A relação entre dois amigos jornalistas esportivos do Recife foi desgastada após denúncia de um episódio de assédio sexual ocorrido em 2020. O caso ganhou uma nova repercussão, nesta sexta-feira (14), com a exposição do relato e provas apresentadas pela vítima, Ana Beatriz Venceslau, de 21 anos, que já havia levado a violência a público no ano em que tudo aconteceu, mas sem mencionar o nome da pessoa acusada. O homem citado por ela é o também jornalista Alexandre Ricardo, de 23 anos, recém-contratado pelo Santa Cruz Futebol Clube como social media.
Ontem (13), através do Twitter, Beatriz compartilhou capturas de tela de conversas tidas com Alexandre por mensagem direta no Instagram, pouco depois do dia do suposto assédio. À ocasião, o jornalista admitiu ter ciência de suas ações e se mostrou disposto a uma retratação, mas negou ser um 'assediador', negativa refutada pela amiga. Ao LeiaJá, a Beatriz contou que o caso ocorreu há dois anos, quando a pandemia da Covid-19 estava prestes a emergir.
##RECOMENDA##O local do ocorrido foi um corredor nas dependências da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), onde ambos se conheceram, estudavam e compartilhavam uma amizade próxima e do conhecimento de todos. Como possuíam muitos gostos em comum — o mundo dos esportes, futebol, estilo musical e o mesmo time, Santa Cruz —, engataram uma conversa durante o intervalo das aulas e Beatriz, segundo ela, foi surpreendida pelo toque invasivo do amigo, quando ele apertou a região íntima da vítima por cima da calça jeans. Ana diz ter ficado “em choque” e “sem reação”.
“Parei total e olhei pra ele. Não consegui falar por um tempo, mas antes de "terminar a conversa" eu falei para ele, já um pouco alterada e quase gritando: "Que merda foi essa?" e gritei ainda pra ele jamais fazer algo do tipo. Comigo ou com qualquer pessoa”, disse Beatriz ao LeiaJá.
Um tempo após a situação entre Ana Beatriz e Alexandre Ricardo, uma outra denúncia de assédio, também no ramo da comunicação, explodiu a nível nacional. Foi o caso da humorista Dani Calabresa contra o colega de profissão Marcius Melhem. À época, Venceslau aproveitou o gancho para expor que passou por uma situação semelhante com um 'colega de faculdade'. Mesmo sem mencionar o nome de Ricardo, a posição de 'assediador' motivou o jornalista a procurar a amiga.
Nas mensagens, os dois têm uma conversa tensa, na qual Alexandre diz estar ciente de tudo o que houve, pede desculpas, dizendo que Ana Beatriz pode tomar a situação "como gás para lutar por um mundo melhor" e que "essa luta" (combater o assédio) também é dele. Confira as mensagens na íntegra:
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Nova denúncia
O LeiaJá procurou Alexandre Ricardo para se posicionar diante do caso. Ele não nega que a situação aconteceu, mas que há necessidade de esclarecimento do ocorrido. No entanto, revela não entender a situação como um assédio. A denúncia, até o momento, não foi formalizada às autoridades, mas o jornalista diz que irá buscar orientação - não especifica se jurídica ou não - para preparar seu posicionamento.
Juridicamente, assédio sexual se caracteriza por uma ação reiterada, mas dependendo do caso pode até ser considerado como um ato único, em que a vítima, que pode ser mulher ou homem, acaba sendo intimidada com incitações sexuais inoportunas. Para o conceito de assédio sexual é determinante o comportamento subsequente à não aceitação da proposta de índole sexual. Assim, se a outra parte não se mostra inclinada a aceitar essa proposta e mesmo assim continua sendo abordada na mesma direção, nesse momento surge a figura do assédio sexual.
“É uma situação delicada que ela interpretou como assédio. Ela me procurou na época que aconteceu para dizer no outro dia. Eu falei: 'Beatriz, desculpa, foi uma brincadeira, jamais passaria pela minha cabeça que você se sentiria dessa maneira'. E aí, depois que aconteceu e depois dessa conversa que ela expôs, me causa estranheza, porque ela já tinha me desculpado, já tinha resolvido e está voltando à tona agora”, declarou Ricardo.
O jornalista também diz entender que esse não é um momento de defesa, mas de “dever”. “São situações que me fizeram entender que um dia isso (a exposição) pudesse acontecer, mas sigo muito tranquilo, eu planejo, sim, me posicionar. É um momento muito difícil, de muita incerteza, tem muita gente preocupada comigo. Não é uma defesa, é um dever, porque é um assunto muito sério, muito complexo, nós devemos nos posicionar. Quando acontece uma denúncia dessas, mexe com muita gente, e sei da minha responsabilidade”, finalizou.
Perguntada se a contratação pelo Santa Cruz funcionou como um gatilho, Ana Beatriz disse que “sem um pingo de dúvida”. Do ponto de vista ético-moral, ela condena figuras não nomeadas da imprensa que têm conhecimento do episódio de assédio, mas mesmo assim parabenizaram a conquista de Alexandre.
“Até hoje eu não consigo ver o nome da CoralNet, no qual ele trabalhou por anos, sem me dar um frio na espinha. Por mais que ele fosse bloqueado por mim, a galera postava matéria com o nome dele e toda vez era um gatilho pesado no meu feed. Não era toda a imprensa que sabia, mas algumas pessoas que eu já tinha falado há um tempo, foram lá e bateram palmas. Foi dilacerador”, concluiu a vítima.
Posicionamento do Santa Cruz
Após as postagens de Ana Beatriz, o Santa Cruz decidiu por não continuar com a contratação do jornalista. Confira a nota na íntegra:
O Santa Cruz Futebol Clube vem a público informar que, diante das publicações envolvendo um novo profissional que estava em processo de contratação para o gerenciamento das redes sociais do Clube, e entendendo que o SCFC é movido pelo apoio e confiança de seus torcedores, tornou-se inviável seguir com o procedimento de contrato do profissional para a equipe.
Reforçamos que o SCFC é contra qualquer tipo de violência, inclusive contra a mulher. Neste momento, esperamos que os fatos sejam devidamente esclarecidos.