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O cinema é uma arte essencialmente visual e que recorre muito aos recursos sonoros para tornar a experiência mais completa. Para desfrutar desse conteúdo audiovisual, como o próprio nome já sugere, é importante absorver suas imagens e prestar bem atenção no que é dito pelos personagens e nos sons ao redor. Porém, como é possível fazer isso se não se pode ver ou ouvir com clareza?

“Através da audiodescrição incluída nos filmes, a imagem pode ser transformada em palavras, e você passa a ‘enxergar’ através delas”, responde Leonard Sousa, consultor de audiodescrição da empresa Entrelinhas e portador de deficiência visual. Além desse método, há também a legenda descritiva e o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), que, neste caso, permitem que o som seja ‘ouvido’ através da palavra escrita ou por meio de gestos.

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“Muitos tendem a ver limitação nessas pessoas pela deficiência que elas têm, mas na verdade a limitação está na sociedade que não produz os recursos que elas precisam. A partir do momento que passam a ter acesso a isso, elas conseguem interagir com todo mundo em pé de igualdade. Isso não é um favor. É uma questão de empatia, de entender que só precisam de um recurso a mais”, pontua Priscila Xavier, idealizadora do Entrelinhas, empresa que trabalha com a adaptação do conteúdo audiovisual para pessoas com necessidades especiais.

Liliana Tavares, organizadora do VerOuvindo, um festival dedicado à exibição e premiação do audiovisual com recursos de acessibilidade, ressalta a relevância de tornar o cinema acessível. “É importante primeiramente para abrir as portas dessa arte e da convivência entre pessoas com deficiência e sem. O cinema conta parte da nossa cultura, fala da nossa história. É uma maneira de conhecer o mundo e fazer com que as pessoas se aproximem de uma linguagem artística, de uma forma diferente de conhecer a vida e aprender conteúdos”, afirmou, em entrevista ao LeiaJá.

Adaptação obrigatória

Numa tentativa de diminuir as barreiras enfrentadas pelos 3,4% dos brasileiros que apresentam problemas severos de visão ou audição, segundo o senso de 2010 do IBGE, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) passou a exigir que as produções financiadas com dinheiro público contem com recursos de acessibilidade e que os cinemas distribuam essas produções e adaptem suas salas. A nova lei sobre a adequação desses locais foi aprovada em 2016 e vem entrando em vigor aos poucos, dando um período para adaptação das empresas. A partir do dia 16 de novembro de 2017, entre 30% e 50% das salas de exibição deverão estar aptas para receber pessoas com deficiência. Já em 16 de setembro de 2018 será exigido que 100% do parque exibidor comercial disponibilize seu conteúdo audiovisual de maneira adaptada, a fim de tornar o material hábil para ser consumido pelo público que depende desses recursos.

No entanto, há algumas dificuldades no cumprimento dessa determinação. “Eu acho mais do que natural essas exigências, os produtores é que não veem isso com bons olhos, pois o valor do orçamento cai nas costas deles”, comenta Liliana Tavares. “Tudo que vem por força da lei geralmente não é bem-vindo, e por isso existe um trabalho nosso de sensibilização dos produtores, para que eles entendam que estão construindo um novo público e que as acessibilidades precisam ser feitas com qualidade, a mesma qualidade com a qual eles fazem o filme”, completa.

Reprodução/Instagram/Entrelinhas

Além desse obstáculo, a organizadora do VerOuvindo destaca que há um impasse quanto à qualificação dos profissionais de audiodescrição, Libras e legenda descritiva: “Tem muita gente que fala Libras mas não é intérprete, nem entende de arte. Não é qualquer pessoa que pode fazer as adaptações, precisa entender o produto e ser sensível a ele. É importante trabalhar com a estética do filme, sempre trabalhamos com consultores com deficiência visual e auditiva para que se tenha qualidade”.

Explicando sobre o seu trabalho na audiodescrição, Priscila Xavier conta que o prazo ideal para adaptar um filme de uma hora seria de no mínimo uma semana, pois é necessário assistir ao material, para depois fazer um primeiro roteiro, escrevendo todas as cenas que são importantes e acrescentando a descrição entre os intervalos de fala dos personagens, para não atrapalhar o diálogo. Após essa etapa, o roteiro é enviado a uma pessoa cega ou com baixa visão que também tem formação nessa área, para que ela avalie o entendimento do filme.

É nesse ponto que Leonard Sousa entra. “Eu analiso esse roteiro, sentença por sentença, pra tentar entender se o usuário consegue visualizar o que está acontecendo na cena. Às vezes a descrição não está muito clara. Pra quem enxerga pode estar ótimo, mas nem sempre a escolha de palavras é a mais adequada para quem não pode ver. Depois disso devolvemos o roteiro revisado e discutimos a alteração feita para chegar a um consenso, e então, finalmente, o roteiro segue para a locução”, detalha o consultor.

Acessibilidade Inclusiva

Roberto Cabral tem a mesma função de Leonard, porém, diferente dele, nem sempre teve problemas de visão. A perda da capacidade de enxergar veio ao longo da vida, e fez com que a experiência de assistir um filme pela primeira vez com audiodescrição fosse, inicialmente, um desafio interessante. “Eu estava acostumado a ver filmes com imagem, e depois tive que me adaptar à questão de visualizar as cenas através dos ouvidos”, relata.

Como alguém que já transitou entre os dois universos de consumidores da sétima arte – os com deficiência e os sem –, ele ressalta a importância de não fazer uma separação entre as salas que contêm com acessibilidade e as que não contêm. “É importante criar um ambiente onde todos possam ver o mesmo filme ao mesmo tempo e rir juntos da mesma cena ou chorar juntos com o mesmo momento triste. Do contrário, essa acessibilidade será exclusiva, e não inclusiva”, diz Roberto.

Reprodução/Facebook/VerOuvindo

Quanto a uma maneira de tornar o conteúdo audiovisual mais inclusivo sem que isso atrapalhe aqueles que não precisam de recursos extras para consumi-los, Liliane Tavares explica: “A audiodescrição precisa ser ouvida sem que o público em geral sofra com isso, e isso já é possível através de fones de ouvido ou aplicativos. Quanto às legenda ou Libras, ainda há muita controvérsia, pois ainda não há uma maneira ideal de exibi-la sem incomodar o público em geral e o surdo”, conta.

Ela ressalta que há aplicativos que cumprem essa função, mas que são pouco cômodos tanto para os usuários como para o restante das pessoas em uma sala de cinema, pois a luz dos aparelhos eletrônicos tende a incomodar, além de ser trabalhoso para o surdo, que precisaria se concentrar em duas telas diferentes. “Existe apenas uma forma, que seriam óculos de realidade virtual, como os da Epson, por exemplo. No VerOuvindo fizemos uma sessão experimental utilizando esses óculos e com o aplicativo, e eles preferiram os óculos, foi super aprovado. “Nosso grande medo é que as salas se equipem com tablets ou celulares, por serem mais baratos. Isso seria muito ruim para todos”, conclui.

 

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