O fraco desempenho da economia brasileira, em recessão técnica, tem pouco a ver com uma crise internacional e está mais ligado à desaceleração da demanda doméstica e à redução dos investimentos na produção. A visão, contrária aos argumentos da presidente Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, não vem da oposição ao governo, mas de uma ampla análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Divulgada sem alarde no site do Ipea, a Carta de Conjuntura derruba dois dogmas do discurso do governo federal. O Ipea reconhece a "recessão técnica", ou seja, a queda da atividade econômica por dois trimestres consecutivos. O governo rejeita esse conceito. O instituto, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência (SAE), também nega que a crise mundial seja a única explicação para o fraco resultado do Produto Interno Bruto (PIB) registrado ao longo dos últimos quatro anos.
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A análise, assinada pela Diretoria de Estudos e Política Macroeconômicas, sai em um momento de crise interna no Ipea e de adiamento na divulgação de indicadores negativos para a economia às vésperas da eleição de domingo. Na semana passada, o diretor de Estudos e Políticas Sociais, Herton Araújo, entregou o cargo após ser voto vencido em reunião da cúpula do Ipea que decidiu, no início de outubro, não divulgar análises com dados públicos durante o período eleitoral. Na ocasião, Araújo defendia a divulgação de estudo técnico sobre miséria no Brasil a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE.
Agora, a nova Carta de Conjuntura coloca ainda mais lenha na fogueira no debate político, partindo de análises econômicas. "Ao contrário de outros períodos em que o PIB caiu por dois trimestres consecutivos (por exemplo, 1998-1999, 2001, 2003 e 2008-2009), o momento atual não se caracteriza por crises externas, flutuações bruscas nos preços macroeconômicos e/ou "apagões" energéticos", escrevem os analistas do Ipea. "A inexistência de culpados óbvios isto é, de 'choques negativos' de grande monta torna ainda mais significativo o fenômeno da estagnação econômica recente."
Os economistas citam especificamente as últimas quatro crises vividas internamente, que deprimiram o PIB brasileiro. Entre 1998 e 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a economia sofreu os abalos da crise na Rússia e, na sequência, da maxidesvalorização do real, em janeiro de 1999. Dois anos depois, em 2001, o PIB recuou forçado pelo racionamento de energia no governo FHC, o chamado "apagão". Em 2003, a economia reagiu mal à brusca desvalorização do real, contaminado pela radicalização do período eleitoral do ano anterior. Finalmente, entre o fim de 2008 e o começo de 2009, o Brasil foi atingido pela explosão da crise econômica mundial, nos Estados Unidos e na Europa.
"Reitere-se que, nas últimas décadas, recessões técnicas só ocorreram em momentos em que o país foi atingido por choques negativos importantes", afirmaram os analistas do Ipea.
O Ipea destaca que "ainda que o quadro atual de baixo crescimento econômico seja obviamente indesejável, cumpre ressaltar que seus efeitos negativos têm sido mitigados pelo fato de a taxa de desemprego permanecer baixa e dos rendimentos reais continuarem crescendo". O bom ritmo do mercado de trabalho tem suavizado os problemas macroeconômicos e mantido um nível geral de atividade que impede que o PIB recue a zero. Depois de crescer 2,7% em 2011; 1% em 2012 ; e 2,5% em 2013, o PIB deve fechar em cerca de 0,3% neste ano, segundo projeções do mercado financeiro.
Na média, o governo Dilma Rousseff deve encerrar com um avanço do PIB de 1,6% do PIB, desempenho inferior apenas ao de Floriano Peixoto (1891-1894) e de Fernando Collor (1990-1992) entre todos os presidentes.
A admissão da recessão técnica fica clara no trecho em que o Ipea assinala as duas retrações consecutivas do PIB no primeiro e no segundo trimestre deste ano. "Este resultado (do 2º trimestre) configurou um cenário de recessão técnica, uma vez que o PIB já tinha caído 0,2% no trimestre anterior".
Inflação
Quanto ao desempenho da inflação, o Ipea reconhece que o cenário de aumento de preços no Brasil "vem se mantendo pressionado, em patamar elevado". De acordo com os economistas, o índice oficial (IPCA) fechará o ano em um nível superior aos 5,91% verificados em 2013 - isto é, estará ainda mais próxima do teto da meta perseguida pelo Banco Central, de 6,5%.
O Ipea também cita o estranho desempenho das despesas federais com programas sociais e previdenciários ao longo do primeiro semestre - as chamadas "pedaladas fiscais". O Tesouro atrasou o repasse de dinheiro aos bancos, notadamente a Caixa Econômica Federal, que continuaram realizando os pagamentos em dia de abono salarial, seguro-desemprego, benefícios previdenciários e Bolsa Família. Os atrasos nos repasses reduziram artificialmente as despesas federais. Após a revelação da manobra, o Tesouro iniciou uma correção dessas "pedaladas" em agosto e setembro, o que piorou o resultado fiscal do governo federal.
Sem citar diretamente essas operações, o Ipea assinala que houve "elementos incomuns do lado das despesas". "Os mais relevantes foram os pagamentos de abono e seguro-desemprego, que mais que dobraram, em termos reais, em relação aos registrados em agosto de 2013, compensando quedas expressivas ocorridas nos meses anteriores."