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Anderson convenceu a equipe médica a quebrar o protocolo e permitir que ele conferisse o corpo da mãe: "difícil acreditar". (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

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Em cima de uma cadeira de balanço, resta uma das poucas imagens que a família de Maria do Carmo de Andrade preservou na casa da matriarca. Nas paredes vazias, não ficou nem o eco dos programas vespertinos de TV, acompanhados pela voz animada com as novidades de uma visita repentina. A casa, localizada na comunidade de Brasilit, bairro da Várzea, na Zona Oeste do Recife, está assim desde o fim de novembro do ano passado, quando Maria se deslocou para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Caxangá, queixando-se de fortes dores na barriga. Ela nunca mais voltou. “Minha mãe descobriu que estava com pedras na vesícula e precisaria de uma cirurgia. Foi encaminhada para o Hospital Getúlio Vargas, onde pegou covid-19. Faleceu da doença antes de fazer a cirurgia, no dia 30 de dezembro”, conta o funcionário público Anderson Oliveira, que se desfez de boa parte dos pertences de Maria, na tentativa de lidar com um processo de luto marcado pela ausência de velório e de despedida de sua mãe.

Nascida em 1950, no Cabo de Santo Agostinho, Maria do Carmo ainda era cortadora de cana quando conheceu, no trabalho na Usina Bom Jesus, seu marido, José Oliveira de Andrade, que faleceu em janeiro de 2020, em decorrência das complicações de um câncer. Quando ele conseguiu um emprego carpinteiro no Recife, o casal se mudou para a capital, onde criou oito filhos. Foi na comunidade de Brasilit, onde Maria era querida pelos vizinhos, que a família passou a maior parte da vida. “Minha mãe gostava muito de conversar com o pessoal, na calçada. Por isso, foi muito difícil quando a pandemia começou. Para ela cumprir o isolamento, tivemos que tirá-la de seu lar e levá-la para a residência da minha irmã, em Boa Viagem, e depois para minha casa, em Nova Morada”, conta Anderson.

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De acordo com o funcionário público, apesar da tensão do isolamento, o período de quarentena ao lado da mãe também contribuiu para a aproximação dos dois. “Hoje em dia, a vida é muito corrida e, infelizmente, o trabalho acaba virando nossa casa e os colegas, nossa família. Minha mãe falava muito sobre o medo de morrer de covid-19, pois já tinha 70 anos e era hipertensa e diabética, além de sofrer de problemas cardíacos”, lembra. Com a mãe isolada do hospital, Anderson só recebia notícias de seu quadro através dos telefonemas diários da equipe médica. “A gente segurou tanto ela em casa e ela acabou pegando covid-19 no hospital. Isso dói muito, é muito difícil, até hoje não acredito muito no que aconteceu, porque foi tudo muito rápido”, lamenta.

Comovida com a falta de despedida entre mãe, filhos e netos no momento da morte, a equipe do hospital quebrou o protocolo de segurança para permitir que Anderson pudesse ver o corpo de Maria do Carmo. “Ao mesmo tempo que não pudemos nos despedir, circulou muito conteúdo sobre enterros de vítimas da covid-19 com caixões vazios. Fiz questão de ver com meus próprios olhos, se aquilo era mesmo real. Minha mãe costumava falar da morte com muita naturalidade, sempre dizia que queria ser enterrada com um vestido branco que ela tinha. Não pudemos cuidar de seu corpo, realizar esse desejo”, completa Anderson.

Antes de se contaminar no hospital, Maria vinha mantendo quarentena rígida na casa dos filhos. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Impossibilidade da despedida

Durante a pandemia da covid-19, a Associação de Cemitérios e Crematórios do Brasil (Acembra) emitiu recomendações rigorosas a respeito dos velórios e sepultamento das vítimas da doença. A instituição defende que as urnas permaneçam lacradas e sejam manuseadas apenas por profissionais que estejam utilizando máscara, luvas e vestimenta descartável. Os velórios devem acontecer em salas equipadas com álcool gel e durar no máximo duas horas, com acesso para apenas 10 pessoas, mantendo distância mínima de um metro umas das outras.

Em caso de sepultamento, o protocolo da Acembra também sugere que haja alternância dos profissionais envolvidos. “Recomendamos algumas formas possíveis para esse rodízio: estipular turnos no esquema 12hs x 36hs possibilitando assim a diminuição do tempo de exposição para os profissionais, revezamento de equipe a cada 3 sepultamentos para permitir a esterilização dos EPIs”, detalha o texto.

De acordo com a psicóloga do luto do cemitério Morada da Paz, Simône Lira, embora sejam necessárias, as medidas de restrição aos velórios e sepultamentos podem dificultar o processo de luto das famílias que perderam entes queridos em razão do novo coronavírus. “Claro que nenhum luto é o mesmo, pois trata-se de um processo individual, que cada pessoa vivenciará de uma maneira diferente. O contexto, pandêmico, contudo, traz uma ausência de rituais e uma impossibilidade de despedida do corpo, que nos ajuda a identificar a concretude da morte. Como se a gente precisasse de acesso ao corpo para perceber, assimilar cognitivamente que, de fato, aquela pessoa morreu”, comenta.

Lira coloca ainda que a pandemia dificulta a prática de suporte social às famílias das vítimas. “Nossa sociedade não é acostumada a lidar com dores e o rito fúnebre é um local onde há autorização social para que os enlutados recebam suporte de outras pessoas. Diante da impossibilidade desses encontros, quem perdeu entes queridos acaba mais exposto à solidão, o que é muito difícil para quem está de luto”, acrescenta.

Nesse sentido, há quem opte pela realização de rituais virtuais, para que amigos e familiares não deixem de oferecer assistência aos enlutados. “Nada que a gente diga vai diminuir ou remediar a dor que a pessoa está sentindo. O que podemos é nos fazer presentes e acolher essa dor, permitir que quem sofre possa falar sobre o ente querido que partiu. Dar espaço de fala, para que o enlutado possa expressar o que precisa”, aconselha.

“O preço do amor”

"Sou o que sou por causa do meu pai", diz Rodrigo. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens) 

A psicóloga explica ainda que o luto é um processo dual, em que o enlutado oscila entre os estados de tristeza e pesar e a orientação de restauração da própria vida, buscando adaptação à ausência física de um ente querido. “A gente costuma dizer que uma vez enlutado, sempre enlutado, mas aquela dor vai deixar ser um todo para ocupar um espaço em você. No fim, o que sustenta um vínculo é muito mais a história do amor do que a da morte, os momentos vivenciados. O luto é o preço do amor”, conclui.

Assim, nem só a dor mantém um laço. Em uma espécie de altar improvisado na sala de estar de casa, o contador Rodrigo Albino reúne suas melhores lembranças com o pai, Antônio Oliveira da Silva, morto aos 83 anos, em decorrência do novo coronavírus, apenas cinco dias depois de apresentar os primeiros sintomas. Fotografias em família, mensagens de afeto, o registro da formatura em direito e a bandeira do Santa Cruz, time do coração da família, denunciam uma presença que a pandemia do novo coronavírus não poderá apagar. “Eu sou o que sou por causa do meu pai, que deixou um legado de caráter e respeito pelas pessoas, pois sempre procurou fazer sua parte como cidadão. A nível profissional, também possuo essa ligação com ele, que se formou em direito, mas exerceu a contabilidade por toda a sua vida, sempre buscando se manter atualizado”, comenta.

Para lidar com o luto, Rodrigo se apega às lembranças do pai. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Dentre as melhores memórias com o pai, Rodrigo cita a alegria das quartas e domingos, quando os dois costumavam frequentar os estádios de futebol juntos. “A paixão pelo Santa Cruz foi um marco em nossas vidas. A gente chegava a viajar para outras cidades, para acompanhar o time. Por isso, hoje, aproveito a oportunidade da entrevista para homenageá-lo, de uma forma que não pude fazer em um velório tão restrito, lembrando seu amor pelo Santa”, comove-se Rodrigo.

Para ele, a religiosidade da família vem contribuindo com a aceitação da morte do pai. “Sem saber que meu pai tinha morrido há dois dias, uma tia minha veio me contar que sonhou com ele, em um lugar de paz e mansidão. Acreditamos que essa foi uma revelação, uma mensagem de Deus para nos confortar. Na família, temos católicos, espíritas, evangélicos e candomblecistas, sem nenhum tipo de preconceito uns com os outros. O que importa é que a fé vem nos ajudando a diminuir nosso sentimento de perda. É com ela que vamos vencer esses momentos difíceis”, conclui Rodrigo.

Confrontos foram registrados neste domingo ao redor do Parlamento de Hong Kong entre manifestantes pró e contrários ao governo, na véspera do aniversário de retrocessão do território semiautônomo por parte do Reino Unido a China em 1997.

Dezenas de milhares de pessoas, muitas delas com bandeiras chinesas, se reuniram diante do Parlamento para expressar apoio à polícia, que enfrenta críticas por utilizar gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes.

A manifestação, com deputados leais a Pequim e ex-oficiais da polícia, aconteceu sem incidentes.

Mas quando a multidão se dispersava, alguns manifestantes seguiram em direção a pequenos grupos de opositores que estão acampados nas proximidades do Parlamento há três semanas.

"Traidores! Agitadores!", gritaram os simpatizantes do governo, enquanto várias pessoas se aproximavam dos opositores com ofensas e empurrões.

A polícia teve que atuar para ajudar os manifestantes contrários ao governo a sair do local.

Há várias semanas, a ex-colônia britânica é cenário de protestos contra um projeto de lei sobre extradições. O governo abandonou a análise do polêmico texto, mas as manifestações prosseguiram.

Recentemente, uma multidão tentou bloquear o quartel-general da polícia de Hong Kong em duas ocasiões, como protesto depois que os agentes usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar um protesto em 12 de junho.

A polícia, acusada de abuso, defendeu sua atuação e chamou o protesto de distúrbio.

Hong Kong, ex-colônia britânica reintegrada ao território chinês, tem até 2047 um regime semiautônomo e desfruta de liberdades desconhecidas no restante da China.

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