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A cidade de Grenoble deve aprovar, nesta segunda-feira (16), que as mulheres muçulmanas podem usar o "burquíni" em piscinas públicas, uma decisão polêmica que o governo francês ameaça bloquear.

"De acordo com as instruções do ministro do Interior, Gérald Darmanin, o prefeito de Isère encaminhará a questão ao tribunal administrativo de Grenoble se esta decisão for adotada", alertou a prefeitura no domingo.

A questão do 'burquíni', assim como a do véu, tende a esquentar o debate político na França, especialmente em um período eleitoral como o atual, a menos de um mês das eleições legislativas.

O prefeito de Grenoble, o ambientalista Éric Piolle, defende que a reforma do regulamento municipal das piscinas procura pôr fim às "proibições aberrantes do vestuário" e às ordens "sobre o corpo das mulheres".

Recebeu o apoio de uma centena de personalidades, incluindo feministas conhecidas como Caroline de Haas e Alice Coffin, para quem "ninguém deve ser estigmatizado nas piscinas por causa do seu tipo de maiô".

Mas para seus críticos, o 'burquíni' - que cobre o corpo e a cabeça, mas não o rosto - representa um símbolo da opressão das mulheres e até o comparam ao véu integral que o Talibã acaba de impor às mulheres no Afeganistão.

Piolle "não percebe o dano que está causando aos nossos valores republicanos", disse nesta segunda Prisca Thévenot, do partido do presidente centrista Emmanuel Macron. Para a extrema-direita, significa ceder ao "Islã político".

Na parte da tarde, Grenoble (leste) deve adotar a modificação do regulamento municipal de piscinas, em um contexto que se anuncia tenso.

A coalizão de esquerda no poder também está dividida, o que deverá resultar numa votação apertada entre os 59 vereadores. Segundo o jornal regional Le Dauphiné Libéré, pelo menos 27 se oporão à medida.

A decisão representa um novo impulso de um debate recorrente na França, sobre o laicismo e a adequação do Islã. Desde 2004, o uso de símbolos religiosos visíveis nas escolas é proibido e os funcionários públicos estão sujeitos ao princípio da "neutralidade".

Durante a última campanha presidencial, a candidata de extrema-direita Marine Le Pen propôs proibir o véu em espaços públicos, mas não o quipá judeu, algo que, segundo Macron, teria levado à "guerra civil" na França.

Para o governo, o objetivo de autorizar o burquíni é "ceder às demandas comunitárias para fins religiosos" e essa decisão pode violar o princípio da "laicidade estabelecido pela lei de 1905".

Uma lei que proíba o uso do burquíni seria "inconstitucional, ineficaz" e poderia criar "tensões irreparáveis", advertiu neste domingo o ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, em uma entrevista ao jornal La Croix.

Embora várias personalidades da direita se pronunciaram a favor de uma lei que proíba este traje de banho islâmico centro de uma forte polêmica, o governo socialista "rejeita legislar a este respeito, visto que uma lei seria inconstitucional, ineficaz e de natureza capaz de suscitar antagonismos e tensões irreparáveis", declarou o ministro.

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Na sexta-feira, a mais alta instância jurídica francesa pôs um freio às proibições do burquíni. E chamou os prefeitos "ao respeito das liberdades garantidas pelas leis", evocando todos os municípios que proibiram na França este traje de banho islâmico.

Esta decisão não apagou a polêmica que agita a classe política francesa, no momento em que vários candidatos da direita realizaram atos de campanha durante o final de semana visando as primárias de novembro, que determinarão seu candidato para as eleições presidenciais de 2017.

O ex-presidente Nicolas Sarkozy, que se lançou em uma campanha com uma inclinação muito à direita, defendeu a proibição do burquíni, em nome de preservar o "modo de vida francês".

Seu rival na direita, o ex-primeiro-ministro Alain Juppé, líder nas pesquisas, ao contrário, se opõe a uma lei antiburquíni "de circunstância". "Onde vai parar esse frenesi que se apoderou da sociedade francesa? Vamos amanhã proibir vestir saias longas nas escolas?", ironizou.

Diante da polêmica pelo burquíni na França, mulheres muçulmanas que adotam esse traje de banho de corpo inteiro oscilam entre a incompreensão com o absurdo debate e a fúria por serem - mais uma vez - estigmatizadas e dizem usá-lo como "mulheres livres".

Wendy, de 22 anos, é estudante de Direito em Lille (norte). Muçulmana convertida, usa o véu há três anos. No verão passado, fez um burquíni com malha, saia de tênis e uma camiseta. Neste verão, comprou seu primeiro burquíni em um especializado. "Uso o véu normal, não escondo meu rosto", diz a estudante.

"Não vejo por que devo colocar um biquíni quando estou de férias, não é coerente", disse essa jovem por telefone à AFP do Chipre, onde passa suas férias. Para Wendy, o burquíni é simplesmente "prático". "Não sou a favor de ir para a água vestida. Estragaria minha roupa", comentou, rindo. "Quero me banhar tranquilamente", acrescenta, denunciando uma polêmica "ridícula" em torno do burquíni.

Depois dos atentados extremistas que inflamaram o debate sobre o Islã na França, uma nova polêmica surgiu sobre esse traje que cobre o corpo da mulher da cabeça aos tornozelos. Em agosto, vários municípios da costa mediterrânea decretaram a proibição de usar burquíni nas praias.

Na quinta-feira (25), o Conselho de Estado francês, a mais alta jurisdição administrativa do país, examinará uma ação apresentada pela Liga de Direitos Humanos (LDH) contra os polêmicos decretos antiburquíni, segundo um comunicado publicado hoje (23). Último recurso em matéria de justiça administrativa, o Conselho de Estado deve estabelecer a jurisprudência para o caso.

Na França, que conta com 5 milhões de muçulmanos, os burquínis são pouco usados. Uma minoria vai à praia coberta.

'Barulho por nada'

Lamia, companheira de estudos de Wendy, cresceu em Dunkerque (norte), perto do mar. Ela lembra de sua mãe de saia preta na praia, quando era pequena. "Sua roupa ficava molhada, e a areia grudava nela. O burquíni facilita a vida das muçulmanas que sempre se banharam vestidas", completou. Este ano, Lamia viajou de férias para Nice e Cannes (sul), onde se banhou de burquíni dias antes dos decretos de proibição.

"Eu era quase a única que usava. Vi dois, ou três, talvez. Ninguém se importava", afirma, acrescentando que as reações se limitavam a um olhar de "surpresa". Assim como Wendy, Lamia está furiosa com a controvérsia - segundo ela "oportunista" -, que "cria barulho por nada". Lamia considera "absurdo" ver no burquíni um sinal de radicalização.

"Para os fundamentalistas, os extremistas, a praia é para os infiéis. Elas não vão se banhar cercadas de mulheres com os seios de fora em Cannes", completa. Quem usa burquíni, defendeu, são "mulheres livres de suas decisões" que apenas "desejam desfrutar das férias", acrescenta. A jovem sugere que o nome deveria ser modificado, já que "tem uma conotação pejorativa por causa da burca", a veste que cobre totalmente o corpo da mulher.

Tatiana, vendedora em uma loja de moda islâmica em Paris, também desaprova o nome dessa roupa, da qual vende vários modelos coloridos há anos. Entre suas clientes, ela diz ter "muitas mães que querem brincar na água com os filhos". "Vende-se regularmente, sobretudo, antes das férias", completa.

Além do burquíni, Tatiana e sua colega Sukayna relatam que, nas ruas, as agressões verbais sobre suas roupas crescem. "Nós não criticamos a forma como os outros se vestem. É triste. Dizem para nós que esse não é nosso lugar", lamenta Tatiana.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, defendeu nesta segunda-feira (22) a liberdade religiosa que garanta, por exemplo, o direito de usar burquíni, o que significaria - segundo ele - "a aceitação" do outro em uma sociedade aberta.

"No Canadá, deveríamos ir além da tolerância. Tolerar alguém é aceitar que tenha o direito de existir, mas com a condição de que não venha a nos incomodar muito, muito, em nossa casa", lamentou o premiê em entrevista coletiva.

Ao ser questionado sobre a polêmica na França a respeito do burquíni - o traje de banho de corpo inteiro usado pelas mulheres muçulmanas -, Trudeau pediu que "se respeitem os direitos e as escolhas dos indivíduos", um princípio que "deve estar em primeiro lugar em nossos discursos e debates públicos".

Depois da polêmica na França, onde várias cidades litorâneas proibiram o uso desse traje, deputados de Québec pediram uma medida similar nessa província, em nome do princípio de laicidade.

"Sim, certamente, há pequenas controvérsias aqui e lá, como sempre, conversas que continuaremos a ter", observou Trudeau, acrescentando que, "no Canadá, deveríamos ir além da tolerância".

"No Canadá, podemos falar de aceitação, de abertura, de amizade, de compreensão? É para lá que vamos e é o que estamos vivendo em nossas comunidades diversas e ricas, não apesar, mas por causa das diferenças", concluiu Trudeau.

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, manifestou seu apoio aos prefeitos que proíbem o uso de burquini, traje de banho que cobre todo o corpo, adotado por algumas muçulmanas. Os prefeitos de várias localidades litorâneas da França proibiram o traje por considerar que representa a reivindicação comunitária de um Islã político.

Segundo testemunhas, o burquini já levou a incidentes violentos em uma cidade da Córsega, e a polêmica resultante desse episódio acabou virando nacional. "Entendo os prefeitos, que, nesse momento de tensão, têm o reflexo de buscar soluções, evitar perturbações públicas", declarou Valls, em uma entrevista na edição de quarta-feira (17) do jornal regional francês La Provence.

"Apoio, portanto, aqueles que promulgaram decretos, se estiveram motivados pela vontade de estimular a convivência em comum, sem segundas intenções políticas", explicou o premiê. "As praias, como todo espaço público, devem ser preservadas de reivindicações religiosas", alegou Valls.

O burquini "é a tradução de um projeto político, de contrassociedade, fundado, sobretudo, na escravidão da mulher", declarou. Por trás do burquini, "está a ideia de que, por natureza, as mulheres seriam impudicas, impuras e deveriam estar totalmente cobertas. Isso não é compatível com os valores da França e da República", argumentou o chefe de governo.

"Diante das provocações, a República deve se defender", insistiu. Até o momento, quatro prefeituras sancionaram decretos "antiburquini": Cannes e Villeneuve-Loubet na Riviera francesa; Sisco, na Córsega; e Le Touquet, na costa normanda. Leucate, no Mediterrâneo, anunciou nesta terça que fará o mesmo.

A prefeitura de Cannes (sudeste da França), sede de um dos principais festivais de cinema do mundo - de acordo com uma lei municipal sancionada nesta quinta-feira (11), que proíbe o uso de burquini (maiô que cobre todo o corpo) em suas praias.

Sancionada em 28 de julho pelo prefeito de direita David Lisnard, a lei determina que "o acesso às praias (...) está proibido (...) a qualquer pessoa que não tenha uma indumentária correta, respeitosa dos bons hábitos e da laicidade, respeitando as regras de higiene e de segurança dos banhos adaptados ao domínio público marítimo".

Segundo o decreto, "uma roupa de praia manifestando de maneira ostentatória um pertencimento religioso, no momento em que a França e os locais de culto religiosos são, atualmente, alvo de ataques terroristas, é de natureza a criar riscos de perturbações da ordem pública (multidões, conflitos, etc.), o que é necessário prevenir".

"Não se trata de proibir o uso de símbolos religiosos na praia", explicou à AFP o diretor-geral de serviços da cidade de Cannes, Thierry Migoule, "mas as vestimentas ostentatórias que fazem referência a uma lealdade a movimentos terroristas que nos fazem guerra".

O burquini é usado por mulheres que querem se enquadrar nas prescrições de pudor impostas por uma rigorosa concepção do Islã.

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