A Polícia Federal afirmou em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o Ministério Público, ao deter a exclusividade sobre os acordos de delação premiada, atua como investigador, acusador e julgador. Segundo o despacho, para os delegados da PF, a colaboração é "apenas uma técnica operacional destinada a acelerar os caminhos da investigação policial", enquanto o MP faz um "atalho entre o fato e a condenação".
O documento de 39 páginas é subscrito pelos delegados Élzio Vicente da Silva, superintendente da Polícia Federal em Brasília, e Denisse Dias Rosas Ribeiro, chefe do Núcleo de Inteligência da regional. As duas páginas iniciais, no entanto, são assinadas pelo diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello.
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O parecer obtido pela reportagem foi enviado ao ministro Marco Aurélio Mello em 8 de setembro e apresenta um modelo de termo de colaboração adotado pela PF. A manifestação foi anexada ao processo que tramita no Supremo que vai decidir se é constitucional a PF fechar delações premiadas ou não.
Na manifestação, Daiello afirmou a Marco Aurélio que "a Polícia Federal apenas usa a colaboração do investigado para fomentar a obtenção de provas, no interesse da investigação em curso ou a se iniciar". "Nos acordos firmados pela Polícia Federal, não há intromissão na esfera de atribuições ou competências de qualquer instituição", afirmou o diretor-geral.
Silva e Denise são responsáveis pelo posicionamento técnico do parecer e detalham no documento procedimentos da PF ao fechar acordos de colaboração. O texto cita negociação prévia, condições propostas, possibilidade de recurso, formalização, benefícios ofertados, concessão e resultados da delação.
Discrepância
Para os delegados, o entendimento sobre colaboração premiada entre a Polícia Federal e o Ministério Público são distintos. O texto da PF aponta "discrepância" entre o que cada um compreende sobre delações.
Segundo o relatório da PF, o MP incorpora no sistema de Justiça brasileiro modelos de outros países para fechar acordos. "O Ministério Público atua importando modelos que (ainda) não estariam amparados em nosso ordenamento jurídico (como por exemplo: o americano, de plena negociação do órgão acusador com o investigado e sua defesa; ou o italiano, em que o MP é uma magistratura), estabelecendo antecipadamente as penas, condições de cumprimento, multas, em contrapartida à delação de fatos, pessoas e circunstâncias", diz o texto.
Ao adotar esses modelos, de acordo com o parecer dos delegados, "uma única instituição (o Ministério Público) deteria todos os papéis do sistema de persecução criminal, atuando como investigador (obtenção de material destinado a provar determinado fato), como acusador (titular da ação penal) e julgador (estabelecendo penas e multas vinculantes do juízo), desequilibrando a balança da paridade de armas".
Ação
Uma ação que tramita no STF questiona dispositivos da Lei das Organizações Criminosas, de 2013, que atribuem a delegados de polícia competência para propor acordos de colaboração premiada.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que, como cabe à própria instituição fazer a denúncia, só ela poderia efetuar a colaboração.
Em abril do ano passado, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou à Corte máxima uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5508) questionando a Lei das Organizações Criminosas - que autoriza delegados de polícia a negociar acordos de colaboração. O procurador-geral sustentou ao Supremo que a legitimidade é privativa do Ministério Público. O caso está à espera de análise dos ministros no plenário do STF.
Enquanto o Supremo não julga a ADI, a Polícia Federal tem feito acordos de delação, sem a participação do Ministério Público Federal.
Neste ano, fechou colaboração com o operador do mensalão Marcos Valério e com o marqueteiro Duda Mendonça. O acordo de Duda está no gabinete do ministro do STF Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato na Corte, que só deve deliberar o caso após o plenário decidir sobre o assunto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.