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O Bairro do Recife, popularmente conhecido Recife Antigo, tem importante valor histórico, cultural e artístico. Tanto é que o seu conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico está tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1998. Entretanto, passeando por entre as ruas que trazem à memória séculos anteriores, é possível verificar contrastantes casarios e armazéns esquecidos e abandonados.
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No último levantamento realizado pelo Iphan, em 2011, 42% dos imóveis da área tombada estavam semiocupados ou desocupados. De lá para cá, a situação claramente melhorou, mas alguns casos ainda espantam.
É o caso de um imóvel da Travessa Tuyuti, próximo ao Paço Alfândega, capaz de afastar qualquer um que se aproxime, tornando a via praticamente intransitável. É que o tal casarão virou depósito de lixo. Há restos de comida e muitas moscas. Mesmo a uma distância considerável da residência já é possível sentir o forte mal cheiro.
O analista de sistemas Jeferson Araújo, de 26 anos, costuma andar pela área e disse já ter sido ameaçado neste local. “Eu deixei o carro aqui e um rapaz me abordou de uma forma muito incisiva. Parecia um usuário de drogas que deve usar esta casa”, disse ele, que agora evitar passar naquele trecho.
Paralela à Travessa do Tuyuti, a Travessa do Amorim também tem um casarão “esquecido”. É bom colocar a palavra entre aspas porque houve quem soubesse aproveitar o imóvel. O térreo da residência virou casa para um morador de rua. Lá dentro, até luz elétrica está instalada. “Ele entrou, limpou e fez o quartinho dele”, conta um transeunte, que prefeiru não se identificar.
Na Rua Vigário Tenório, dois imóveis, números 171 e 177, estão em situação precária de conservação, mas há tapumes e uma placa indicando que será feita uma obra de escoramento e recuperação do imóvel. No cruzamento da Rua Mariz e Barros com a Rua Álvares Cabral, um outro casarão imponente aparenta estar esquecido, com cores desbotadas e estruturas de aparente fragilidade. A casa tem tapumes e o chaveiro Carlos Magno, que trabalha há 30 anos do outro lado da rua, disse que o dono do imóvel é um grande empresário, mas não há sinais de obra. “Não pode passar muito tempo abandonado assim porque isso se transforma em ponto de marginalidade”, opina o chaveiro.
De acordo com o professor de arquitetura José Luiz Mota Menezes, especialista em restauração de prédios históricos, há solução para que um bairro de valor riquíssimo como o do Recife perca esses traços de abandono. “A solução, e é o que se pede aos gestores, seria um diagnóstico da cidade, uma leitura correta, uma avaliação do que está acontecendo na cidade. Tem que haver um grupo de trabalho para rever a lei de uso do solo. O que está existindo hoje é você dar a cidade o que você acha que é bom para ela e não o que ela quer”, aponta Menezes.
O professor destaca que é cada vez mais difícil recuperar um casarão histórico. “Sendo antigo, tem uma manutenção difícil. Precisa de mão de obra especializada e madeiras que nem são mais fornecidas”, destaca. Para ele, falta incentivo que faça com que o proprietário do imóvel queira recuperá-lo.
“Estão reestimulando morar no Bairro do Recife, mas para isso é preciso que haja uma estrutura de base. Faltam as chamadas lojinhas de apoio, para comprar o básico, o arroz, o feijão, etc”, comenta o professor, colocando uma parcela da culpa nos shopping centers e grandes comércios. “A centralização com shopping centers vem destruindo a unidade de bairro. Isto foi péssimo e ninguém reviu. As pessoas precisam se deslocar do bairro para ir a um desses shoppings e comprar o que precisam”, critica.
O superintendente do Iphan, Frederico Faria Neves Almeida, concorda que a falta de moradia é prejudicial. O levantamento de 2011 também apontava que apenas 4% dos imóveis era moradia. “Ainda assim estamos otimistas. Verificamos que há um processo de revitalização do Recife, de bares, armazéns e museus”, destaca.
Mas José Luiz Mota Menezes também coloca a responsabilidade nas costas dos órgãos de preservação do patrimônio, como o próprio Iphan, que, segundo o professor, não orienta. “Você tem um sobrado, por exemplo, e quer instalar o de mais moderno. Quem vai orientar isso? Não deveria ser só um arquiteto, mas também o organismo que controla. Os órgãos só fazem controle e penalização, nunca incentivos e indicativos”, afirma.
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O Iphan esclareceu que ainda em 2002 entrou com uma ação civil pública contra os proprietários de alguns desses casarões. Desde então, mais de 50% dos imóveis foram recuperados. “Esses proprietários também têm muitos problemas judiciais, de espólio e de herança, o que dificulta”, lembra Almeida. O superintendente recomenda que a Prefeitura do Recife realize o IPTU progressivo para quem não cuida do seu imóvel ao mesmo tempo que ofereça benefícios fiscais para aqueles que cuidam.
Por fim, o professor José Menezes cita outra faceta, que seria comumente esquecida: “A educação patrimonial. Que é conceituar que aquilo é um patrimônio cultural seu, sua auto estima. Isto é cultura. Mas cultura é o carro chefe do governo? Não. É o que não rende votos. Eles pensam ‘eu vou dar cultura a esse povo, mas de goela abaixo’”, critica o arquiteto.