A música sempre foi usada para firmar posicionamentos e questionar situações ocorridas na sociedade. Muito embora há algum tempo tenha se instaurado, em torno da atual produção musical brasileira, a sensação de que os artistas não estão mais se colocando politicamente, tal afirmação não é de todo verdadeira. Nos mais diferentes segmentos, vários são os nomes que têm usado suas letras e melodias para protestar contra o atual governo e até convocar o público para pensar e agir.
Confira uma playlist com 10 músicas - que vão do rock ao arrocha, passando pelo reggae e o trap - que convidam para pensar e contestar alguns problemas que têm acometido o país.
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Mayara Pera e Tonho Nolasco - Genocida
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Os pernambucanos Mayara Pera e Tonho Nolasco fizeram questão de se posicionar, porém, sem deixar de lado a pegada humorística no vídeo da música Genocida.
N’Zambi - Derruba o Bozo
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Os regueiros da N’Zambi preferiram mencionar o presidente fazendo uso de um dos apelidos que os opositores costumam usar.
Detonautas - Micheque
Também se valendo do humor, a banda Detonautas registrou uma polêmica envolvendo a primeira dama Michelle Bolsonaro e Fabrício Queiroz, ex-assessor e ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro. Michelle chegou a recorrer à Justiça na tentativa de proibir a veiculação da música, alegando injúria, calúnia e difamação.
Maderada do Arrocha - Fora Bolsonaro
Nem só de bebida, sofrência e ‘sobe e desce’ vive a música popular brasileira. Prova disso é essa música-protesto da banda baiana Maderada do Arrocha.
MC Jonas Valdivia o Brinkedo - Diss Graças a Bolsonaro
A pandemia gerou muitos problemas ao povo brasileiro, para além da questão sanitária. As polêmicas acerca dos auxílios emergenciais são um dos temas nesta música de MC Jonas Valdivia o Brinkedo.
Biscó - Genocida no Poder
A banda baiana Biscó usa todo o peso do seu hardcore para questionar quem é o verdadeiro “cidadão de bem”.
Francisco, el Hombre - Bolso Nada
Aqui, a banda Francisco, el Hombre se juntou a Liniker e os Caramelows para protestar, porém de maneira dançante e cheia de suingue.
Não satisfeita em apenas criticar, a pernambucana Doralyce fez até um chamado e deixou claro: “Eu não vou caminhar com medo”.
Avoada - A Pedra e a Janela
Outra canção nascida de uma fala do chefe de estado brasileiro. Após ele ter afirmado estar vivendo um verdadeiro “inferno” no comando do país, o coletivo pernambucano Avoada mandou essa daqui.
Nem só de ‘aê aê aê’ e ‘ôooo ôooo’ vive a música baiana. Apesar de ter sido consagrado como ritmo para ‘tirar o pé do chão’ e ‘correr atrás do trio’, alguns hits do axé são recheados de mensagens sociais, conscientização e até protesto. O LeiaJá deu uma garimpada e fez uma seleção de músicas do gênero que trazem em suas letras densidade e conteúdo bem ‘cabeça’, dignos das playlists mais sérias, mas é claro, sem deixar a alegria e animação de lado.
Protesto do Olodum
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Esse clássico da música baiana traz o protesto logo em seu título. A canção do grupo Olodum chama atenção para a prostituição no bairro do Pelourinho, o aumento da Aids no país e o abandono da região Nordeste por parte dos governantes brasileiros. A música ganhou tamanha importância no cenário baiano que foi regravada por diversos artistas.
Devastação
A música lançada por Margareth Menezes em 1988 não poderia soar mais atual. Naquela época, a baiana já clamava pela necessidade da preservação da natureza do país. A letra ainda passa pela pobreza e pela importância da atuação dos que “têm poder” para garantir o futuro da nação.
Atual Realidade
O pai do axé também já cantou em favor da natureza. Nessa canção, Luiz Caldas diz que desmatar é uma “burrice” e também envereda pelo lado da política dizendo que “eleger um cara que só dá mancada”, também não “tá com nada”.
Xibom Bombom
O grupo As Meninas fez um grande sucesso, no final dos anos 1990, com o refrão chiclete de Xibom Bombom. A música, no entanto, trazia uma reflexão sobre a desigualdade social no país “onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre”. Uma forma descontraída de denunciar a exploração do trabalho e a luta de classes no no Brasil.
Apertheid da Alegria
Luiz Caldas também questionou a comercialização do Carnaval em outra de suas canções. Apertheid da Alegria critica a indústria que se apoderou da folia baiana com camarotes e abadás. Para o artista, a "chuva de grana" da festa causa separatismo, atingindo a espontaneidade do Carnaval.
Conversa Fiada
Em 1991 a Banda Mel já dava o recado: “consciência anda faltando”. Em Conversa Fiada, a banda já dizia que não acreditava no papo de que o Brasil é o país do futuro e que cantar seria uma das formas de mostrar a indignação do povo.
Respeito é bom e eu gosto
Mais uma do pai do axé, ícone do gênero. Nesta música, ele fala contra intolerância e até contra a polarização que toma conta do país atualmente. Aqui, Luiz Caldas relembra a importância do respeito entre as pessoas, independente de sua orientação política, sexual e religiosa. Um verdadeiro hino contra o preconceito.
Proibido o Carnaval
No início de 2019, Daniela Mercury lançou, em parceria com Caetano Veloso, esse axé que fala sobre censura, liberdade sexual e citou até a ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. A música ‘brinca’ com uma possível proibição da maior festa popular do Brasil, curiosamente, meses mais tarde no mesmo ano de 2019, a Câmara Municipal de Salvador aprovou um projeto que proíbe a realização de festas na Quarta-Feira de Cinzas, derradeiro dia da folia.
Crianças Desabrigadas
Aqui, o Araketu denuncia o sofrimento de crianças em situação e rua e abandono, que acabam levadas ao vício de drogas e situações de violência. A mensagem da canção é sobre a necessidade de ajudar esses pequenos.
Cansei de esperar
Mais uma do Olodum, grupo que, além de ter em seu repertório diversas canções com mensagens de conscientização, exerce há 40 anos um trabalho de valorização da cultura afro-brasileira e enfrentamento ao racismo. Em Cansei de Esperar, a banda fala sobre a luta pela liberdade e igualdade racial.
“Nada irá calar a nossa voz”; assim cantam grandes nomes do mainstream musical brasileiro em uma canção, recém-lançada, que narra alguns problemas sociais e desejos de prosperidade do povo brasileiro. Entretanto, em um dos momentos mais conturbados da história do Brasil, no que muitos já chamam de a maior crise política da nossa história, algumas das vozes que se ouvem nesta música, como Sandy, Thiaguinho, Maria Gadú, Michel Teló e Ivete Sangalo não costumam cantar as mazelas sociais e distúrbios do cotidiano do país.
Tendo sido a música um forte instrumento de protesto em outros cenários, como nos anos 1980 e 1990, e até mesmo durante a ditadura militar (nos idos de 1960 e 1970), o que terá enfraquecido as ondas sonoras que clamam por dias melhores, justiça social e descortinam o que de pior acontece na sociedade?
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Muitas lembranças do tempo em que as rádios e TVs disseminavam esse tipo de conteúdo tem Fred Zero Quatro, vocalista da banda Mundo Livre S.A, uma das precursoras do movimento Manguebeat. Em entrevista ao LeiaJá, o músico relembrou o que costumava ouvir naqueles anos: "Eu cresci ouvindo muito rádio e programas de televisão, musicais. Principalmente na década de 1970, foi quando comecei a ouvir mais música brasileira nas FMs. Me lembro de Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano, esse pessoal vivia nas primeiras colocações das paradas de sucesso. E olha que era um tempo que ainda existia censura, ditadura, um governo de generais".
Fred também menciona as décadas seguintes, de 1980 e 1990, quando se podia ouvir Titãs, Paralamas do Sucesso, o próprio Mundo Livre S.A. e o Planet Hemp, por exemplo, com músicas questionadoras e engajadas. "Agora, o que acontece é que hoje você tem - principalmente depois do golpe de 2016 -, um governo totalmente blindado pela mídia; deliberadamente quer promover uma alienação. Não interessa para uma mídia que manipula milhões de paneleiros para ir bater panela contra o PT, mas não faz nada contra Cunha e Temer, divulgar sons e músicas com mensagens de cunho social. Interessa manter todo mundo no 'aê e ô', 'safada isso', 'baixa cá, baixa de lá'".
Sobre a atuação da grande mídia, no que diz respeito aos conteúdos oferecidos ao público, Zero Quatro é enfático: "Quando eu falo que existe uma mentalidade política da grande mídia, eu não estou especulando, ou supondo, eu vivi isso na pele". Ele conta que em 2001, sua banda, a Mundo Livre, teve um contrato com a gravadora Deck (antiga Abril) cancelado por conta do engajamento da banda com temas sociais: "Eu tive uma reunião com a diretoria artística da gravadora que falou claramente: uma das questões pelas quais eles não queriam renovar era política.
Desde que o PT assumiu o poder, e que houve sucessivas derrotas da grande mídia para essa narrativa popular de democratização, que a censura passou a ser outra, deixou de ser uma censura prévia, de um regime autoritário, para uma censura branda, sutil, do pensamento único. Depois, com as redes sociais, é uma censura de perseguição mesmo, de tribunal do Facebook”.
‘Tipos’ de protesto
É também lembrando de uma música lançada em 2016, com grandes artistas populares cantando sobre a operação Lava Jato, que o produtor Paulo André afirma: "Esse mainstream nem tem legitimidade para falar, salvo um ou outro, mas ninguém quer um envolvimento". Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, Paulo, criador do icônico festival Abril pro rock, indicou pontos que, segundo ele, levam a indústria musical a uma certa apatia: "Você vê, também, uma nova geração equivocada, que deleta Chico Buarque da vida. E uma vez que eles deletam alguma música, é para sempre. Eles não querem mais saber", diz, embasado na experiência de ser pai de filhos adolescentes.
Entretanto, o produtor vê com otimismo uma nova safra de artistas e grupos que vêm surgindo na atualidade. "Eu acho que tem um tipo de música que pode ser caracterizada como música de protesto, que é essa geração de cantores e cantoras, e outros gêneros, que são homossexualmente assumidos". Paulo cita nomes como Johnny Hooker, Liniker, Linn da Quebrada e As Bahias e a Cozinha Mineira.
Para o produtor, artistas que assumem sua sexualidade e levam a temática para sua arte estão batendo de frente com uma sociedade que "ainda é muito conservadora". Ele dá como exemplo a repercussão causada pelo protesto feito pelo cantor Johnny Hooker no Festival de Inverno de Garanhuns de 2018, em virtude da proibição da peça O evangelho segundo Jesus Rainha do Céu. "É uma geração que tem uma outra percepção das coisas".
Colaborando para o otimismo do produtor, está ainda a música produzida nas periferias do país, que, apesar de, em sua maioria, ficar quase que restrita às suas comunidades, encontra na internet um caminho para ser escoada. "Essa possibilidade de postar música empoderou muito as músicas das periferias do Brasil, isso não deixa de ser música de protesto também, porque é uma forma de passar por cima de todo mundo, sem precisar de gravadora, produtor, de ninguém".
Faça você mesmo
É da periferia, que surge outra voz otimista em relação ao engajamento dos novos músicos do país. Cannibal Santos, vocalista e baixista da banda Devotos, originada na comunidade do Alto José do Pinho, Zona Norte do Recife, garante não sentir falta da dita música de protesto: "O que tá rolando hoje na mídia são músicas que não têm muita preocupação com isso, mas as pessoas que eu conheço, dos grupos alternativos que sempre existiram, continuam fazendo o mesmo tipo de música", disse ao LeiaJá. Ele cita nomes como Cordel do Fogo Encantado, Mundo Livre S.A. e a própria Devotos, com trabalhos recém lançados e bastante politizados.
Para Cannibal, o que diferencia o atual cenário daquele das décadas de 1970, 1980 e 1990, por exemplo - quando se ligava o rádio e ouvia-se músicas como 'Que país é esse?' -, é a influência da grande mídia: "Hoje é uma outra gurizada que está na mídia, mas que não tem preocupação com a música nem com as letras. Mas, apesar de não serem politizados, é isso o que eles vivem. A diferença daquela época para a de hoje é que era uma geração que se espelhava em outra que foi mais revolucionária, era um povo que tava saindo da ditadura, mais aguerrido. Hoje é uma geração com uma liberdade de expressão muito forte, mas não há uma preocupação social".
Onde e como?
Sobre chegar na grande mídia, o produtor Paulo André também tem sua observação: "No Brasil, a gente ainda esbarra em alguns filtros. As pessoas comuns, que não frequentam tanto o ambiente cultural mas gostam de música, a maioria dessas pessoas ainda vai pela grande mídia, pela TV aberta, então é isso que, na minha opinião, faz (o cenário) ficar limitado".
Fred Zero Quatro compartilha pensamento semelhante: “A mídia está comprometida com a manutenção de um status quo que eu chamo, no disco novo da gente, de ‘Situação de Rico’, não é ‘jovens em situação de risco, não’, é ‘situação de rico’. O rico que eu falo é meia dúzia de proprietários de um monopólio das comunicações que mantêm a grande população escravizada por uma mensagem monolítica, em que não há espaço para o pensamento plural. É o pensamento único que comanda a grande mídia. Então, é uma questão de um público muito mais alienado hoje em dia, que não é por acaso”.
Cannibal complementa a ideia: "Tudo que a mídia propõe, praticamente, a sociedade começa a consumir e quem tá surgindo vai se baseando nisso. É uma coisa muito perigosa porque você começa a dar um direcionamento para a cultura brasileira. Quem vai nos representar em qualquer país não leva a nossa cultura real mas sim o que está na mídia. Eu acho que deveria haver abertura para todo mundo, porque eu não acredito em uma opinião só. A música no Brasil é muito imposta para as pessoas", diz o músico.
Há música e protesto
A apatia política demonstrada pelas canções que dominam as paradas de sucesso não é tudo o que o Brasil tem para mostrar. Apesar de quase sempre invisibilizados, os artistas que trazem a crítica social e o protesto existem, e resistem. Por isso, preparamos uma playlist no aplicativo Deezer com algumas canções contemporâneas que vão além de temas 'leves' como baladas e histórias fofas (ou sofridas) de amor. Confira: