No último dia 8 de abril, a Escola Estadual de Referência em Ensino Médio (EREM) Ageu Magalhães, localizada no bairro de Casa Amarela, na Zona Norte de Recife, vivenciou uma experiência incomum. Cerca de 26 estudantes foram acometidos, de forma simultânea, por uma crise de ansiedade coletiva que resultou em sintomas como taquicardia, crises de choro, falta de ar, tremores e até no desmaio de alguns alunos.
Ouvida pelo LeiaJá, a Secretaria de Educação de Esportes de Pernambuco (SEE-PE), informou que o acontecimento teria sido desencadeado por conta da semana de provas iniciada na escola. Na ocasião, uma aluna teria passado mal apresentando uma forte crise de ansiedade em sala de aula. Ao presenciar o estado da colega, os outros estudantes da mesma sala e de salas vizinhas acabaram compartilhando da angústia e entraram em uma espécie de crise coletiva.
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Em vídeo divulgado na internet, é possível ver o momento de caos vivenciado na unidade de ensino: vários estudantes desmaiados ao chão, gritos, choros e outros alunos ao redor, na tentativa de acalmar os colegas em estado de desespero.
Ao perceber a situação que se instalava no local, a Secretaria de Educação alegou que acionou imediatamente o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que atendeu os alunos na própria escola. Entre os sintomas identificados, foi informado que os jovens apresentaram taquicardia, sudorese, saturação baixa, falta de ar, tremores e desmaios. Para realizar o atendimento, o Samu contou com seis ambulâncias, duas motocicletas e 16 profissionais.
Em conversa com o LeiaJá, a psicóloga escolar com atuação no ensino fundamental e ensino médio, Allyne Gomes, relata que frequentemente presencia crises de ansiedade em unidades de ensino, contudo não nesta proporção. “Não tive uma experiência tão coletiva em minha prática como psicóloga educacional, mas esses casos de mal estar se repetem diariamente. No horário de chegada, no intervalo, antes das provas e nas atividades escolares como um todo", diz.
Em relação aos possíveis motivadores dessa crise, a profissional considera que deve haver diversos fatores, mas que a pandemia provavelmente está no centro desse problema. “O retorno ao presencial após dois anos de isolamento é, com certeza, um estímulo estressor. Estes estudantes voltaram à atividade presencial, as cobranças de provas sem as facilidades do digital de uma forma muito brusca, sem uma adaptação gradual", explica Allyne Gomes.
Como informado pela Secretária de Educação, as crises se sucederam após o início da primeira semana de provas presenciais, após os dois anos de ensino a distância. Allyne Gomes destaca a existência de um déficit muito grande entre o EAD e o ensino presencial, de modo que os estudantes estão voltando para a sala de aula e sendo cobrados por um repertório de aprendizagem que não foi oferecido com eficiência nesse distanciamento.
“Os alunos se sentiram prejudicados durante a pandemia por não terem a melhor performance de aprendizagem e agora estão colhendo o prejuízo na vida acadêmica. Apesar dos grandes esforços dos profissionais de educação, foi difícil manter o padrão de qualidade das aulas. Houve alunos que tiveram mais resistência ao aprendizado digital e que tiveram um choque de realidade no retorno ao presencial”, salienta a profisisonal.
Assim, após dois anos distantes do convívio social, com perdas de familiares e amigos, além da crise financeira vivenciada em muitos lares, o adoecimento psicológico dessa juventude seria inevitável. De acordo com pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), 36% dos jovens e adolescentes apresentaram sintomas de depressão e ansiedade em meio à pandemia.
De acordo com a psicóloga escolar, essa situação se agrava frente às cobranças de provas e exames competitivos para ingressar na universidade. “Essa juventude está em um período de formação e já vem sendo pressionada por um modelo de ensino extremamente competitivo, intenso e angustiante, com a presença de exames como o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], que coloca em questão uma avaliação de todo o conhecimento de um jovem, em apenas dois dias", diz.
O que explica uma crise coletiva?
Apesar de a ansiedade ser comum no ambiente escolar e até mesmo esperada devido ao aumento de problemas sociais que afetam a vida dos jovens, o episódio presenciado na escola Ageu Magalhães foi um tanto incomum e chamou a atenção de psicólogos e psicopedagogos. Para a psicóloga educacional Allyne Gomes, se trata de um espelhamento entre os alunos, que perceberam que compartilhavam de uma mesma angústia.
“Essa crise de ansiedade se torna coletiva, a partir do momento que uma colega abre espaço para expressar sua angústia frente a uma experiência de aprendizagem e outros alunos se identificam com esse sentimento, por perceber que a colega passa por um mal estar que eles também compartilham. Então, essa dificuldade, que talvez os estudantes tinham vergonha de expor, agora parece ter um espaço para então ser expressada” , explica a profissional.
Dessa maneira, existe uma tipo de "efeito dominó”, em que os sintomas sentidos por um passam a ser reproduzidos por outros alunos. “Na visão psicanalítica, chamamos de identificação projetiva, em que a pessoa vê esse fenômeno acontecer no outro e então percebe que se identifica com as razões do sofrimento daquela pessoa, acabando assim executando os mesmos atos, porque o eu como indivíduo sente que sofre dos mesmos males” , explica a psicóloga educacional.
Alternativas em meio ao mal estar
Tendo em vista o aumento de casos relatados de crises de ansiedade, o sistema de ensino necessita da inclusão de atividades de apoio ao estado emocional e psicológico dos estudantes, contando com profissionais realmente qualificados para tal, além de recursos adaptativos para acolher o estudante nesse retorno à sala de aula.
"Nós estamos lidando com alunos que passaram por eventos de luto, que perderam familiares, amigos muito queridos, além de perdas financeiras, perdas de qualidade de vida, então são muitas situações que merecem sensibilidade. Temos jovens que chegam com bagagens emocionais muito fortes nessa escola”, destaca a psicóloga.
Como saída, a profissional traz a importância de um processo de adaptação realizado com o apoio escolar: “São essenciais projetos de educação socioemocionais que proponham caminhos para que os estudantes possam enfrentar essas dificuldades vivenciadas em sua vida cotidiana. É preciso oferecer alternativas para que eles lidem com os desafios fora dos portões da escola, para que então possam adentrar na sala de aula da melhor forma possível.”
A profissional ainda realça a importância do apoio psicológico dentro das unidades de ensino, para que possam intervir em casos de transtornos e dificuldades de aprendizagem inerentes a esse período. Estes profissionais devem acolher os fatores psicológicos estressores e qualquer evento traumático que se possa fazer presente nesse retorno presencial.
Além disso, a psicóloga ressalta o papel da humanização do ambiente educacional. “É preciso conquistar esse aluno, despertar o desejo de aprender. Essa escola presencial é um momento de encontro social e precisa ser interessante e desejável na rotina dos alunos. Além do conteúdo, precisa envolver interação humana e socialização, a troca emocional no ambiente escolar tem um poder gigantesco, podendo ser um fator preventivo também para transtornos mentais", finaliza.