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Em meio ao isolamento social para conter a propagação do coronavírus (Covid-19), grupos teatrais têm buscado diferentes maneiras de levar suas obras para o público. Algumas companhias se adaptaram à nova realidade e passaram produzir espetáculos em foramato digital por meio da plataforma Zoom, e essa transformação trouxe novas experiências tanto para o artista quanto para o espectador.

A princípio, a equipe de Os Satyros, de São Paulo, enfrentou dificuldades para entender a plataforma do Zoom e quais as possibilidades que ela oferece. "Não é uma adaptação de uma peça presencial, é uma criação específica para o ambiente digital", explica o diretor da companhia Rodolfo Vázquez.

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Um dos principais desafios é entender o que é um teatro criado para plataformas digitais, lidar com críticos e conscientizar o público que trata-se de um trabalho artístico. "Não é uma live oferecida de forma gratuita, pois teve um custo de produção e criação, que é importante no processo", destaca Vázquez.

Cena de "Todos os Sonhos do Mundo", da cia. Os Satyros | Foto: André Stefano

Independente do meio, a importância do ensaio estará sempre presente na execução das peças, e os envolvidos só vão precisar acostumar-se com uma nova tecnologia. "É como se precisássemos adaptar um espetáculo feito para um palco italiano para uma arena, sabe?", comenta o idealizador do  coletivo carioca Pandêmica, Juracy de Oliveira.

O coletivo enfrenta dificuldades em relação a conexão com a internet, que muitas vezes atrapalhava os ensaios do grupo. "Na experiência em '12 Pessoas com Raiva', por exemplo, temos 12 atrizes e atores de diversas partes do país juntos em cena e, às vezes, a conexão de alguém trava e logo precisamos solucionar", relembra Oliveira.

Aprendizados oferecidos pela experiência

No ambiente digital, além dos atores terem a possibilidade de trabalhar com aspectos que eles não exploram no presencial, é possível atingir uma quantidade maior de pessoas, pois o espaço virtual é maior se comparado ao do teatro físico. "Tivemos muitos relatos de pessoas que assistiram os espetáculos pelo Brasil inteiro, pessoas que sonhavam em ver trabalhos do Satyros e graças ao online eles conseguiram assistir", conta Vázquez.

Com o teatro no formato online é possível unir artistas e públicos de todo o Brasil, sem se preocupar com uma barreira geográfica. "É como se estivéssemos 'vencendo' toda essa sujeira que assola nosso país", diz Oliveira.

Cena de "12 Pessoas com Raiva", do coletivo Pandêmica | Foto: Divulgação

O ator, bailarino, figurinista e estudante de direção teatral Vinicius Andrade, 28 anos, do Rio de Janeiro, não acreditava que uma peça de teatro via Zoom poderia funcionar e mesmo com essa descrença foi assistir "12 Pessoas com Raiva" do Pandêmica. "Foi aí que eu percebi, era teatro o que estava acontecendo ali, não era filme, não era série, não era novela, era ao vivo, com tudo que poderia acontecer em uma cena realizada num palco. Neste momento, eu fui arrebatado", declara Andrade. "Eu fiquei tão dentro da experiência que eu acabei a peça chorando, o que não costuma acontecer muito quando vou ao teatro", complementa.

Outra que compartilha a experiência com o formato digital é a psicóloga Ana Paula de Queiroz, 53 anos, do Rio de Janeiro, que sempre considerou importante os elementos presenciais do teatro, como plateia, palco e o contato com os atores. "Aos poucos eu fui me encantando com a maneira de como os atores se reinventaram. Eu ficava torcendo para que a conexão com a internet ficasse do lado deles e o resultado foi uma experiência muito diferente. Fiquei emocionada", descreve Ana que, desde então, procura por mais obras teatrais no modelo digital.

A mágica que o grupo dos Satyros fez para transformar a Praça Roosevelt e faz, há 25 anos, no palco, também deve se aplicar ao tempo. Segundo Ivam Cabral, um dos diretores da companhia, a equipe do festival Satyrianas armou, em menos de 60 dias, o evento que ocupa 43 lugares (na Praça Roosevelt e região) com 602 apresentações (ante 500 do ano passado). Na 16.ª edição das Satyrianas, que começa às 18h desta quinta-feira, 20, e vai até 23h59 de domingo, 23, o tempo é o mesmo de sempre: são 78 horas praticamente ininterruptas de atividades culturais, agora com mais atrações.

Segundo o coordenador geral do evento, Gustavo Ferreira, a ideia deste ano é manter a diversidade de linguagens, aproximando algumas que não estavam muito presentes em outras edições. "Queríamos trazer mais performance. Para isso, temos a curadoria de Beth e Marcus Lopes, que pesquisam a área e investigam novas tecnologias." Essas atrações vão se concentrar no novo Estação Satyros - o prédio onde funcionava o Espaço dos Satyros 2, que está em reforma. O local será provisoriamente reaberto apenas para as Satyrianas. Depois, volta à reforma, que deve ser concluída entre fevereiro e março.

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Entre os destaques dessa vertente está Desiderata, projeto no qual atores do grupo Sensus interpretam textos dentro de uma caixa de vidro, no meio da Roosevelt. Durante a atuação, a caixa é suspensa por uma plataforma, dando ao espectador uma vista aérea do local.

O circo, que teve sua última instalação na Praça em 2009, volta a ganhar destaque. Como o piso da Roosevelt é de concreto, não é possível perfurá-lo para prender a lona, o que faz com que as atividades circenses sejam apresentadas a céu aberto. Com curadoria de Hugo Possolo, Raul Barreto e Elisa Soveral, o espaço tem programação noturna, com números de cabaré. A programação infantil ocorre em uma tenda montada na Praça com espetáculos apresentados durante o dia.

Pela primeira vez, as Satyrianas incluem a gastronomia em sua programação. Além dos bares da Praça, que funcionam normalmente durante o evento, o público terá a Feirinha Gastronômica, que ocorre todo domingo no Butantã e vai até o Centro com pratos de cozinheiros iniciantes e profissionais.

Atrações já tradicionais das Satyrianas continuam na programação. É o caso, por exemplo, do Dramamix, projeto em que dramaturgos e roteiristas são convidados a escrever textos inéditos para o evento, quando ganham encenação dramática (apresentação que fica entre a simples leitura dramática e o espetáculo em si).

A ação acaba sendo um aperitivo do que pode surgir na cena teatral do próximo ano, já que muitos dos textos que passam pelo Dramamix acabam sendo, de fato, montados - foi o que aconteceu, por exemplo, com Eu Cão Eu (Hugo Possolo) e Ilhada em Mim (Gabriela Mellão). Este ano, 35 dramaturgos participam do evento: entre eles, Lauro César Muniz, com Nossa Senhora dos Oprimidos (direção de Fernando Neves), e Walcyr Carrasco, com Jonas e a Baleia (direção de Ney Matogrosso).

Uma tenda de música também vai ser montada na Roosevelt para receber shows como Megatamainho, de Gero Camilo, e Negra - O Show, em que Fernanda D’Umbra interpreta músicas gravadas por negras americanas, como Nina Simone e Ella Fitzgerald.

Como nas edições anteriores, as Satyrianas funcionam no esquema de "ingresso consciente", em que o espectador decide quanto paga por espetáculo. Para Gustavo Ferreira, o sistema tem funcionado cada vez melhor. "Algumas bilheterias se saem bem", diz o coordenador. "É difícil um espetáculo arrecadar menos de R$ 200, o que daria uns R$ 5 por pessoa."

As Satyrianas têm apoio estadual e municipal que, somados, totalizam R$ 90 mil, verba ínfima para o porte do evento. "Ainda que tivéssemos mais dinheiro, seria impossível distribuir cachês com igualdade", diz Rodolfo Vázquez, um dos curadores do evento. "Satyrianas é um evento que nasceu para ser pobre", diverte-se.

Vázquez é otimista em relação ao estrondo que a programação causa no entorno. Ele conta que, em uma edição anterior, ele foi ameaçado via SMS por um morador irritado com o disparo de fogos de artifício. Ele prometeu que não haveria mais fogos, mas não contava que uma peça do Teatro Oficina voltaria a fazer o barulho. "Quando vi Zé Celso com aqueles fogos gritando ‘Evoé! Evoé’, pensei ‘Evoé? Eu vou é pra minha tumba!’", ri. A equipe considera a experiência do ano passado, que transcorreu sem problemas.

A programação completa das Satyrianas pode ser vista em satyrianas.com.br. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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