A violência através de pilhagens, incêndios criminosos e profanações traumatiza os cristãos que vivem no Níger, um país pobre de 17 milhões de habitantes, 98% deles muçulmanos. Os 2% restantes, menos de 350 mil pessoas, estão divididos entre cristãos e animistas.
"O que será dos cristãos?", indaga, com o rosto fechado, o reverendo Boureima Kimso, poucos dias após a onda de violência religiosa que se espalhou no Níger, com igrejas calcinadas fazendo lembrar a minoria cristã que um pesadelo se tornou realidade.
##RECOMENDA##"Nós, cristãos, estamos sendo caçados. Queimamos tudo que pode indicar que somos cristão, seja católico ou evangélico. Se pudéssemos coletar as lágrimas que derramamos...", lamentou uma freira de Zinder (sul), a segunda maior cidade do Níger, sob condição de anonimato.
Nesta localidade, em 16 de janeiro, os protestos contra as caricaturas de Maomé publicadas na revista satírica francesa Charlie Hebdo resultaram em distúrbios com consequências terríveis: Cinco mortos, 45 feridos, e todas as igrejas - exceto uma - queimadas.
No dia seguinte, manifestações em Niamey deixaram cinco mortos e 173 feridos. Oficialmente, 45 igrejas foram incendiadas, bem como 36 depósitos de bebidas, um orfanato e uma escola cristã.
A Aliança das Missões das Igrejas Evangélicas do Níger (Ameen), presidida pelo reverendo Kimso, apelou nesta sexta-feira aos cristãos a perdoar os agressores, apesar do "ressentimento profundo" da comunidade que se sente "refugiada em (seu) próprio país".
Jack, um mecânico, viveu os distúrbios em sua oficina na capital, portas e janelas fechadas, com os seus empregados.
"Vivemos com medo", disse ele. "Muitos cristãos não têm dormido em casa por medo de ataques."
As imagens de jovens destruindo os móveis humildes de seus lugares de culto, antes de incendiá-los, amedronta esses cristãos.
Agonia de Jesus
"Podemos estar vivendo a agonia de Jesus em nossos próprios corpos", se desespera Michel Cartatéguy, arcebispo de Niamey, entrevistado pela Rádio Vaticano. "Isso pode continuar se não recebermos proteção".
"Há pessoas que perguntam: 'Você é Allah Akbar ou Hallelujah?'. Isso significa que estamos no processo de identificação de cristãos. O que vai acontecer depois?", se pergunta, preocupado.
A incompreensão e o choque são gerais porque nada prenunciava tal violência. As duas comunidades viviam em harmonia. Muitos muçulmanos ajudaram seus "irmãos" cristãos quando foram atacados.
"Minha irmã, que é muçulmana, escondeu vinte cristãos em seu lar por dois dias antes de entregá-los aos cuidados da polícia", contou Fleur, uma cristã cujo restaurante foi "saqueado e destruído".
Vinte Ulema, teólogos muçulmanos pediram calma na televisão pública.
"Nossos pais, nossos avós, estão aqui desde a década de 1930. Nunca tiveram problemas. (...) Eu tenho primos muçulmanos", afirmou um funcionário de Zinder.
"Vivíamos muito bem com os muçulmanos, não havia nenhum problema. Mas nos últimos anos, a ideologia extremista chegou", segundo um religioso da cidade.
O ministro do Interior, Massaudu Hassumi, evocou primeiramente "membros do Boko Haram" em Zinder, o grupo islâmico armado da Nigéria, de onde a cidade está próxima.
A questão da "influência" dos países vizinhos do Níger que, além de Nigéria, enfrenta grupos jihadistas em suas fronteiras com o Mali e a Líbia, tem se imposto, de acordo com o religioso.
As consequências internas são terríveis. Entre 300 e 400 cristãos, temendo por suas vidas, fugiram na semana passada para dois campos militares em Zinder.
Quase 140 entre eles fugiram da cidade. Uns deixaram o país, de acordo com um trabalhador humanitário, citando famílias de refugiados no Benin.
O Itamaraty brasileiro estuda um plano de retirada dos brasileiros que atuam como missionários no Níger e que também tiveram suas residências atacadas.