Um tribunal de Novo Brandeburgo, leste da Alemanha, começou a julgar nesta segunda-feira, à revelia, o ex-enfermeiro de Auschwitz Hubert Zafke, 95 anos, que estava no campo de extermínio quando o comboio de Anne Frank chegou.
A audiência começou na ausência de Zafke. Um especialista médico concluiu no domingo que ele "tinha pensamentos suicidas" e advertiu para possíveis "reações de estresse e hipertensão", razão pela qual não estava em condições de comparecer ao tribunal.
A acusação pediu uma nova avaliação de seu estado de saúde e a audiência foi suspensa pouco depois, após um diálogo tenso com o presidente do tribunal, acusado pela parte civil de parcialidade.
A principal incógnita do julgamento é a saúde do acusado. Em um primeiro momento o tribunal considerou que não podia ser julgado, mas a decisão foi anulada em apelação.
Zafke, um antigo membro das SS, é acusado de cumplicidade no extermínio de ao menos 3.681 homens, mulheres e crianças judeus que morreram nas câmaras de gás ao chegar a Auschwitz, entre 15 de agosto e 14 de setembro. Enfrenta uma pena de entre 3 e 15 anos de prisão, uma condenação principalmente simbólica levando-se em conta sua idade avançada.
A acusação compreende a chegada de 14 comboios de deportados que desembarcaram em Auschwitz procedentes de Lyon, Rodas, Trieste, Mauthausen, Viena e Westerbork, um campo de trânsito na Holanda onde estavam Anne Frank, seus pais Otto e Edith e sua irmã Margot.
A família da adolescente - que passou dois anos trancada em uma casa de Amsterdã para se esconder dos nazistas e cujo diário é famoso em todo o mundo - sobreviveu à "seleção" de Auschwitz entre deportados aptos para trabalhar e os que iam diretamente à câmara de gás.
No entanto, a mãe de Anne, Edith, morreu de cansaço na enfermaria em janeiro de 1945 e suas duas filhas pouco depois, antes da chegada das tropas britânicas.
Saúde precária
O julgamento de Zafke, filho de um agricultor que se alistou nas Waffen SS, um corpo de elite dos nazistas, se focará na questão da saúde do acusado e se está em condições de ser julgado. Zafke chegou a Auschwitz em outubro de 1943 depois de ter combatido no front do Leste em 1941. Em 1942 recebeu uma formação para se unir à unidade de saúde das SS.
Em junho de 2015, o tribunal decidiu que não poderia ser julgado devido ao seu estado de saúde, mas a decisão foi rejeitada em apelação após o relatório de um especialista que afirmou que o acusado tem "fracas capacidades físicas e cognitivas", mas não é "totalmente incapaz".
No entanto, nesta segunda-feira o tribunal presidido pelo juiz Klaus Kabisch quer examinar novamente a questão. A acusação civil acusa de parcialidade o juiz e pediu sua suspeição, assim como a promotoria, algo excepcional. Finalmente, a demanda de recusa do juiz e de seus dois assistentes foi rejeitada em 18 de fevereiro.
O caso Zafke forma parte da dezena de julgamentos ainda em andamento contra antigos membros da SS. Há alguns meses Oskar Groning, ex-contador de Auschwitz, foi condenado a quatro anos de prisão. Desde 11 de fevereiro, Reinhold Hanning, um ex-guarda do mesmo campo de 94 anos, está sendo julgado em Detmold (oeste).
"Este julgamento demonstra que a justiça às vezes precisa de muito tempo para encontrar seu caminho", disse à AFP Christoph Heubner, vice-presidente executivo do Comitê Internacional de Auschwitz.
"O julgamento chega com décadas de atraso porque durante décadas a justiça alemã não perseguiu o suficiente os crimes de Auschwitz", acrescentou.
Hubert Zafke, defendido por Peter-Michael Diestel, o último ministro do Interior da RDA, que agora se tornou advogado, vive desde 1951 perto de Novo Brandeburgo, onde teve quatro filhos.