica. Eu não acreditei porque foi tudo muito rápido. Fiquei desolado”, assume.

Na terça-feira, no retorno para o Recife para participar do velório de seu companheiro, Wladimir teve o primeiro contato com o preconceito contra Aids. Caixão lacrado, olhares desconfiados, ninguém podia chegar perto ou pelo menos essa era a orientação repassada pelos próprios familiares do falecido. “Ele morreu com Aids, não toquem”, diziam. Aquele dia foi marcante na trajetória de luta e resistência de Wladimir. “Considero o primeiro impacto com a doença. Eu não conhecia muito, só lia pelos jornais quando se falava da epidemia na Europa, não se falava disso no Brasil, a gente sabia muito pouco”, aponta.

Com a pouca informação da época, ele acrescenta que não tinha o menor preconceito com o corpo de seu amado, diferente da maioria das pessoas que passou pelo velório para prestar condolências aos familiares. “Ele não merecia isso, era trabalhador, tinha um bom emprego, dava uma boa condição financeira para a família, mas todos os desprezavam naquele momento de tristeza”, garante o coordenador do GTP+.

Passado os dias, Wladimir precisou retomar a vida e voltou a trabalhar em Suape. Mas logo percebeu que o futuro seria diferente, os olhares desconfiados não tinham sido enterrados junto ao corpo velado de Alberto. Eles permaneceram e permanecem até hoje. No trabalho, foi questionado por seus colegas se poderiam comer ao seu lado ou dar um simples abraço ou aperto de mão.

“Conheci outras pessoas com HIV e ela sofriam igual. Vi muitas delas subir no Hospital das Clínicas e pular. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

“A sociedade começou a me matar aos poucos. Decidi ir ao Hospital das Clínicas e lá fui acolhido e me descobri HIV. Até a pessoa que tirava o meu sangue era um psicólogo e me tranquilizava. Ele sabia como era difícil estar com o vírus dentro de uma sociedade discriminatória. Foi aí eu criei forças para lutar e dar continuidade a minha vida e continuar escutando se eu podia comer no mesmo prato, tomar água no mesmo copo”, alega.

A Aids só começou a ser diagnosticada em 1981, pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, que anunciou a descoberta de uma infecção que afetava cinco homossexuais americanos. Eram os primeiros casos identificados de Aids, doença que se transformou no mal do século XX. No Brasil, os primeiros casos foram identificados em 1982.

Em contato com outras pessoas soropositivas, Wladimir passou a perceber que o preconceito não era só com ele. “Conheci outras pessoas com HIV e ela sofriam igual. Vi muitas delas subir no Hospital das Clínicas e pular. O peso é muito grande porque a gente vive em uma sociedade que não valoriza princípios e valores”, aponta.

Ao longo da década de 1990, os anos foram difíceis. Com o diagnóstico oficial de que era soropositivo, as pessoas começaram a ir embora de sua vida. Amigos que saíam para tomar cerveja, para ir à boate, foram sumindo. Todo mundo foi embora, não fosse pelo apoio dos avós, ele destaca que não sabe se teria suportado a dor.

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“Eu antes participava de uma instituição em que a gente se encontrava uma vez por semana em hospitais e na outra semana quatro, cinco tinham morrido. As pessoas diziam que iam se matar, logo que se descobriam positivas porque o afeto se perdia e não tinham esperanças”, relembra. Com a chegada do AZT, primeiro antiviral, nos anos 1990, as vítimas ganharam uma nova perspectiva de futuro.

Nessa época, Wladimir destaca que a Aids também começou a atingir os pobres, porque antes era algo propagado em classes mais ricas. “Daí, então, a comunidade começa a se organizar para enfrentar a epidemia junto a nova população que estava sendo acometida com o vírus. A gente montou um grupo de teatro porque era fácil de levar a mensagem com a arte cênica e interagir com diferentes classes sociais”, afirma.

Eles foram convidados para se apresentar em diversos locais na Região Metropolitana do Recife e no interior do Estado. “Nos deparamos com situações de mulheres que não podiam mais vender doces e salgados porque ninguém mais comprava já que elas tinham HIV. Pessoas proibidas de andar nos coletivos e nos carros de saúde dos municípios. Começamos a nos organizar”.

Em 2000, com o apoio de colegas, fundou o Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+), uma das primeiras ONGs a oferecer ajuda especializada em tratar o vírus no Nordeste. Wladimir lembra que uma instituição alemã apoiou a estruturação da ONG, doando equipamentos e verba para custos de aluguel.

O foco do atendimento ainda hoje é nos profissionais do sexo e pessoas vivendo com HIV em situação de vulnerabilidade social. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

A instituição atende jovens, homossexuais, bissexuais, mulheres travestis, mulheres transexuais, mulheres cisgênero, pessoas vivendo com HIV/Aids, profissionais do sexo, priorizando pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Nos últimos anos, no entanto, Wladimir afirma que o apoio internacional diminuiu bastante e eles dependem da abertura de editais municipais e estaduais para captar recursos para projetos no intuito de conseguir se manter. A sede do GTP+ fica no centro da capital pernambucana e atualmente se encontra com nove aluguéis atrasados, bem como a estrutura do primeiro andar está danificada. “Eu sinto que esse público marginalizado só é do interesse dos nossos políticos na época da eleição e não para construir políticas públicas de saúde, de educação”, lamenta. Mundialmente, existem agora mais de 17 milhões pessoas que vivem com HIV e com acesso a medicamentos antirretrovirais.

“A gente procura realizar eventos, promover o nosso bazar, pedir ajudar as entidades, mas está cada vez mais difícil. Atendemos pessoas aqui vulneráveis, que não tem nem passagem, nem dinheiro para se alimentar. O mundo diz que quer acabar com a Aids até 2030, mas da forma que as coisas andam, acho muito difícil. Não somos prioridade”, alerta Wladimir. Acabar com a epidemia de AIDS até 2030 é uma parte central dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. No Brasil, entre 2007 e 2016, foram registrados 136.945 novos casos de infecção por HIV.

De acordo com a gerente do programa estadual de IST/Aids e hepatites virais, Camila Dantas, da Secretaria Estadual de Saúde (SES), a gestão busca sempre dialogar com as ONGs e reconhece o trabalho dessas instituições na rotina de quem precisa desse acolhimento. Atualmente, Camilla aponta que apesar das denúncias no inicio deste ano, não há falta de medicamentos na rede estadual de distribuição.

Em Pernambuco, são 37 unidades especializadas na assistência à portadores de HIV/Aids que dispõem de equipe multiprofissional e oferecem o tratamento retroviral. "Aqui em Pernambuco a gente vem trabalhando bastante para uma detecção precoce do HIV. Porque se diagnosticado precocemente, a pessoa pode iniciar o quanto antes o tratamento e essa terapia retroviral no intuito de evitar que o quadro evolua para a Aids. Nossa inteção é que ela consiga alcançar a carga viral indetectável e passe a não transmitir o HIV".

Ainda de acordo com a SES, a PrEP está presente em todo o estado de Pernambuco nos hospitais de assistência especializada de HIV. "Atuamos na prevenção combinada, não só pensando no uso do preservativo, mas sim em uma série de estratégias que possam fortalecer esse diálogo, observando o estilo de vida de cada pessoa. Além do preservativo, temos a PEP e a PrEP para pessoas que se expõem bastante. Um equipe multiprofissional do estado analisa a melhor estratégia dependendo dos casos e da vulnerabilidade de cada pessoa. Outros pontos que a gente procura trabalhar é na quebra do preconceito. As pessoas podem viver com o HIV e não morrer com Aids. É preciso perder esse medo", afirma Camilla.

Sobre os altos índices no estado, a gerente do programa estadual de IST/Aids e hepatites virais alega que é preciso conversar ainda mais sobre sexualidade nas escolas. "A gente procura trabalhar com professores para que eles acolham esses alunos e sejam receptivos aos questionamentos desses estudantes", aponta. Ela destaca que a gestão estadual tem um projeto para 2019 de trabalhar diretamente com as gerências regionais de educação em todo o estado para fortalecer o diálogo entre professores e alunos. "Estamos desenhando o projeto de prevenção das infecções as escolas e a ideia é que ele saia do papel o quanto antes", conclui.

Na visão de Wladimir, a válvula de escape para sair desse labirinto da falta de apoio governamental e do alto índice de infecção no Estado é apostar no apoio coletivo e na sensibilização da sociedade civil. Ele assume que não há uma receita pronta para conseguir alcançar esses objetivos. “Talvez um caminho seja a quebra do preconceito, a humanização das pessoas soropositivas. Traçar um caminho em que o mundo se torne mais humano e habitável para os corpos diferentes. Enquanto isso, resistimos todos os dias, bravamente, lutando para viver”, finaliza.

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Há 30 anos, em 1⁰ de dezembro é celebrado o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. A data foi instituída em 1987 pela Assembleia Mundial de Saúde e Organização das Nações Unidas (ONU), para buscar mais solidariedade a quem foi infectado pelo HIV/Aids. A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é causada pelo vírus do HIV e acomete o sistema imunológico. De 1980 a junho de 2018, foram identificados 926.742 casos da doença no Brasil. O país tem registrado, anualmente, uma média de 40 mil novos diagnósticos de Aids nos últimos cinco anos. Apesar disso, houve uma redução de 16% no número de detecções nos últimos seis anos.

De acordo com o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, em 2017, quando analisada a taxa de mortalidade nos estados, Pernambuco tem números acima da média nacional, que foi de 4,8 óbitos por 100 mil habitantes, e também lidera os casos no Nordeste, tendo uma taxa de óbitos entre soropositivos de 5,6. Dados divulgados pelo Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP)+ apontam que no Estado, uma média de duas pessoas morrem por dia com a doença e a cada seis horas uma contrai o vírus.

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A pernambucana Maria da Silva*, que nesta reportagem ganhou nome fictício, se tornou parte dessas estatísticas assustadoras; há 22 anos precisou criar uma rotina e foi informada de que seria para a vida toda. Todos os dias, todas as manhãs, ela se levanta, pega um copo de água e coloca goela adentro três comprimidos responsáveis por manter o seu corpo funcionando bem. “Eles me dão anos de vida e mais tempo com os meus filhos”, garante a diarista, que aos 18 anos foi diagnosticada como portadora do vírus HIV, oito dias após ter dado a luz a um de seus oito filhos.

Aos 40 anos, a recifense sente que já viveu dez décadas e renasceu várias vezes. Ganhou chances de resistir aos problemas que enfrenta por ter o vírus. Se viu no limite entre a vida e a morte ainda jovem, deitada na cama de um hospital habitado por estranhos, sem a presença dos parentes ao seu redor. Perdeu as contas de quantas vezes precisou ser socorrida, caiu doente e tudo se repetiu. O semblante de Maria na década de 1990, na época da descoberta, era esmorecido. “Fui abandonada pela minha mãe e a família. Achavam que eu estava com a pior doença do mundo, não tive apoio. Colocavam água quente no meu lençol como se eu fosse uma indigente”, lamenta.

Aos 40 anos, a recifense sente que já viveu dez décadas e renasceu várias vezes. Ganhou chances de resistir aos problemas que enfrenta por ter o vírus. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

A vida de Maria nunca foi fácil, mas os percalços aumentaram quando aos nove anos, a mãe se separou de seu pai e ele a abandonou com 15 filhos para criar. Era maria e mais 14 irmãos que vagavam nas periferias do Recife procurando o que comer. Desde então, passaram muitos padrastos e todos molestavam ela e as suas irmãs. “Passei pouco tempo com minha mãe na infância porque vivia fugindo de casa, não gostava deles, era abusada. Fui muito danada e sempre fugia de casa, não aceitava aquilo”, relembra.

Não restaram tantas escolhas senão ir morar na rua. Arrumava confusões, se escondia, foi levada para a Fundação do Bem Estar do Menor, na época a Febem, atual Funase e aos 14 anos saiu de lá após uma rebelião. “Prometi a deus e a mim de que nunca mais cairia naquele lugar. Só queria estar ali porque tinha alimentação e um dormitório. A rua era muito violenta, mas não queria estar encarcerada, eu tinha vontade de viver”, detalha.

Maria vagava pelo Recife, teve filhos, engravidou de novo, se mudou para o Rio de Janeiro e foi morar em um colégio interno para grávidas. Por lá, passou três anos, não se recorda bem o tempo, mas nunca se acostumou com a estadio dos cariocas. Eram rudes, preconceituosos e não havia emprego por lá. No Recife, precisou se prostituir nas esquinas para alimentar seus filhos porque era uma forma de conseguir um trocado com o corpo.

Grávida de cinco meses de uma das filhas, ela foi orientada a fazer um exame de HIV pelo seu histórico de vida sem muitos cuidados, principalmente nas relações sexuais. Mas, na época, o exame demorava para ser entregue pelo serviço público e foi liberado quando ela já estava amamentando a pequena há oito dias.

Foram meses de espera e o resultado positivo trouxe espanto por Maria não saber do que se tratava o vírus, perigo e o medo do futuro. “Ainda me lembro, os médicos me orientaram a parar imediatamente de amamentar a minha filha e por um milagre divino ela não foi infectada pela doença. Considero isso um livramento porque pelo leite eu poderia ter passado algo que odeio ter para a minha filha, sem culpa alguma nisso”. Ela não sabe com quem pode ter pego a doença, mas admite que a vida desregulada e sem cuidado tem poucos caminhos possíveis, sendo um deles esse.

Pouco tempo depois, Maria passou a tomar a medicação e desde então não pode esquecer nenhum dia dos remédios, com quem tem uma relação de ódio e amor. “Sei da importância dos comprimidos, mas as vezes passamos por muita humilhação, sabe? Eles têm um efeito colateral muito forte e causam enjoos e tontura”, conta. Ela se refere ao período em que ainda trabalhava fazendo faxinas na casa de algumas pessoas, mas sempre que tomava a medicação, passava mal e precisava largar mais cedo. “Eles ficavam desconfiados e sempre descobriam do HIV de alguma forma. E aí, eu me sentia presa na doença porque mais uma vez era mandada embora, humilhada”.

Na comunidade onde vive, o assunto ainda é um tabu. Maria é mulher negra, moradora de periferia, pobre e portadora do HIV. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

São 22 anos convivendo com o preconceito ao seu redor, alimentando a esperança de que um dia a cura será viabilizada para todos, sem a interferência da indústria farmacêutica. Maria encara a vida como uma batalha a cada dia, ao acordar agradece pela vida e por ter filhos companheiros ao seu lado. “Eles nunca me abandonaram. Tenho muito orgulho disso e sempre procuro explicar que eles também precisam se proteger ao ter relações sexuais. O mundo é difícil e tem muita maldade”.

Na comunidade onde vive, o assunto ainda é um tabu. Maria é mulher negra, moradora de periferia, pobre e portadora do HIV. Ela mora em uma casa de um só vão e logo na entrada, onde fica a cozinha, já conseguimos enxergar o quarto, bicicletas no teto, panelas penduradas nos canos e fios expostos. As paredes laterais são coladas com as dos vizinhos e a espessura que as divide é pequena. Por isso, a família evita falar alto sobre Aids, HIV e medicações para os outros moradores do beco não descobrirem a doença. “Sei que eles desconfiam, mas eu tenho medo de retaliações, de rejeição, assim como aconteceu com a minha família quando eu era jovem. Prefiro me preservar”, explica.

Após ser diagnosticada com HIV, Maria da Silva nunca conseguiu um emprego formal. O sonho de ser auxiliar de cozinha, no entanto, ainda é vivo e ela pretende batalhar para conseguir um espaço em algum restaurante da cidade. Recentemente, ela fez um curso com duração de seis meses para se especializar na área, voltou a estudar e está aprendendo a ler e escrever em um colégio do bairro. “Já sei escrever até meu nome”, revela. Mas, na última tentativa em uma cozinha, foi informada de que por conta de sua aparência não seria aceita. “Meus dentes estão todos quebrados, tenho muitas bolhas no braço, também. Mas é tudo por causa do HIV, da diabetes e das sequelas que fiquei das vezes que quase morri nos hospitais”.

Ter as portas abertas de algum empreendimento realizaria um dos sonhos de Maria para poder dar uma melhor condição de vida aos filhos e netos. Hoje ela consegue se manter com o benefício que conseguiu do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), um salário mínimo e com o auxílio de ONGs que ajudam pessoas positivas em Pernambuco. “Tem época que a medicação falta no Estado e a gente fica aqui doido. Aí como conhecemos muitos amigos que também se tratam, pegamos emprestado porque a gente não pode ficar sem. Meu corpo estoura, a minha imunidade fica muito baixa, pego doenças oportunistas como a pneumonia e minha vida não segue”.

Nascida de sete meses, ela avalia que é impaciente e após sofrer tanto na vida, perdeu um pouco a fé na empatia das pessoas ao seu redor. “Hoje em dia eu nem tento mais explicar que Aids e HIV não são bichos, são completamente controlados por remédios. Ninguém quer saber, prefiro me resguardar porque a vida me tornou essa pessoa dura, não tenho mais paciência”.

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— Eles me bateram bastante e me levaram para o Cotel. E lá, quando eu entrei, nem os agentes penitenciários tiveram a sensibilidade de me informar porque eu estava encarcerada. Eu só descobri que era traficante quando procurei um canto para dormir na cela e os outros presos pediram a minha “nota de culpa” e eu entreguei o papel. Nele dizia que eu tinha sido presa em flagrante em posse de R$ 32 e 18 pedras de crack.

Há oito anos, Cleide Gomes*, que nesta reportagem ganhou nome fictício, hoje com 26 anos, era presa e nem imaginava que passaria pelo pior pesadelo da sua vida. Ela trabalhava como profissional do sexo nos principais pontos de prostituição do Recife, sempre migrando. Em uma dessas temporadas, optou por trabalhar no centro da capital pernambucana e o local ficava próximo a pontos chave do tráfico de drogas, além de ser violento. Para que as profissionais se sentissem mais seguras, elas se organizavam e pagavam R$ 50 cada para policiais que faziam a ronda na área ficarem de olho.

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Mas, Cleide relembra que o clima nunca foi tão amistoso com os agentes públicos, eles a revistavam, escolhiam algumas para bater, levavam na cadeia e depois soltavam. Em uma dessas abordagens, uma policial mulher começou a revistar o corpo de Cleide. Ela a apalpava em todos os locais do corpo e quando chegou na região da genitália, descobriu que a profissional do sexo era uma mulher travesti e ficou indignada. “Eles não perguntavam nada, só vinham, começavam a tocar os nossos corpos e a gente era obrigada a aceitar tudo. A policial ficou muito irritada por ter tocado no meu pinto sem saber e começou a me bater, me bateram muito e cortaram o meu cabelo”, relembra Cleide.

Cleide entrou para o mundo da prostituição ainda jovem, não sabia que travesti podia fazer outra coisa". Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Pouco tempo depois do ocorrido, ela tentou firmar um acordo com as outras travestis que trabalhavam na região, de que não iriam mais pagar nenhum centavo aos policiais, já que eles estavam batendo nelas e atrapalhando o desenrolar do local de trabalho das mulheres. “Eu lembro que nem todo mundo concordou, algumas meninas continuaram a pagar aos guardas e a gente dava nelas. Eu ficava revoltada e isso começou a ser percebido por eles, que eu batia de frente e colocava a minha voz sem medo nenhum”, destaca Cleide, admitindo que ir de encontro a voz da polícia para quem é marginalizado é muito perigoso.

Em uma dessas noites, de acordo com Cleide, como ela já estava “marcada” pelos agentes, foi algemada e apanhou muito. Depois, foi levada a central de plantões e logo em seguida presa. Cleide sempre alegou inocência e afirmava rotineiramente que nunca tinha traficado e seu trabalho era outro.

Encarcerada, para ela injustamente, sem direito a nenhuma voz, começou a perder as esperanças no Estado e na Justiça. Passou a encarar a nova realidade como parte de sua rotina e aceitou por algum tempo que seu futuro seria na prisão.

Cleide entrou para o mundo da prostituição ainda jovem, não sabia que travesti podia fazer outra coisa. Ao contar a família que queria viver como travesti foi expulsa de casa e passou a morar na rua com outras colegas. Aos 15 anos, encontrou uma transgênero e se identificou. “Ela me disse que se eu quisesse ser mesmo, meu único trabalho era programa. Eu me vi nela, percebi que isso era eu. Também queria aquela aparência de mulher. Foi aí que comecei a modificar o meu corpo. Tinha acabado o ensino médio e na época fui aprovada no vestibular para cursar enfermagem”, cita.

A família dela nunca a aceitou bem e apesar de seu companheiro na época não ter gostado da sua escolha, teve de conviver com ela. “Ele foi o meu primeiro e único amor. Mas mesmo com o olhar estigmatizado da travesti, eu quis ser”. Trabalhou em Pernambuco, em outros estados e também na Europa. Em uma semana boa e movimentada, Cleide conta que chegava a apurar R$ 15 mil. “Eu confesso que sempre quis sair da vida de fazer programa, mas eu não via outras alternativas. Travesti não podia ter emprego formal. As pessoas eram e ainda são preconceituosas. É só olhar ao redor e contar quantas estão atuando profissionalmente em áreas distintas”. lamenta.

Em 2010, assim que foi presa, ela relata que para sobreviver na prisão, precisava realizar trabalhos tipicamente femininos, na lavagem de roupas, na massagem de outros presos e também se prostituindo para ter onde dormir. Mas, por ela ter o curso técnico de enfermagem, conseguiu certo “privilégio” trabalhando nas enfermarias dos presídios. Foi transferida muitas vezes, sempre que acontecia uma rebelião, a levavam para outro presídio e a colocavam na enfermaria.

Após dois anos presa, Cleide foi transferida para o antigo presídio Aníbal Bruno, hoje transformado no Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife. Ela e mais duas travestis foram colocadas dentro de uma cela com mais de cem homens. Eram 103 pessoas dividindo um espaço minúsculo, em que não mal cabiam vinte presos. “Quando eu cheguei, o preso mais velho da cela, geralmente é o mais respeitado, me deu a mão, me ofereceu um canto para dormir e consegui até comer. Durante o dia ele foi gentil comigo e me preservou”. Ela detalha ainda que não imaginava que seria estuprada.

“De início, eu não fiquei preocupada quando fui colocada com mais duas travestis para uma cela com cem homens. Eu tinha certa ascensão lá dentro, trabalhava e era de certa forma respeitada, eles me conheciam e não imaginei que fossem me fazer mal. Mas, mesmo assim, pedi aos agentes que não deixassem nós três lá. Não adiantou”, conta. Cleide relembra que a noite se aproximou muito rápido e detento mais velho da cela a segurou pela mão e disse que queria ter relações sexuais.

“Eu não queria. Entrei em uma briga corporal e ele me furou com um pedaço de madeira. Fiquei toda machucada e cedi. Ele me estuprou a noite toda, por vários dias. Ele gostava da minha aparência feminina, era um objeto sexual. Ele me preservava porque me queria só para ele, apesar de outros homens também me estuprarem. As outras meninas também estavam sendo abusadas. Foi um pesadelo e não tinha o que ser feito. Tive que aceitar”.

Cleide relembra que quando retornou à cela após a triagem, apontou o homem que a estuprava todas as noites e foi informada pela enfermeira: “ele é soropositivo”. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Após vários dias de estupro, uma das travestis apresentou uma fissura anal de tanto ter relações com os outros presos e o sangramento de uma levou as três mulheres à sala da enfermaria para realizar uma triagem. Elas denunciaram a situação que acontecia nas noites, dentro da cela. “Estavam trancafiadas por vinte dias sendo molestadas. Eu contei a enfermeira e pedi para que saíssemos daquele local. A gente podia ser transferida. Mas nada foi feito. Mais uma vez. Naquela época não tinha pavilhão específico para LGBTs”.

Cleide relembra que quando retornou à cela após a triagem, apontou o homem que a estuprava todas as noites e foi informada pela enfermeira: “ele é soropositivo”. A gestão do presídio nada fez, no entanto. Sem muita informação dos processos que poderiam ser adotados após se expor à prática sexual sem preservativos, o corpo de Cleide começou a enfraquecer alguns meses depois. “Eu não sabia dos métodos que poderiam ser aplicados a mim, como hoje conheço a PEP*. Mas eles existiam. E era obrigação do Estado me proteger. Eles falharam comigo. Os presos continuaram me estuprando e eu não podia me prevenir, achava que era o meu fim”, lamenta.

*PEP – Profilaxia Pós-Exposição – é o uso de medicamentos antirretrovirais por pessoas após terem tido um possível contato com o vírus HIV em situações como: violência sexual; relação sexual desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha), acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou em contato direto com material biológico). A PEP deve ser iniciada logo após a exposição de risco, em até 72 horas; e deve ser tomada por 28 dias.

Ainda no ano de 2012, Cleide descobriu que estava infectada pelo HIV e caiu em depressão. Continuou na cela com os mesmos homens até o fim do ano. “Não tive o acompanhamento básico, não conseguia me prevenir, não tive tratamento humanizado e só comecei a tomar a medicação alguns meses depois do diagnóstico sair”, relata. Seu corpo era usado todos os dias. Ela só conseguiu observar um futuro diferente quando conheceu Maria Clara, agente de direitos humanos do Projeto Mercadores de Ilusão, que promove a prevenção, a cidadania, o protagonismo e autonomia dos profissionais do sexo, bem como tem representações em instâncias e espaços de controle social, atuando na promoção dos direitos humanos.

No cárcere, Cleide conheceu Clara e pela primeira vez descobriu que uma travesti também podia trabalhar muito além da prostituição. “O projeto me ajudou muito a conseguir realizar exames e ganhar os medicamentos de forma correta, além de explicar o que eu tinha, como deveria me tratar e trabalhar para eu me aceitar e seguir em frente”, analisa.

Três anos se passaram e quando Cleide já estava desacreditada na inocência, em 2013, conseguiu ser absolvida da pena e foi liberado. Após uma investigação, descobriram a filmagem de uma câmera de segurança de um hotel na rua onde a travesti foi presa em flagrante. As imagens mostravam que os policiais roubaram a bolsa dela e colocaram o dinheiro e a droga para forjar o crime de tráfico. “Assim que fui inocentada, eu comecei a processar o Estado. Fui presa injustamente, fui estuprada e infectada com HIV. Sofri muito”.

Decidida a ganhar a causa, Cleide precisou deixar de lado o processo porque recebeu visitas intimidadoras dos policiais que participaram da sua prisão, já que eles conseguiam o endereço que ela residia com facilidade. Fora da prisão, voltou a morar com seu companheiro de vida e conseguiu um trabalho fixo com carteira assinada, que preferiu não detalhar para não se expor.

No segundo semestre de 2018, ela estava indo visitar o marido no cárcere e enquanto aguardava a liberação do lado de fora do presídio, foi atingida por um tiro no centro do peito. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Oito anos depois, ela conta que parou de trabalhar como profissional do sexo para se preservar porque as pessoas soropositivas precisam de uma vida mais regrada e com mais cuidados. Ainda sente muita dor ao olhar para o passado e converte a revolta de seu corpo em militância na causa LGBT e no movimento Aids, a quem ela considera como único acolhedor nesse processo de descoberta e tratamento. “Eu tive a sorte de conhecer o GTP+, tiveram sensibilidade comigo e com meu corpo, era vista como ser humano”.

Tudo que aconteceu na vida de Cleide gerou muita revolta não só nela, mas também no seu marido, que hoje se encontra preso por cometer assaltos. “O sistema não é justo. Nossas ações muitas vezes liberam o nosso sentimento de raiva, por tudo que passamos”, comenta. No segundo semestre de 2018, ela estava indo visitá-lo no cárcere e enquanto aguardava a liberação do lado de fora do presídio, foi atingida por um tiro no centro do peito. “Eu estava sentada na kombi, esperando dar a hora de ir embora, quando começou um tiroteio. A bala entrou e não saiu”, conta. Ela foi socorrida, internada e conseguiram salvá-la. Ganhou uma cicatriz para se lembrar por toda a vida da posição que ocupa, à margem.

Mas isso não a fez uma pessoa fraca, pelo contrário, foram muitas situações difíceis que teve de enfrentar para estar viva e pronta para ajudar outras pessoas. “Eu aprendi muito sobre tudo, principalmente sobre a importância de se prevenir, de lutar pelos seus direitos e de entender que a vida pode ser tranquilamente vivida por uma pessoa soropositiva, mas o alerta tem que estar ligado a tudo. Porque a gente pode também decair muito rápido, se o tratamento não for seguido à risca”, finaliza.

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Um relatório divulgado hoje (20) pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), da ONU, mostra que houve queda de quase 50% no número de mortes pela doença desde 2005 – ano em que 1,9 milhão de pessoas morreram por conta do vírus HIV.

O relatório ainda mostra que houve avanço no tratamento da Aids: mais da metade dos 36,7 milhões de soropositivos do mundo estão recebendo medicamentos contra o vírus. Isso representa 53% de pacientes tomando antirretrovirais.

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O vice-diretor executivo do Unaids em Nova Iorque, Luiz Loures, afirma que os avanços não devem servir de acômodo e que o número de pessoas em tratamento deve aumentar. "Com decisão política, envolvimento de comunidades e com os recursos necessários, cada vez mais nós estamos convencidos que podemos chegar ao fim da epidemia.O número de pessoas tratadas hoje no mundo é quase de 20 milhões, o que nos dá sem dúvida a esperança. Nós estamos no ritmo para alcançar a meta de ter 30 milhões de pessoas em tratamento em 2020, para a partir daí chegarmos a 2030 com essa epidemia sob controle”, disse.

De acordo com o documento, a expectativa de vida dos soropositivos aumentou em 10 anos na última década.  Luiz Loures destacou o exemplo do Brasil, que foi pioneiro no combate à epidemia. "Em quase todos os países existe o desafio das novas infeções entre jovens. Mas essa é uma tendência mundial que tanto na África, no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos merece atenção especial. Se eu vejo hoje a epidemia da Aids entre jovens, eu diria que é mais global do que nunca. Nós estamos observando um risco acentuado em relação à epidemia entre jovens em todos os países, independente se eles estão no norte ou no sul", declarou o vice-diretor.

O número de mortes vinculadas à Aids na América Latina diminuiu 12% entre os anos 2000 e 2016.

Dezessete milhões de pessoas tiveram acesso a antirretrovirais até o final de 2015. Apesar disso, mais de 53% da população afetada pela aids continua sem acesso aos remédios para combater o vírus HIV. Os dados foram publicados pela UNAids, a agência da Nações Unidas (ONU) criada para lidar com a epidemia.

Em 2015, 2 milhões de novas pessoas ganharam acesso aos remédios e o número de pacientes atendidos no mundo mais que dobrou em cinco anos. O resultado foi uma queda importante no número de mortos, passando de 1,5 milhão de casos, em 2010, para 1,1 milhão em 2015.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, avalia que os números apresentados nesta quarta-feira, 16, no relatório da Unaids retratam um problema enfrentado não apenas pelo Brasil, mas por países que convivem com um padrão de epidemia de aids concentrada.

Estimativas publicadas no trabalho indicam que o Brasil registrou entre 2005 e 2013 um aumento de 11% nos casos de aids, enquanto no mundo todo caíram 27,6%. "Não estamos isolados. Estados Unidos e alguns países da Europa tiveram aumento de 8% no mesmo período - o que comprova a dificuldade, em locais onde a epidemia está concentrada, em reduzir esse patamar", disse Barbosa.

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O secretário argumentou que a queda mais significativa nos números de casos de aids ocorreu em países da África e da Ásia, locais onde até pouco tempo grande número de pessoas morria em decorrência da doença e que registravam altíssimas taxas de infecção. "Em países com essas características, a introdução de tratamento, por si só, já se encarrega de puxar para baixo as estatísticas."

Barbosa afirma que os números apresentados pela Unaids são condizentes com as estatísticas do Ministério da Saúde. "O organismo fez uma projeção, nós trabalhamos com casos novos diagnosticados. São dados que se complementam", disse. Para o secretário, os resultados, embora esperados, estão longe de deixar o País numa situação confortável. "Mas não temos dúvida em dizer que todos os mecanismos existentes para prevenir novas transmissões estão sendo colocados em prática."

Relatório preparado pelo Programa das Nações Unidas para Aids (Unaids) mostra que o Brasil está fora da lista dos países com maior cobertura de tratamento para pessoas com HIV. O documento indica que 11 países, entre eles o Chile, Cuba e Namíbia, têm pelo menos 80% da população estimada com vírus recebendo antirretrovirais. O Brasil está na classificação seguinte. Ao lado de México, Argentina e Paraguai, o País figura entre aqueles que oferecem tratamento para uma faixa entre 60% e 79% da população estimada de portadores do HIV.

Diretor do Unaids no Brasil, Pedro Chequer considera que índice não representa um "problema", mas um "desafio" para o País que, no início da última década, foi apontado como responsável pelo melhor programa de aids no mundo. "É preciso melhorar o diagnóstico precoce da doença", disse Chequer. Ele ressalva, no entanto, que números mudam quando se analisa a população que já sabe ser portadora do vírus.

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Nessas condições, o Brasil apresenta uma das maiores coberturas mundiais: mais de 95% da população com indicação de uso de antirretrovirais está em tratamento.

Estima-se que no Brasil entre 250 mil a 300 mil portadores do vírus desconheçam a sua infecção e, por isso, não iniciam a terapia no tempo adequado. Um estudo feito pelo pesquisador Alexandre Grangeiro, da Universidade de São Paulo (USP), mostra que 40% da mortalidade de aids no País está associada justamente ao diagnóstico tardio.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que estratégias para ampliar o diagnóstico precoce da doença estão em curso. Ele citou a oferta de testes rápidos de HIV na rede básica de saúde e ações entre grupos jovens, como a realizada durante o Rock in Rio, para incentivar a testagem.

Ele apontou ainda uma nova ênfase para campanhas regionais, com linguagem e temáticas próprias. "Não podemos prevenir a epidemia da mesma forma que fazíamos 20 anos atrás", disse Padilha. O enfoque, disse, precisa ser mudado justamente para atingir a população mais jovem. "O investimento em publicidade aumentou este ano em relação ao ano passado e vai aumentar em 2012. Mas em estratégias distintas."

Para Chequer, as mudanças estão no caminho certo. "Temos características diferentes em cada ponto do País. Isso demanda estratégias de prevenção também distintas."

O relatório divulgado hoje foi o mais otimista dos últimos anos. Os números apresentados mostram que número de mortes, de registros de novas infecções atingiu em 2010 as suas menores marcas. Além disso, o número de pessoas em tratamento aumentou de forma significativa. A exceção ficou com Leste Europeu e alguns países asiáticos.

Pedro Chequer afirma que progressos maiores poderão ser alcançados, mas para isso é preciso que países desenvolvidos cumpram o compromisso firmado ano passado de aporte de recursos para combate mundial da doença. "Para conseguirmos atingir as metas é importante que países desenvolvidos respeitem o que foi firmado." A ajuda internacional diminuiu de US$ 7,6 bilhões em 2009 para US$ 6,9 bilhões em 2010.

Chequer comentou as afirmações feitas pelo papa Bento XVI em documento divulgado há dois dias dirigido à África. O texto afirma que a aids é, antes de tudo, um problema ético e defende a abstinência sexual. "É contra ética sonegar informações sobre a formas comprovadas de evitar o contágio da doença, como o preservativo."

Para ele, o papa se referia à Igreja ao falar sobre abstinência. "Certamente ele estava reforçando essa prática para os integrantes do clero, que têm como obrigação cumprir princípios estabelecidos pela Igreja, não à população em geral."

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