O aborto inseguro, aquele realizado sem as habilidades necessárias ou em ambiente sem padrões médicos mínimos, não é mais a principal causa de morte materna, mas continua apontado como caso preocupante de saúde pública. Atualmente, é o quarto motivo de morte materna, segundo dados do Ministério da Saúde. As primeiras causas são hipertensão, hemorragias e infecções pós-parto, respectivamente.
O assunto é polêmico e envolve juristas e advogados, políticos, religiosos, entidades de direitos humanos e principalmente a sociedade civil. No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro e quando a gravidez causa risco de vida à mulher. Em qualquer outra circunstância, a mulher que cometer o procedimento pode ser presa.
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Mas a situação não é a mesma em países como Albania, Argélia, Austrália, Bélgica, Benin, Botsuana, Bulgária, Burkina Faso, Camboja, Canadá, Chade, República Theca, Etiópia, França entre outros. Na Suíça, onde o aborto não é criminalizado, por vezes é até legalizado.
Em 2010, um estudo realizado pela Universidade de Brasília (UnB) mostrou que naquele ano foram registradas mais de 220 mil internações por aborto – 23 mil delas só na Bahia e mais de 6 mil em Salvador, gerando um gasto superior a 42 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS) do País.
Custos financeiros e psicológicos
Segundo informações da direção da maternidade Tsylla Balbino, 30% das internações na instituição são por abortos, espontâneos ou induzidos. Essas pacientes ficam internadas de dois a três dias, sob o custo diário de R$ 120,00. Anualmente, esse valor chega a R$ 561.600.
Ainda assim, com números tão altos, os maiores prejuízos talvez nem sejam financeiros, mas sim, psicológicos. A estudante universitária Maria (nome fictício), de 21 anos, moradora da cidade de Salvador, conta que há três anos fez um aborto, tinha acabado de perder a virgindade, seu namorado nunca se preocupou em evitar a gravidez, ela também não. “Foi logo no início do namoro, eu era sexualmente inexperiente, resolvi abortar por não ter planejado a gravidez. Não tínhamos condições nenhuma de criar um filho, eu tinha outros planos, queria estudar, trabalhar, não me arrependo”, conta a jovem.
Maria ainda conta que uma amiga conseguiu um remédio com outra colega e, em meio ao desespero, nem pensou, resolveu usar. “Usei três remédios, o Citotec, um oral e dois injetáveis no canal vaginal, a injeção foi através de uma seringa, eu mesma fiz, sozinha, a menina que vendeu ensinou a amassar o remédio e misturar com pomada vaginal, amanheci o dia acordada, senti fortes contrações, cólicas, nunca senti tanta dor na vida”, diz a jovem.
A jovem, que hoje cursa Gastronomia, se diz a favor da legalização e diz que o aborto ainda não foi legalizado no Brasil por questões puramente religiosas e culturais. “É uma questão religiosa, porque acreditam que abortar é tirar a vida de um ser, sem pensar no quanto pode ser difícil a vida de uma criança que não foi planejada ainda mais se os pais forem jovens e pobres. E cultural, porque vivemos numa sociedade impregnada de tabus, as pessoas não gostam nem de discutir o assunto porque ficam com medo de estarem incentivando uma coisa ruim, sem levar em consideração o quanto evitariam situações muito mais difíceis, complicadas para a vida da criança e da mãe”, explica.
Uma pesquisa domiciliar realizada pelo CENSO de 2008 mostrou que 6% de mulheres com idades entre 18 e 19 anos já abortaram. Esse número pula para 22% entre mulheres de 35 a 39 anos. Maria fala com bastante naturalidade que conhece várias outras mulheres - jovens e adultas - que também abortaram. “Me senti um monstro no início com tanta pressão psicológica, sempre achei que as outras pessoas não seriam 'covardes' pra fazer isso (abortar), mas quando contei minha experiência a outras meninas, descobri que muitas já passaram por isso e as meninas que não viveram essa situação, agiriam da mesma forma. O problema é que quem sofre mais, tanto na saúde quanto no emocional, são as mais pobres. Tenho uma amiga que fez, pagou R$ 3 mil reais em uma clínica, vive sem traumas (fala rindo), quando eu fiz gastei R$ 50 reais e foi traumático”.
Iperba realiza procedimentos autorizados pela Justiça
Na Bahia, o único hospital autorizado a realizar abortos nos casos em que ele é permitido judicialmente, como em risco de morte à mãe e vítimas de estupro, é o Instituto de Perinatalogia da Bahia (Iperba), localizado no bairro da Brotas, que vem desempenhando esses procedimentos a quatro anos.
A maternidade tem em média 18% das suas internações e 30% dos leitos para casos de aborto. Na área destinada ao pré-parto existem quatro leitos ocupados por pacientes que passaram por algum tipo de procedimento abortivo, a maioria induzidos através do uso da substância misoprostol (popularmente conhecido como Citotec).
Movimento pela legalização
Para a feminista e estudante de Filosofia na Uiversidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Carla Oliveira, 22, moradora da cidade de Amargosa, interior do estado, e participante do evento de Contra Cultura Feminista Vulva La Vida, a questão do aborto precisa ser discutida politicamente no Senado e na Câmara por se tratar de um problema de saúde pública. “Os índices de mulheres que praticam abortos no Brasil são altos, configurando o aborto no Brasil como um caso não isolado. Ademais, a prática abortiva tem um recorte de classe e de raça, porque quem morre vítima de aborto inseguro são mulheres, em sua maioria pobres e negras", reflete a estudante, "projetos de lei favoráveis à causa sempre são embargados por influência da moral religiosa, notadamente cristã, a laicidade do estado é uma abstração”, conclui.