É a torcida quem agiganta um clube de futebol. As bandeiras, os gritos, o apoio do primeiro ao último jogo do campeonato. Os campeões são esculpidos pelas arquibancadas. E, claro, o faturamento. Por isso, as arquibancadas devem ser ocupadas principalmente por associados. Mais que fãs, clientes e consumidores. Os dois últimos vencedores do Brasileirão têm dentre as semelhanças um destaque: um programa forte de sócio-torcedor. A mesma característica têm Bayern de Munique-ALE, Barcelona-ESP e Chelsea-ING. Essa relação de títulos e massificação é recíproca. A matemática é simples: quanto melhores os desempenhos, mais sócios, quanto mais sócios, mais estabilidade.
Dentre os 25 clubes com maior número de sócios no mundo, 12 são brasileiros: Corinthians, Palmeiras, Internacional, Grêmio, São Paulo, Cruzeiro, Santos, Flamengo, Atlético-MG, Sport, Fluminense e Bahia. Desses, apenas os baianos não estão na elite da liga nacional e somente as equipes cariocas não estiveram na sequência dos melhores colocados da Série A 2015. Ou seja, o bom desempenho dentro das quatro linhas é crucial para o crescimento fora.
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O clube do Nordeste com maior número de sócios-torcedores é o Sport, com mais de 42 mil. O Leão foi o único representante da região na Série A 2015 e quase se classificou à Libertadores da América. Terminou a temporada na sexta colocação. Vice-presidente de Marketing do Rubro-Negro, Melina Amorim declarou: “Acreditamos que o bom desempenho do time e a campanha lançada ano passado foram os principais motivadores para esse salto no número de sócios. Nosso planejamento prevê a valorização e a ampliação dos benefícios”.
O Sport vem investindo esforços na informatização dos serviços de atendimento aos sócios-torcedores. O clube divide o serviço em quatro planos: Torcedor, Contribuinte Preto, Contribuinte Vermelho e Contribuinte Ouro. A mensalidade do mais básico (primeiro) custa R$ 28,50 e oferece meia-entrada em alguns setores da Ilha do Retiro, prioridade em compra antecipada, participação em sorteios exclusivos e no Programa Por um Futebol Melhor. Entretanto, não libera entrada para todas as dependências do estádio como área social, das piscinas.
Líder no número de associados no Brasil, o Corinthians tem mais de 132 mil torcedores. O clube é o atual campeão brasileiro. Fora de campo, oferece o plano mais barato do cenário nacional, chamado de Minha Paixão, com valor de R$ 9 por mês (R$ 108 ao ano). Dentre os serviços, em relação ao Sport, as diferenças são: nenhum desconto em bilhetes, prioridade máxima na compra de ingressos para jogos a mais de 120 km da Arena e acesso anual do titular (sem o dependente) ao Memorial no Parque São Jorge.
O Corinthians consegue unir quatro fatores: bons desempenhos nas competições disputadas, torcida de massa, competitividade na compra de ingressos e baixo custo. Especialista em Marketing Esportivo, Marcio Flores acredita que a melhor maneira de seduzir o sócio-torcedor é direcionando os serviços para o público-alvo. Pela grande quantidade de corintianos e o número insuficiente de lugares na Arena Corinthians (49.205), se associar torna-se quase um pré-requisito para assistir aos jogos do clube. Simultaneamente, os torcedores se reaproximam do Timão. A média de público em 2016 é de 32.528, mesmo no apertado calendário brasileiro. A média de renda por partida neste ano é de R$ 1.826.493; o total arrecadado já soma R$ 14,6 milhões.
O clube com maior número de sócios no mundo é o alemão Bayern de Munique. De acordo com a última atualização, são 258 mil. O motivo da absurda quantidade segue os mesmos conceitos utilizados pelo Corinthians, mas tem seu diferencial (é o padrão seguido pela maioria dos times europeus): os planos não são diferenciados de acordo com benefícios, mas sim com a idade dos interessados (veja no quadro abaixo a divisão). O valor apresentado é em relação à anuidade do plano, além de que a conversão para a moeda brasileira é apenas uma referência, já que o salário mínimo na Alemanha é €$1.473, cerca de R$ 6 mil, seis vezes maior que o brasileiro. Os serviços propostos pelo clube bávaro são até mais modestos do que alguns times do Brasil. Entretanto, são executados de forma excelente. Inclusive, anualmente é realizado o Jahreshauptversammlung, uma assembleia com todos os associados para apresentar faturamentos, despesas e direcionamento para onde pretende investir.
Estabilidade financeira e iniciativas
Os programas de sócios-torcedores estão entre os principais responsáveis pela estabilidade financeira dos clubes atualmente. Apenas em 2015, de acordo com o Movimento Por um Futebol Melhor (MPFM), ocorreram 300 mil adesões e foram movimentados R$ 400 milhões. No início de 2013, quando a ação iniciou, o valor arrecadado somava R$57 milhões. Um dos clubes participantes que mais aumentou a quantidade de associados no período foi o Cruzeiro.
Em 2011, a Raposa se livrou do rebaixamento à Série B por apenas dois pontos. Em 2013, quando iniciou o MPFM, o clube fez grandes investimentos e chegou a se reforçar com o meia-atacante Júlio Baptista, que estava no Málaga e havia marcado 14 gols em 33 jogos. O jogador chegou ao Mineirão em um carro-forte e foi apresentado pela diretoria como resultado do programa Sócio do Futebol. Foram 40 contratações para a temporada, incluindo: o zagueiro Dedé (R$ 14 milhões), o atacante Willian (R$ 10,5 milhões), o zagueiro Manoel (R$ 7,5 milhões) e o atacante Dagoberto (R$ 7 milhões). No final do ano, a equipe comandada por Marcelo Oliveira chegou ao título, bem como na temporada seguinte. A arrecadação anual da Raposa com sócio-torcedor em 2015 ultrapassou a cifra de R$80 milhões.
O especialista Marcio Flores ainda explica, porém, que o atual momento das campanhas de associados são incógnitas por serem embrionárias. “A crise obrigou os caras a pensarem em novos projetos, como o sócio-torcedor. Ainda é muito embrionário. Acho que está crescendo essa história. O sócio-torcedor consegue dar um faturamento muito grande aos clubes. Mas existe a possibilidade de daqui a um ano ser um fracasso”, analisa.
O motivo alertado é simples. Existem vários casos em que os clubes não conseguem realizar as ofertas com excelência. Apesar da relação entre torcedor e time ser passional, o serviço de clube para sócio é completamente comercial, assim como as reclamações e insatisfações. Com os problemas na execução de planos, as adesões logo se transformam em reprovações e podem acarretar um afastamento massivo da torcida ao clube independente do desempenho da equipe de futebol nos torneios.
O Santa Cruz é dono do quarto estádio com maior capacidade do Brasil: o Arruda. O José do Rego Maciel tem espaço para 64.044 pessoas. O novo programa de sócio-torcedor do clube pretende direcionar planos com acesso livre para setores específicos do estádio. Atualmente, apenas a Paixão Tricolor (R$ 27 mensais) possui o benefício. "O intuito é de resgatar esse torcedor que às vezes não pode pagar esse ingresso mais caro. Mas também aqueles que têm a mística de, ‘quero ser sócio, mas só assisto jogos na arquibancada", disse o diretor de Marketing tricolor, Jorge Arranja.
Ferramenta interessante do Tricolor do Arruda é a GeoSanta, que mostra onde estão distribuídos os associados corais. Não apenas por países, mas cidades e até os bairros onde vivem. “A nossa intenção é ocupar todos os bairros do Recife, todas as cidades de Pernambuco e, enfim, todos os estados do País. Ali, estamos mostrando todos os sócios adimplentes. Assim que o sócio adere, ele é plotado no mapa”, falou Dênis Victor Oliveira, sócio-diretor da BPGP Marketing Esportivo.
Já o Internacional tem uma estratégia diferenciada para agrupar os torcedores. O Colorado incentiva a criação de ‘Embaixadas’, que são representantes de diferentes localidades e têm um canal de comunicação direto com a diretoria social. Dentre os requisitos, o embaixador precisa reunir ao menos dez associados em dia (nos últimos seis meses) e ser reconhecidamente no bairro ou cidade como indentificado com o Inter.
Marcio Flores ainda disse que a captação de patrocinadores tem se tornado uma difícil barreira para muitas equipes brasileiras. Antes era possível acertar o pagamento de determinado valor apenas com uma empresa. Atualmente, é necessário diversificar desde o patrocinador máster à omoplata e até banners no estádio até fechar em um nível aproximado. Neste cenário, os planos de sócio-torcedor se tornaram uma das principais fontes de renda dos grandes clubes, na maioria dos casos perdendo apenas para a verba recebida pela concessão dos direitos de imagem. Além de reaproximar o torcedor do clube. No fim, quem sai ganhando é a qualidade do futebol brasileiro.