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Os quatro novos decretos editados nesta semana pelo governo federal para tratar da aquisição e do porte de armas de fogo no Brasil não superam os vícios das normativas anteriores e seguem marcados por ilegalidades e inconstitucionalidades. A análise é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), em conjunto com a Câmara do MPF sobre Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional.

Em uma Nota Técnica sobre o tema encaminhada nessa quinta-feira (27) ao Congresso Nacional, os dois órgãos do Ministério Público Federal apontam que os novos decretos confrontam diversos aspectos da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), além de trazerem sobreposições de comandos normativos – alguns deles, inclusive, contraditórios.

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“A situação aproxima-se de um caos normativo e de uma grande insegurança jurídica”, destaca o texto, que também foi encaminhado à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, como auxílio ao posicionamento que a PGR deverá apresentar na ação de inconstitucionalidade sobre o assunto que tramita no Supremo Tribunal Federal.

Os quatro novos decretos sobre armas – 9.844, 9.845, 9.846 e 9.847 – foram editados e publicados em 25 de junho de 2019, em duas edições extras do Diário Oficial da União. O objetivo era o de supostamente regulamentar a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e substituir os anteriormente publicados pelo governo federal: o Decreto 9.785, de 7 de maio de 2019, e o Decreto 9.797, de 21 de maio de 2019.

“Trata-se de mais um capítulo da tentativa do Poder Executivo de subverter o sentido da Lei 10.826/2003 mediante subsequentes atos infralegais, que se iniciou com a edição do Decreto 9.685, em 15 de janeiro de 2019, e se seguiu com os Decretos 9.785 e 9.7972. Já o Decreto 9.844 foi editado e revogado no mesmo dia, pelo subsequente Decreto 9.847, gerando inclusive insegurança jurídica”.

De acordo com a Nota Técnica, os primeiros três novos decretos – anunciados publicamente ainda no dia 25 de junho – traziam ínfimas alterações em relação ao Decreto 9.785. Apenas o Decreto 9.847, anunciado em 26 de junho, embora datado do dia anterior, é que veiculou algumas poucas modificações na regulamentação.

“Basicamente, o positivo nesse decreto é a revogação das normas que liberavam o porte de armas de fogo e ampliavam o quantitativo de munições que qualquer cidadão poderia adquirir. Entretanto, nenhum dos decretos solucionou diversas outras ilegalidades presentes nas regulamentações promovidas a partir do Decreto 9.685, de janeiro de 2019”, aponta a nota.

Em suas manifestações anteriores, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão já vinha reiteradamente afirmando a incompatibilidade da regulamentação promovida desde o Decreto 9.685, de janeiro de 2019, com as diretrizes estabelecidas pela Lei 10.826/2003.

“Os atritos são tantos e tão profundos que se revela a total inconstitucionalidade dos decretos emitidos, os quais não disfarçam o propósito de alterar a política pública de desarmamento aprovada na mencionada lei. Ao assim agir, o Poder Executivo atenta contra os princípios da legalidade e da separação dos poderes. Essa situação não se alterou, ainda que se tenha excluído da regulamentação as absurdas normas sobre porte de armas”, reforça o texto.

Para os dois órgãos do Ministério Público Federal, a técnica de revogar integralmente o Decreto 9.785 e substitui-lo por três novos atos impediu que o Poder Judiciário e o Poder Legislativo concluíssem os procedimentos em andamento que tinham por objeto suprimir ou suspender os Decretos 9.785 e 9.685 do ordenamento jurídico.

“De fato, tudo se passou na véspera de julgamento agendado pelo Supremo Tribunal Federal para analisar pedido cautelar de suspensão das normas anteriores, e também no mesmo dia em que a Câmara de Deputados previa concluir o processo, iniciado no Senado Federal, para eventual aprovação de decreto legislativo que suspenderia a execução dos decretos antecedentes”, aponta o texto.

Sobreposição de regras ilegais - Entre os exemplos do caos normativo estabelecido pela nova regulamentação está o que se trata à aquisição e posse de armas de fogo. De acordo com a Procuradoria, há uma sobreposição de comandos normativos nos Decretos 9.845 e 9.847 e, mais grave, eles divergem entre si. Enquanto o Decreto 9.845 refere-se, ainda que em desconformidade com a lei, ao requisito da demonstração da efetiva necessidade da arma de fogo, no Decreto 9.847 essa exigência sequer é mencionada.

“Ambos os preceitos compartilham os mesmos vícios, pois a lei exige uma comprovação pessoal de efetiva necessidade, o que não pode ser dispensado ou presumido em um ato infralegal. Portanto, nem a regulamentação dada pelo Decreto 9.845, como aquela do Decreto 9.847, pode ser considerada válida em relação à aquisição e posse de armas de fogo de uso permitido”.

A Nota Técnica também chama atenção para o fato de que os novos decretos mantiveram, também, a autorização para a posse de fuzis semiautomáticos por qualquer cidadão, assim como espingardas e carabinas. “Ou seja, qualquer pessoa poderá adquirir e manter em sua residência ou local de trabalho armas de alto potencial destrutivo”.

Nesse particular, os órgãos do Ministério Público Federal chamam atenção ao enorme potencial desses armamentos virem a expandir acentuadamente o poderio de organizações criminosas, sobretudo na hipótese de furto ou roubo dessas armas e sua posterior destinação para a criminalidade.

Ainda de acordo com a Nota Técnica, os quatro novos decretos editados pelo governo federal mantiveram a indevida ampliação existente no Decreto 9.785 do conceito legal de residência e domicílio, para o propósito de, no caso das propriedades rurais, autorizar que o armamento seja utilizado em toda a extensão da propriedade, edificada ou não, em que resida ou tenha instalação o titular do registro.

Para a Procuradoria, o objetivo dessa disposição foi tornado público pelo próprio presidente da República: permitir que proprietários e, obviamente, respectivos prepostos mantenham e portem armas de fogo em áreas remotas, eventualmente nem mesmo exploradas economicamente.

Permissão para compra de arsenais de armas e munições - O registro, posse e porte de armas e munições por caçadores, colecionadores e atiradores receberam um tratamento privilegiado no Decreto 9.846, editado no último dia 25. De acordo com o texto, essas categorias passam a ter autorização, inclusive, para aquisição de armas de porte e portáteis, em volumes bastante irrazoáveis. Segundo a normativa, caçadores poderão manter até 30 armas, e atiradores, até 60. O texto estabelece ainda que um único atirador pode, a cada ano, comprar até 150 mil munições de armas de uso permitido e até 30 mil munições de armas de uso restrito. Isso tudo sem qualquer intervenção ou controle pelo Poder Público, que, tão somente, será informado da aquisição.

“Trata-se de um expressivo arsenal. Sem qualquer justificativa específica”, critica a PFDC e a Câmara sobre Sistema Prisional, ao alertarem para o fato de que as munições no Brasil não são marcadas ou identificadas, o que impede rastrear o destino que recebem após a aquisição.

Para os órgãos do Ministério Público Federal, diante dessa configuração, a alteração no regime de posse e uso de armas de fogo pretendida pelo governo deveria ter sido submetida ao Congresso Nacional através de um projeto de lei, pois não se trata de matéria meramente regulamentar, mas sim de alteração de uma política pública legislada.

“No caso, o Poder Executivo não promoveu discussão transparente e plural sobre sua convicção de que armar os cidadãos possa gerar efeitos benéficos à segurança pública e tampouco apresentou qualquer fundamento para essa opção. A situação reclama o afastamento do ordenamento jurídico, por ato do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário, de todo esse conjunto normativo, com o retorno à vigência do Decreto 5.123/04, com as alterações promovidas até 14 de janeiro de 2019”, defende a Nota Técnica.

*Do Ministério Público Federal

 

Promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro, os decretos do governo que flexibilizaram o porte de armas voltam ao debate na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) na quarta-feira (12) quando serão lidos os votos em separado (relatórios contrários ao que apresentou o relator) dos senadores Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) e Fabiano Contarato (Rede-ES). Eles defendem a aprovação dos projetos de decreto legislativo que suspendem os efeitos dos decretos sobre armas. Em seguida, os PDLs 233, 235, 238, 286, 287 e 322 de 2019 deverão ser colocados em votação.

Os votos em separado serão transformados em parecer da CCJ caso o relatório do senador Marcos do Val (Cidadania-ES) seja rejeitado. O senador é contrário aos PDLs por achar que o decreto do governo é legal. Na quinta-feira (5), a votação do relatório de Marcos do Val foi adiado por um pedido de vista coletiva.

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Durante a reunião, senadores favoráveis ao decreto de Bolsonaro tentaram aprovar requerimentos para a realização de audiências públicas sobre o tema, o que adiaria a votação por mais tempo, mas os pedidos foram rejeitados por 16 votos a 4.

LGBTfobia

Outra questão que pode ser resolvida em definitivo pela CCJ na quarta-feira (12) é a criminalização da LGBTfobia (preconceito contra homossexuais e transsexuais, entre outros grupos que não se definem heterossexuais). O PL 672/2019, que inclui na Lei do Racismo (Lei 7.716, de 1989) a discriminação por orientação sexual ou de identidade de gênero foi aprovado em 22 de março, mas, por ser um substitutivo, precisa passar por turno suplementar de votação.

Depois da aprovação do relatório do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), favorável ao projeto, três senadores apresentaram emendas para alterar o texto sob o argumento de preservar a liberdade religiosa e de expressão.

Uma das emendas, apresentada pela senadora Juíza Selma (PSL-MT), retira do projeto o trecho que previa punição para quem “impedir ou restringir manifestação razoável de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público, ressalvados os templos religiosos.”

Outra emenda, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), estabelece que a criminalização da LGBTfobia “não se aplica às condutas praticadas no exercício da liberdade de consciência e de crença”.

Já o senador Marcos Rogério (DEM-RO) sugere em uma terceira emenda que “não constitui crime a manifestação de opinião de qualquer natureza e por quaisquer meios sobre questões relacionadas a orientação sexual ou identidade de gênero, sendo garantida a liberdade de consciência e de crença, de convicção filosófica ou política e as expressões intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação.”

O relator pode rejeitar as emendas, acatar integralmente ou parcialmente as sugestões. A proposta estará na pauta da CCJ um dia antes de o Plenário do STF retomar o julgamento de duas ações que pedem para equiparar atos de preconceito contra pessoas LGBT ao crime de racismo.

Perda de mandato

Outro projeto que esteve na pauta da reunião do dia 5 e que volta à análise dos senadores na CCJ é a PEC 36/2017, do senador Romário (Pode-RJ), que institui a perda automática de mandatos parlamentares nos casos de condenação por crimes que estejam previstos na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 2010).

Esses atos estão elencados na Lei da Ficha Limpa e incluem lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, formação de quadrilha, estupro, trabalho análogo à escravidão, abuso de autoridade, crimes contra a vida, entre outros.

Caso a condenação se der por causa de crimes não listados na Lei da Ficha Limpa — ou seja, que não provoquem a inelegibilidade — a perda do mandato continua submetida à decisão dos Plenários da Câmara dos Deputados ou do Senado.

O relator, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), leu seu parecer favorável na reunião da última quarta-feira (5), mas um pedido de vista adiou a votação.

*Da Agência Senado

 

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