Tópicos | Aplicativo de transporte

Até o início deste ano, quando pensávamos em aplicativos de transporte particular, nossas preocupações eram voltadas para o valor da fatura no final do mês ou, quando muito, se o motorista que vinha ao nosso encontro era bem avaliado ou não. Com a chegada da Covid-19 ao Brasil, pequenos e grandes hábitos precisaram ser repensados, adaptados e, mesmo que temporariamente, extintos. Bares e restaurantes fecharam, para conter o risco de contaminação, reuniões sociais passaram a acontecer virtualmente e a preocupação com o inimigo invisível passou a dominar não apenas os noticiários, como também a cabeça da grande maioria dos brasileiros. 

Não é para menos. No mês de agosto, o Brasil bateu a marca das 100 mil mortes por Covid-19, doença que começou a se espalhar por aqui em março deste ano. Nesses cinco meses, sair de casa passou a ser um desafio que envolve coragem e passadas meticulosas de álcool em gel 70%, ao menor toque em uma superfície diferente. Para quem tem o privilégio de não precisar do transporte público, os automóveis particulares parecem a opção ideal. Porém, como se sentir seguro em um carro desconhecido e que transporta dezenas de pessoas diferentes por dia?

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“Nossa preocupação principal, desde o início, foi com a segurança das pessoas”, afirma Eduardo Roithmann, gerente de operações da 99, uma das principais empresas que oferecem serviço de transporte particular em Recife. Ele explica que, antes de todas as medidas de higiene serem implementadas, o grupo, que pertence a empresa global DiDi Chuxing, criou um fundo para ajudar colaboradores que estivessem com suspeita de Covid-19 e precisassem se afastar do trabalho. A companhia ainda procurou orientar usuários e colaboradores com informações oriundas de órgãos oficiais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS).

“No primeiro momento, o que a gente podia fazer era mandar mensagens para os nossos passageiros e motoristas dando orientações que tinham embasamento nas orientações da OMS e do Ministério da Saúde. Com o tempo fomos adaptando as nossas tecnologias para criar, por exemplo, o reconhecimento facial em relação à máscara. A gente vai evoluindo e está construindo coisas porque ainda estamos em situação difícil e a gente entende o nosso papel na sociedade”, diz. 

Assim como a 99, a Uber - que também opera em alta demanda na capital pernambucana, procurou estabelecer, em um primeiro momento, um fundo de apoio e mensagens de conscientização para motoristas e passageiros. Além disso, suspendeu serviços como o Uber Juntos, que permitia o compartilhamento de viagens entre passageiros desconhecidos, patinetes, e passou a oferecer um reembolso para itens como álcool em gel e máscaras.

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Segurança para quem dirige, existe?

O montador de móveis Pedro Guedes dirige para as duas empresas diariamente e afirma que, apesar de um início de medidas lento, tanto a Uber quanto a 99, tem tido a preocupação de instruir os motoristas a respeito dos cuidados na quarentena. “Antes do lockdown eles fizeram o básico, falaram para a gente evitar ar condicionado, manter o vidro aberto. Mas depois, falaram sobre o número de pessoas no veículo, não colocar ninguém na frente, essas coisas”, contou.

Ele confirma que ambas as gigantes custeiam os gastos com materiais de limpeza como luvas, máscaras e álcool em gel e, desde agosto, começaram a incentivar a aplicação do vidro de proteção que separa o motorista e o passageiro. Para ele, no entanto, o problema tem sido quem solicita as corridas, clientes que insistem em desrespeitar regras de proteção.

“A grande maioria das pessoas que eu pego alega que não recebeu as mensagens de orientação, mas eu tenho o aplicativo de passageiro e mostro que tá lá”, explica. Mesmo assim, Pedro reclama que, como não há como fiscalizar 'de perto', muita gente tenta burlar o limite de ocupantes do veículo e poucos são os que cobram medidas de distanciamento. 

Em maio, o motorista foi infectado pelo novo coronavírus e precisou se distanciar das atividades para cumprir o isolamento necessário ao tratamento da doença. “A Uber mandou mensagem dizendo que 'a gente vai dar suporte à vocês, auxílio financeiro, caso vocês peguem Covid-19 e se for o caso a gente paga até o tratamento no médico', mas eles queriam que informasse”, explicou, e conta que o tratamento das duas companhias com a notícia da doença foi diferente.

“Informei a Uber que tinha pego a Covid e eles passaram três dias para verificar meu atestado, então, bloquearam minha conta por 14 dias, mas me deram o equivalente a 14 dias rodados”, conta. Com a 99 o suporte oferecido foi apenas em caso de internação. “Eles perguntaram se era caso de internação, se fosse, eles pagariam as despesas médicas, mas não era o meu caso. Como eu fiquei em casa não tive verba nenhuma. O fundo de R$ 10 milhões não é para pagar a gente em dinheiro é para pagar os custos. Levar ao médico, se precisar ficar internado, etc. Mas a maior preocupação que eu tinha era justamente os boletos”, diz. 

De janelas abertas e temor no peito

A preocupação do montador é a mesma de milhares de brasileiros. Apesar da recomendação principal da Organização Mundial de Saúde e das Secretarias de Saúde nos Estados ser para que a população fique em casa, muita gente precisou e ainda precisa trabalhar ou resolver burocracias presencialmente. Pagar boletos, fazer a feira, ir ao médico, são atividades que não puderam ser suspensas para todos. Ficar em casa é privilégio de alguns e sair, usando aplicativos de transporte como opção de deslocamento, de outros.

É o caso da assessora jurídica Rafaela Clericuzi, que precisou se locomover pela Região Metropolitana do Recife (RMR), mesmo durante o isolamento social. Ela optou por utilizar o transporte particular por considerá-lo mais seguro. Mesmo assim, o medo de se contaminar com a Covid-19, a deixava alerta em toda viagem. “Eu achava que podia [me contaminar] sim, principalmente quando eu colocava o cinto de segurança, mas tentava tomar as medidas necessárias, usando máscara e usando álcool em gel antes de entrar no carro, além de não ir conversando com o motorista, deixando as janelas abertas”, afirma.

Usuária principalmente dos serviços da Uber, ela confessa não ter visto nenhuma ação prática, como distribuição de kits para os colaboradores, mas afirma que, apesar disso, tem achado os motoristas bastante cuidadosos durante as viagens. “Não sei se a Uber passou alguma informação para eles, mas achei que os motoristas estavam bem conscientes. Sempre estavam de máscara, alguns com álcool no carro e sempre abriam as janelas assim que eu entrava”, afirma. 

De acordo com o relato de Pedro, Rafaela faz parte de um grupo pequeno de passageiros que se atenta às medidas de prevenção para não só sair ileso do risco de contaminação, mas também deixar em segurança quem precisa permanecer no transporte. As medidas tomadas por ela estão nas orientações passadas pelas empresas de transporte particular atraves dos aplicativos e devem continuar sendo seguidas, mesmo com a retomada gradual das atividades.

Para quem se preocupa com a volta da "normalidade", nem a Uber, nem a 99 intencionam diminuir as medidas de prevenção no combate ao novo coronavírus. Eduardo Roithmann, gerente de operações da 99, afirma que o momento ainda não é de desacelerar os cuidados ou retomar as atividades totalmente. “A gente quer que as pessoas fiquem em casa, mas se precisarem sair, que façam isso com segurança”.

Motoristas da 99 podem colocar escudos para aumentar a proteção contra o novo coronavírus. Foto: Rafael Bandeira/LeiajaImagens

O que dizem os especialistas

Coordenador de Clínica Médica do Hospital Miguel Arraes e um dos profissionais que ajudaram a montar o protocolo de saúde da casa, o clínico geral Fábio Queiroga acredita que a chave para proteção contra o novo coronavírus está na prevenção. “O uso da máscara parece realmente estar fazendo com que a pandemia diminua o número de infectados e a gravidade da doença. Ele diminui a carga viral que chega ao paciente”, explica o médico.

Queiroga aponta para a utilização do item, obrigatório no Estado, como um dos motivos para o recuo da enfermidade e alerta que, se você precisar tossir ou espirrar, deve fazer isso com o objeto cobrindo o rosto, principalmente dentro de veículos de transporte. "Carro é um local muito confinado. O vidro tem que estar aberto ou vira um elevador. Imagine uma pessoa espirrar em um elevador. O vírus se espalha por ali”, comenta.

Sobre as medidas tomadas pelas representantes dos aplicativos de transporte, Queiroga reconhece que muitas delas formam, sim, barreiras para a disseminação do vírus. O uso obrigatório da máscara, o limite de passageiros e o álcool 70% são verdadeiros aliados durantes as viagens. “Mas o que vai ser fundamental é a limpeza das mãos, o uso de máscaras e estar sempre higienizando onde se pega”, alerta. 

Ele reforça que o cenário ideal seria o condutor conseguir higienizar o veículo a cada passageiro. “Se ele conseguisse fazer o mínimo de higienização, seria uma segurança a mais”, diz. “Apesar dos números estarem diminuindo, a pandemia ainda não acabou. Ainda é o momento de ter cautela”, finaliza.

Os aplicativos de transporte já fazem parte da vida dos brasileiros. Porém, alguns idosos ainda encontram dificuldades para lidar com as ferramentas que permitem solicitar um motorista. Pensando em uma maneira de ajudá-los, os irmãos Victória Abdelnur Barboza, 27 anos, e Gabriel Abdelnur Barboza, 30 anos, desenvolveram o "Eu Vô", serviço voltado para as necessidades do público da terceira idade.

A inspiração para o aplicativo veio como uma possível solução para as dificuldades de mobilidade da mãe deles, que há 27 anos é portadora de esclerose múltipla. Assim, os irmãos pensaram que a ferramenta poderia beneficiar mais pessoas nas mesas condições. "Percebemos que a população acima de 60 anos no Brasil está envelhecendo e faltam produtos e serviços para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Com isso, vimos que além de pessoas como a nossa mãe poderíamos auxiliar também o mercado 60+", conta Victória.

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Em julho de 2017, os irmãos começaram a realizar o transporte de idosos em São Carlos, interior de São Paulo, cidade onde moram. Segundo Victória, eles queriam saber se a demanda existia ou se era apenas pessoal.

No começo de novembro, o aplicativo chegou na capital paulista. Ao todo, o "Eu Vô" já possui mais de 4,5 mil passageiros cadastrados e 2,4 mil motoristas cadastrados que ainda passarão por treinamento, além dos que já estão em circulação. "Nos preocupamos com a segurança e autonomia dos nossos passageiros e familiares, por isso todo motorista acompanhante parceiro do 'Eu Vô' passa por um treinamento para aprender a lidar com o nosso público. Não é apenas levar e sim prestar um serviço de porta a porta, podendo também acompanhar nas atividades", explica Victória.

O "Eu Vô" possui alguns diferencias dos demais aplicativos de transporte, como a opção de acompanhamento durante toda a atividade, principalmente para idosos com mobilidade reduzida. "Estamos com um nível de satisfação acima de 85%. Não tem nada mais prazeroso do que receber feedbacks positivos, e é isso que nos move, impactar pessoas que buscam segurança e autonomia", conclui Victória.

O aplicativo está disponível para sistemas Android e IOS.

Depois de sofrer assédio de um motorista de aplicativo, Gabryella Corrêa criou seu próprio aplicativo de transporte, o Lady Driver, que só aceita motoristas do sexo feminino e atende exclusivamente mulheres. 

O Lady Driver foi oficialmente criado no dia 8 de março de 2017, dia internacional da mulher, com 1,8 mil motoristas. Hoje, tem mais de 35 mil motoristas cadastradas na região metropolitana de São Paulo e também no Rio de Janeiro. Foi considerado pelo jornal  britânico Financial Times o maior aplicativo feminino do mundo e também foi indicado ao “Prêmio Cláudia 2018”, que destaca mulheres que fazem a diferença em diversas áreas.

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Gabryella começou a trabalhar aos 15 anos de idade, ajudando o pai que era dono de uma oficina, autopeças e transportadora. "Eu já trabalhei no setor automotivo há 15 anos, então eu sempre tive que lidar muito com homens no trabalho, mas nunca me intimidei com isso, sempre busquei o meu lugar, mostrei que a mulher tem lugar em profissões que são consideradas masculinas, seja no transporte, tecnologia, entre outros. Quando a gente faz um trabalho bem feito, conseguimos conquistar nosso espaço", afirma.

Para as mulheres que trabalham como motoristas, o aplicativo acabou se tornando uma fonte de renda e uma opção para driblar o desemprego. É o caso de Renata Magnus da Silva Figueiredo, 33 anos.  Formada em administração de empresas, ela não conseguia emprego e começou a trabalhar como motorista de aplicativos, há aproximadamente um ano. "Eu sempre gostei muito de dirigir, tenho habilitação AB e eu já tinha pensado em trabalhar nesse segmento mas tinha medo. Quando eu descobri Lady Driver em uma propaganda eu decidi trabalhar e tentar algo diferente”, conta.

Além disso, as condutoras se sentem mais seguras lidando só com mulheres. Norma Bernardo Brito dos Santos, 54 anos, é motorista há dois anos e trabalha com outros dois aplicativos de transporte, mas prefere trabalhar com o Lady. "Trabalhar com mulher é bem melhor, é mais confortável, as tarifas do aplicativos também são melhores pra mim. A melhor coisa que apareceu no mercado foi o Lady, pelo menos para as mulheres”, diz.

Para as clientes, a sensação de segurança é um diferencial importante. A arte-educadora Nathalia Bevilacqua Aguiar, 30 anos, já utiliza o aplicativo há um ano e se sente mais segura usando o Lady Driver. "Como mulher, estou cansada de ouvir casos de assédios e abusos de motoristas homens de aplicativos. Também o fato de ser uma iniciativa feminina me levou a incentivar o projeto”, explica.

Porém nem tudo são rosas e as usuárias esbarram em dificuldades, como a escassez de veículos para atender a demanda. "É difícil encontrar motoristas fora do centro expandido de São Paulo, mas ainda tento, apesar de ter que usar outros aplicativos algumas vezes", conta Nathalia. 

A criadora do Lady Driver confirma que ainda não há motoristas em algumas regiões da cidade. "A gente tem uma grande concentração de motoristas na parte central de São Paulo. Como o serviço está crescendo a cada dia, na área que estamos atendendo, que é o centro expandido da cidade, é muito rápido para encontrar uma motorista disponível. Acredito que a questão da falta de motoristas em outras regiões é porque ainda não tem o serviço e elas gostariam que tivessem para poder atendê-las”, avalia.

 

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