Eleito com 2007 votos em Olinda, Vinicius Castello (PT), de 27 anos, é o primeiro vereador LGBTQIA+ a ocupar uma vaga na Casa Legislativa e se mostra como uma forte liderança política que vem movimentando não apenas a Câmara de Vereadores, mas também a própria Marim dos Caetés. Além de vereador, ele é ativista em direitos humanos, advogado, vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados de Pernambuco (CIR-OAB/PE) e coordenador do Quilombo Marielle Franco, um coletivo de estudantes negras e negros da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Ele também é o primeiro parlamentar a proibir homenagens a escravocratas e ditadores em todo o Brasil e coleciona, até este primeiro um ano e meio de mandato, o título de parlamentar que mais aprovou leis antirracistas em Pernambuco.
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Ao LeiaJá, o vereador contou que não trabalha com “pautas específicas”, mas que é pautado pelas “subjetividades humanas na área dos direitos humanos”. “Temos a pauta periférica, LGBT, que me perpassa como ser humano. Eu gosto de estar evidente não enquanto figura representativa de determinada área, gosto de ser visto como ativista dos direitos humanos. Gosto que as pessoas consigam entender que o meu corpo está para além de uma discussão racial, e isso me deixa confortável para dizer que o que eu me preparo e defendo são as pautas universais dos direitos humanos”.
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“Acredito que as perspectivas que eu tive dentro da favela conseguem determinar mudanças estruturais que movem toda a sociedade. Com esses olhares, consigo interferir em pautas referentes às mulheres, pessoas com deficiência, LGBT. O mandato o qual ocupo não é de maneira autônoma quanto a voz que se fala. Boto o mandato para discussões coletivas e, a partir desse momento de escuta, é onde me sinto com competência para abordar todas as questões dentro dessa visão de construção coletiva, entendendo que esse espaço é de diálogo e de escuta. Assim, eu consigo entender o instrumento de transformação de demandas coletivas muito complexas, amplas e me coloco na defesa dos direitos humanos para que eu possa interferir em tudo o que envolva os nossos direitos”, disse.
História de vida
Vinicius Castello iniciou na militância dos 15 para os 16 anos, a partir de um curso promovido pelo GTP+ (Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo), e com a luta estudantil ele teve contato com movimentos sociais. “Pude me formar num curso promovido pelo GTP+ que me trouxe várias visões de direitos humanos e de sociedade. Foi um espaço onde tive muito acesso a travestis, transsexuais, e pude entender muitas visões e olhares que ainda não tinha acesso, e também começar a entender sobre a luta coletiva e a sociedade de modo geral. Foi a partir da luta estudantil que pude ter acesso a questões que perpassam a sociedade, e através dos movimentos sociais, que sempre estive muito presente enquanto construção de militância, muito de maneira autônoma, porque sempre preservei a minha autonomia dentro dos espaços por me entender como uma pessoa que interferia tanto como as outras do movimento”.
Coletivo Quilombo Marielle Franco
A criação do Coletivo Quilombo Marielle Franco, um grupo de estudantes negras e negros de acolhimento e aquilombamento para outros estudantes da Unicap é um dos feitos que mais orgulha o petista. “Ele trouxe uma pauta antirracista muito gigante para a Universidade e acredito que se hoje a Unicap, a universidade mais elitista e mais branca de Pernambuco, quiça do Nordeste, tem maior representatividade de pessoas pretas, é muito da interferência que o Quilombo teve nessa construção de diálogo”. Dentre as ações feitas pelo coletivo dentro da universidade, a aquisição de 100 bolsas para pessoas pretas, indígenas e de baixa renda é uma das principais, destaca Castello.
Vinicius Castello conseguiu ocupar a cadeira de vereador de Olinda na primeira eleição que disputou, mesmo sem ser conhecido politicamente. “Mesmo não sendo conhecido no cenário político, consegui, na primeira oportunidade, reunir um grande grupo de pessoas que, de forma consciente, puderam se juntar a mais de dois mil votos para dar apoio a um perfil totalmente diferente aqui na cidade. Conseguimos fazer uma construção e credibilidade que foi construída durante esses anos, e foi a partir disso que conseguimos chegar em conjunto e apoio a todas essas pessoas aqui, na primeira Câmara do Brasil”.
“Uma mudança efetiva na Câmara de Olinda”
Dentre vários projetos de transformação e modificação social no município de Olinda, que sempre foi vista como “conservadora, retrógrada, ultrapassada”, projetos como a mudança do nome social de pessoas trans e travesti, o primeiro Estatuto Étinico de Desigualdade do País e a proibição de nomes escravocratas e de ditadores são feitos na vereança em destaque pelo parlamentar. “São projetos que muito me orgulham porque, apesar de muitas resistências, a gente pôde conseguir aprová-los por unanimidade projetos que não eram vistos como possibilidade real. E tudo isso foi feito a partir de uma construção de diálogo e muito pedagógica com meus pares; são projetos para fazer repensar e trazer uma mensagem de mudança efetiva na Câmara de Olinda, trazendo diálogos impetrados por mim enquanto mandatário, mas acredito que a função que estamos tendo nesta cidade é de humanizar e fazer com que as pessoas consigam enxergar e fazer com que a população não se sinta apagada”.
“É importante fazer refletir o nosso impacto, principalmente porque é um mandato extremamente respeitado pelos outros parlamentares, não temos conflitos, mas acho que o fato dos nossos corpos e pautas serem trazidas nesses espaços trazem mudanças mais importantes”, afirmou.
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De acordo com o vereador, a atual legislatura bateu recorde de emendas orçamentárias. “Essa Câmara não colocava nenhum tipo de emenda para projetos orçamentários, e a gente hoje bate recorde. Se colocassem nove projetos de lei durante toda a legislatura era muito; com projetos que interferem em políticas públicas, acredito que temos mais de 170 protocolados (ao total na Casa). A pauta mudou, a qualidade mudou, o modo que transmitimos para as pessoas mudou, e acredito que isso é muito impacto que trouxemos para a política, que é algo humanista”, observou.
Com o reforço de que locais de poder podem e devem ser ocupados por pessoas pretas, periféricas, LGBTQIA+, deficientes, Castello comentou que o mandato não é “único e exclusivamente sobre a pessoa que encabeça qualquer tipo de projeto”. “É o entendimento mais puro de que qualquer tipo de espaço e poder precisa refletir em pensamento, ideias, vivências, experiências, determinadas situações de que as pessoas com capacidade técnica podem ter a oportunidade de entender e, em conjunto, implementar políticas”.
Não à toa, o mandato do petista é composto por pessoas que representam vários segmentos da sociedade. “Para mim, é um compromisso ter um mandato com equidade de gênero, raça e sexualidade que realmente consiga trazer outros atores que vieram da mesma vivência e realidade que a minha, não na sua totalidade, mas acredito e enxergo que as vivências interferem diretamente para que a gente consiga entender que esse universo é importante, que a gente possa lidar com as limitações que a burguesia traz, com o privilégio. Preciso trazer pessoas reais que vivenciaram e vivenciam, mas respeitando e tentando, de maneira audaciosa, tornar equânime espaços que precisam ser de todas as pessoas”.
Resistência e existência
Com consciência do que o seu corpo representa na Casa Legislativa, o vereador Vinicius Castello se mostra totalmente como deve ser: desamarrado de possíveis tentativas de constrangimento e perseguição. Muito pelo contrário, ele ressalta ter uma boa relação com seus pares, que faz com que ele tenha um bom diálogo e resulta na aprovação por unanimidade de projetos importantes para a cidade e para o mandato.
No entanto, recentemente, o parlamentar foi à tribuna em resposta a “ataques” sofridos na Casa por ser gay, ele disse não se sentir acuado por ser chamado de “travesti, de gay, de lésbica”, e evidenciou: “eu sou bicha mesmo e não estou preocupado com isso, não”.
"Eu não entendo essa necessidade, esse tesão, essa vontade de querer constantemente me evidenciar enquanto uma pessoa LGBT como se eu tivesse vergonha disso ou fosse algo desprezível. Isso acontece porque, eu acredito que quando a direita conservadora nota que existe um parlamentar muito comprometido com a população e o nome dele é espalhado de uma maneira boa em relação a tudo o que se é feito e os trabalhos, a única maneira de me atacar é falando sobre a minha sexualidade”, afirmou.
Na ocasião, que ocorreu no início de abril deste ano, ele relembrou o que disse no seu primeiro discurso na Câmara após tomar posse da cadeira de vereador de Olinda. “Não sei se vocês se recordam, mas eu cheguei a falar no dia do meu primeiro discurso, em alto e bom tom, que eu sei o que o meu corpo acarreta nesses espaços, que eu sei a quem estou defendendo e, principalmente, sei quem são as pessoas que irão se incomodar com a minha presença nesses espaços”, cravou. “E volto a repetir que não devo satisfação para quem tem preconceito e acha que eu tenho que ficar acuado porque estão me chamando de travesti, de gay, de lésbica, de tudo, sabe. Eu fico rindo porque isso não me atinge. Já me atingiu quando eu tinha 16 anos e era um adolescente que não entendia sobre a vida”.
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“Superem isso, estamos em um ano e meio de mandato e ainda tem gente preso na sua ignorância, na sua prepotência, e a única coisa que eu tenho a dizer é que essa bicha vai continuar avançando, essa bicha vai continuar trabalhando e eu não estou preocupado com as caras feias, comentários e qualquer tipo de gente preconceituosa, porque vão continuar me engolindo e eu estou super tranquilo em relação a isso”, assegurou. Ao finalizar seu discurso, o parlamentar fez um apelo “a quem quer cuidar”. “Vá cuidar da sua vida, porque a minha está bem cuidada, consolidada e não vão ser os comentários que vão parar a minha existência e a minha luta”.
A atuação acessível para quem ele representa não acontece apenas no plenário da Câmara, nas propostas e na atuação meramente política, mas também nas redes sociais. Também recentemente ele postou dois stories (publicações que duram apenas 24 horas) no Instagram falando sobre trabalho, militância e diversão como uma forma de trabalho efetivo “eu milito, trabalho, e depois vou rebolar a raba, porque assim a gente consegue reparar dano”. “Não sei se vocês notaram, mas esse ano eu adotei a filosofia de reparação de danos, porque no passado eu estava frenético - não que eu não esteja esse ano -, mas ano passado eu estava demais, era tudo voltado para a militância”.
“Estou aqui trabalhando, aí de noite vou fazer o que? Já vou rebolar a raba. E amanhã? Militância. Depois, sair um pouquinho, tem que ser assim. Tem que mesclar, tem que reparar danos, senão a militância consome (a mente)”, brincou.