Tópicos | bibliotecas comunitárias

Na era digital, é comum avistar pessoas dividindo livros em pdf ou comprando um ‘kindle’, produto que serve para ler livros digitais. Apesar da grande popularização destas obras na web, os livros físicos não são apagados, é o que defendem os bibliotecários. Bibliotecas públicas e comunitárias são espaços que se mantêm carregando cultura, aprendizado e intelecto nos dias de hoje.

Bibliotecas públicas

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As bibliotecas públicas são ofertadas e mantidas pelo poder público, aberta para todos, de todas as faixas etárias, e que disponibilizam livros para estudo no local e empréstimo. Parte da rede de 'bibliotecas pela paz', Deborah Echeverria representa as bibliotecas municipais do Recife, em Pernambuco.

“Elas são importantíssimas para o combate à desigualdade, porque elas são democráticas. Então qualquer cidadão de qualquer classe social, idade, sexo, podem usufruir daquele espaço”, afirma.

Deborah explica que existem tipos diferentes de bibliotecas. A mais conhecida é a biblioteca do silêncio. Segundo a profissional, esse tipo foi importado para o Brasil e trabalha apenas para um público leitor e estudioso, muito comum nas universidades, o que não é o público principal do país.

Já o sistema da biblioteca viva, além de disponibilizar os serviços tradicionais, se torna um centro cultural que acolhe o público. Não é feito para receber leitores, mas para criar leitores e oferecer cultura, lazer e educação informal dentro desse mesmo espaço. Um local de convivência é o sistema que se tornou mais comum pelas bibliotecas públicas.

“As bibliotecas nunca foram muito valorizadas, é como eu digo, as bibliotecas públicas no sistema tradicional que é de silêncio, ela não é muito acessada porque a gente não tem uma população muito leitora. Então ela fica muito restrita às pessoas que vão fazer pesquisa para trabalho de escola, para universidade… Essa biblioteca que estamos mudando o formato para ser uma biblioteca mais de acordo com o que o país precisa, com o que o nosso povo precisa, é mais ampla e com mais oportunidade”, defende Deborah.

“A sociedade e o poder público tem que ter a percepção da importância biblioteca para uma cidade da força e da potência que esse equipamento tem para cidade. Principalmente no combate à desigualdade social. Porque é um espaço como ele diz, democrático, de livre acesso e que você disponibiliza ali um espaço de expansão de conhecimento de forma gratuita”, conta a profissional.

A bibliotecária reforça que o modelo de biblioteca do silêncio não é tão usado pelo governo como antes. As bibliotecas públicas contam, além dos livros disponíveis, com mostras de cinema, música, apresentações, musicais, sarau literário, oficinas de artesanato e disponibilizam computadores e wi-fi. “Isso tudo pode acontecer dentro de uma biblioteca, sempre mediando um pouco os livros nessas atividades. Começa a ler uma história para depois a gente desenvolver uma outra atividade”, explica.

Bibliotecas comunitárias

Criada e mantida por algum membro da comunidade nas áreas mais periféricas das cidades, as bibliotecas comunitárias não contam propriamente com o apoio do governo para continuar na ativa. “No intuito de modificar um pouco a realidade local, e que por vezes é o único equipamento cultural daquela região, está em locais onde o poder público não consegue chegar”, é o que diz Juliana Albuquerque, bibliotecária.

Juliana é mestranda em Ciências da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e é membro da rede de bibliotecas comunitárias em Recife que conta com nove bibliotecas diferentes, a Releitura. A profissional conta que toda biblioteca comunitária tem uma proximidade com seus usuários e dá a segurança de estar em um espaço em que ele tem pertencimento.

Assim como algumas bibliotecas públicas, as bibliotecas comunitárias também não se encaixam no modelo do silêncio e trabalham diversas atividades com toda a comunidade. Entre o empréstimo de livros também acontecem ações de mediação de leitura, rodas de conversas, projetos literários, atividades culturais, entre outros.

“Temos o Papo de Mulher, em que são trazidos temas para debate com as mulheres da comunidade. Neste dia, só ficam as mulheres mesmo, é até dia de folga do gestor. Temos a Mala de Leitura, em que é escolhido junto com o usuário quais livros gostaria de levar para ficar alguns dias em sua casa, com sua família, o Fuxico Literário…”, relembra Juliana.

“Algumas práticas de mediações culturais conectam as atividades literárias com as manifestações populares e estabelecem significados de identificação com a comunidade como o Boizinho Menino do Nascedouro, da Biblioteca Multicultural Nascedouro de Peixinhos, Recife/Olinda, O Urso Leitor, da Biblioteca Popular do Coque, no Recife, e os grupos de Dança Popular e ao Maracatu Nação Erê, primeiro Maracatu Infantil da cidade, fundado em 1993, da Biblioteca Comunitária do CEPOMA, em Brasília Teimosa, Recife”, explica a bibliotecária. 

Apesar do grande trabalho, pessoas de fora da comunidade não ouvem tanto sobre esses projetos e não dão a atenção necessária às bibliotecas comunitárias. É por meio dos membros e colaboradores do próprio espaço, que valorizam e cuidam do ambiente, que há um trabalho de valorização para manter vivo estes lugares de convívio e aprendizado.

A mestranda em Ciências da Computação explica que, em muitos bairros, as bibliotecas comunitárias são os principais, às vezes até único, meios de comunicação comunitária para garantir o acesso às informações de interesse público da própria comunidade. 

“A pandemia, por exemplo, interferiu diretamente na dinâmica de abertura dos espaços físicos das bibliotecas comunitárias, e, na Releitura, foi preciso intensificar as estratégias de utilização do universo digital e foi necessário produzir mais conteúdos de incentivo à leitura literária para manter a relação de afeto e pertencimento.”

Qual a importância das bibliotecas nos dias de hoje?

Não é mais só sobre pegar um livro emprestado, as bibliotecas hoje produzem muito mais que um empréstimo, produzem cultura, arte, participação e integração de uma comunidade. A tecnologia sempre pode existir junto ao físico, com experiências diferentes.

“Assim como quando surgiu a televisão o cinema não se acabou, você vai ter sempre público porque a experiência de ler um livro impresso é diferente de uma experiência de ler um livro no Kindle ou no tablet. As pessoas vão gostar de vivenciar ou um ou outro ou até as duas, eu acho que uma não anula a outra”, é o que acredita Deborah Echeverria.

Contudo, não é só sobre a tecnologia. Pois há, também, aquelas pessoas que não têm acesso ou condições de obter um Kindle, ou internet para baixar os livros digitais em PDF. Manter estes ambientes é garantir o acesso sem restrições, é criar leitores e fortalecer uma comunidade.

“Se você entende que as bibliotecas vão além de um espaço físico para leitura, ou somente um depósito de livros, o que infelizmente acontece em algumas bibliotecas, se consegue vê-las e percebê-las como espaços importantes de convivência, local para trocas e cuidados da população para a população e aprendizagem informacional. Acho que ajuda a entender que mesmo na era digital há espaço para a existência de bibliotecas. Afinal, um dos materiais que lidamos é a informação”, diz Juliana Albuquerque.

Uma prova desse trabalho realizado pelas bibliotecas é a história de Rosângela Maria de Santana, manicure de 51 anos que participa de rodas de conversa promovidas por bibliotecas comunitárias da Rede Releitura. Rosângela afirma que conseguiu passar o interesse pelos livros para a filha desde muito nova.

“A Releitura teve um impacto muito grande para mim, minha família e a minha comunidade. A biblioteca comunitária nos proporciona muitos projetos e ações para diversas famílias, foi através da releitura que eu pude aprimorar meus conhecimentos e aprender mais. A rede de apoio para todos nós dessa comunidade é muito grande, somos gratos e felizes por tudo isso”, afirma a entrevistada.

Promover o acesso às bibliotecas, aos livros e à leitura como direito humano, e contribuir para a formação de leitores é uma das missões que as bibliotecas comunitárias carregam consigo e é com esse objetivo que elas produzem tantos projetos e influências importantes na sociedade de hoje.

A pesquisa Bibliotecas Comunitárias no Brasil: Impacto na formação de leitores mostrou que 86,7% dessas bibliotecas estão localizadas em zonas periféricas de áreas urbanas em regiões de elevados índices de pobreza, violência e exclusão de serviços públicos. Do restante, 12,6 % delas estão em zonas rurais e apenas 7% em área ribeirinha.

“Descobrimos que essas bibliotecas estão, em sua maioria, em regiões periféricas. Mas uma grande característica é que essas bibliotecas estão onde o poder público não chega. Elas surgem por essa vontade da comunidade em ter esses espaços, que muitas vezes são os únicos espaços culturais nos territórios”, disse Luís Gustavo dos Santos, mediador de leitura e um dos pesquisadores.

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O estudo foi coordenado pelos Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas do Brasil, da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio), o Centro de Estudos de Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Centro de Cultura Luiz Freire (PE).

Outro dado revelado foi que 66,5% das bibliotecas foram criadas por coletivos – grupos de pessoas do território e movimentos sociais. A prática da leitura compartilhada também faz parte da identidade da maioria das bibliotecas pesquisadas.

A amostra para a pesquisa incluiu 143 bibliotecas, sendo 92 integrantes da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) e as outras 51 sem vínculo com a rede, em 15 estados e o Distrito Federal. As bibliotecas comunitárias são aquelas criadas e mantida pela sociedade civil. Os pesquisadores destacam a luta das comunidades para conquistar e garantir seu direito nesses territórios marcados pela exclusão de políticas públicas de cultura e educação.

A pesquisa mostrou que as bibliotecas são acessíveis e estão envolvidas com suas comunidades, seus espaços são pensados para assegurar práticas de leitura compartilhada, têm acervos que priorizam o letramento literário, a gestão é compartilhada e que a população identifica a biblioteca e os mediadores de leitura como referências.

“Uma característica da biblioteca comunitária é a gestão compartilhada, então, por mais que esse espaço surja por meio de alguma instituição, é um espaço que é gerido também pela comunidade. Não é apenas um usuário e sim uma pessoa que participa da gestão, da organização e das decisões que acontecem nessa biblioteca”, disse Santos.

Segundo ele, são poucas as pesquisas no país sobre a importância das bibliotecas comunitárias e, em maioria, são estudos muito específicos com recortes locais. “[A pesquisa] mostra o impacto na formação de leitores através dos relatos. Muitas pessoas entram na biblioteca apenas como leitores e saem como mediadores. Então, existe um grande impacto na formação dessas bibliotecas comunitárias.”

Apesar de essas bibliotecas conseguirem se manter por meio de doações e voluntariado, Santos disse que um dos objetivos é que haja investimento público para que esses espaços se desenvolvam melhor. “Como é um espaço, muitas vezes, o único espaço cultural e de acesso público nesses territórios, ela necessita sim de recursos públicos. [Precisa de recursos] para que as bibliotecas consigam se manter com qualidade, pagando seus mediadores, conseguindo custear o espaço, que muitas vezes é feito por meio de doação e de trabalho voluntário.” 

O estudo concluiu também que os profissionais que atuam nas bibliotecas comunitárias cumprem diferentes funções, como gestores, bibliotecários, facilitadores e mediadores de leitura. Os pesquisadores consideraram relevante também que entre os mediadores de leitura, pessoas que apresentam os livros aos leitores, é alto o índice de escolarização: mais de 90,2% têm de ensino médio a pós-graduação.

Stefanie Felício da Silva, articuladora da biblioteca comunitária Ademir Santos, na zona lesta da capital paulista, diz que o espaço tem função que extrapola a leitura. “Só de a criançada chegar, entrar aqui e passar a tarde toda já acho muito importante porque, pela realidade que elas vivenciam aqui, esse é um espaço de acolhimento para elas. Elas estando aqui dentro, elas estão entrando em contato com outras culturas, outros conhecimentos e elas não estão tão vulneráveis como elas poderiam estar na rua”, disse.

“Não considero nem um trabalho, considero uma contribuição pela comunidade onde eu moro. Sempre tive esse desejo de fazer alguma coisa pelo lugar onde eu moro. Tento aproveitar ao máximo [este espaço] para conseguir alcançar o maior número de pessoas possível [com a leitura]”, acrescentou.

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