Um clérigo lê o veredicto antes de o caminhão chegar e despejar um grande monte de pedras perto do jardim municipal. Combatentes islamitas trazem a mulher, vestida de preto dos pés à cabeça, e a colocam em um pequeno buraco no chão. Os moradores chegam e os combatentes lhes dizem para cumprir a sentença: para a suposta adúltera, apedrejamento até a morte.
Ninguém na multidão se apresentou, disse uma testemunha do evento, ocorrido em uma cidade no norte da Síria. Então, os combatentes jihadistas, em sua maioria extremistas estrangeiros, o fizeram eles mesmos, apedrejando Faddah Ahmad até seu corpo ser levado embora.
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""Mesmo ao ser atingida pelas pedras, ela não gritou, nem se moveu", afirmou um ativista de oposição que disse ter testemunhado o apedrejamento perto do estádio de futebol e do jardim Bajaa, na cidade de Raqqa, principal bastião do Estado Islâmico, uma das principais forças que tentam derrubar o governo do presidente da Síria, Bashar al-Assad.
O apedrejamento, em 18 de julho, foi o segundo em apenas 24 horas. Um dia antes, Shamseh Abdullah, de 26 anos, foi morta da mesma forma por guerrilheiros do Estado Islâmico na cidade próxima de Taqba. As duas mulheres haviam sido acusadas de fazer sexo fora do casamento.
As execuções das duas mulheres foram as primeiras desse tipo no norte da Síria desde que os combatentes do Estado Islâmico tomaram grandes faixas de território, aterrorizando os moradores com sua interpretação estrita da lei islâmica, que prevê a decapitação para alguns crimes e decepar as mãos de ladrões. Recentemente, os jihadistas amarraram um garoto de 14 anos a uma cruz e o deixaram por várias horas sob o Sol quente do verão, antes de soltá-lo - punição por não ter feito jejum durante o dia inteiro durante o mês sagrado islâmico do Ramadã.
O grupo também brutalizou muçulmanos xiitas e outros a quem vê como apóstatas. No vizinho Iraque, militantes do Estado Islâmico obrigaram membros da minoria religiosa iazidi a fugirem de várias cidades e aldeias. Milhares de iazidis em fuga ficaram ilhados no topo de uma montanha por vários dias, numa crise humanitária à que os EUA reagiram esta semana com lançamentos de alimentos e água de paraquedas - além de ataques aéreos contra unidades do Estado Islâmico que cercavam a montanha.
Na última sexta-feira, Kamil Amin, porta-voz do Ministério de Direitos Humanos do Iraque, disse que centenas de mulheres iazidi com 35 anos de idade ou menos estão sendo mantidas por combatentes do Estado Islâmico em escolas de Mosul, a segunda maior cidade do país, que os rebeldes capturaram em junho.
Os apedrejamentos ocorridos na Síria no mês passado não foram muito divulgados quando aconteceram, mas nos dias seguintes, três fotografias apareceram nas redes sociais, aparentemente documentando as execuções; as imagens eram consistentes com o que os repórteres da Associated Press verificaram em outras ocasiões.
As fotos, postadas em uma conta recentemente criada no Twitter, mostravam dezenas de pessoas reunidas em uma praça, um clérigo lendo um veredicto por meio de um alto-falante e vários homens de barba com fuzis automáticos, carregando ou apanhando pedras. "Mulher casada sendo apedrejada na presença de alguns crentes", dizia a legenda das fotos na conta do Twitter, que depois disso foi suspensa.
Abu Ibrahim Raqqawi, o ativista que testemunhou o apedrejamento de Faddah Ahmad, disse que os moradores locais estavam irritados ao ver combatentes estrangeiros impor sua vontade sobre a comunidade.
"As pessoas estavam chocadas e não conseguiam entender o que estava acontecendo. Muitos ficaram perturbados com a ideia de que sauditas e tunisianos estivessem dando aquelas ordens", disse Raqqawi em entrevista via Skype. Segundo ele, Faddah Ahmed parecia inconsciente. O ativista ouviu alguém dizer que ela havia sido levada a um hospital e anestesiada antes da execução.
O apedrejamento aconteceu por volta das 23h horas locais, disse Raqqawi. Ele não viu sangue, possivelmente por causa da roupa preta que a vitima estava usando. "Eles colocaram o corpo em um de seus carros e o levaram", acrescentou.
Os dois casos foram noticiados pela primeira vez pelo Observatório Sírio dos Direitos Humanos, um grupo da oposição síria sediado em Londres que coleta informações de uma rede de ativistas em todo o país. Bassa, al-Ahmad, porta-voz do Centro de Documentação de Violações, um grupo sírio que acompanha violações dos direitos humanos, também confirmou que os apedrejamentos aconteceram.
Um ativista baseado na província síria de Idlib, no norte do país, disse que Faddah Ahmad era viúva. Um homem que pediu para ser identificado apenas como Asad, por medo de represálias, disse que no outro apedrejamento, em Taqba, os moradores também se recusaram a participar e que a execução foi levada a cabo por combatentes do Estado Islâmico.
Em Damasco, a embaixada dos EUA na Síria publicou, em sua conta no Twitter, uma condenação ao "apedrejamento bárbaro" ocorrido em Taqba.
Os grupos internacionais de defesa dos direitos humanos não relataram os apedrejamentos e o Human Rights Watch disse que não havia conformação independente. "É uma tendência muito preocupante, caso seja verdade", disse a pesquisadora Lama Fakih, do Human Rights Watch.
Segundo ela, o Estado Islâmico "impôs normas incrivelmente restritivas à população civil, que tornaram mulheres e meninas particularmente vulneráveis e as discriminam muito claramente". Fakih acrescentou que os informes sobre os apedrejamentos em Raqqa e Taqba foram os primeiros que seu grupo recebeu desde a Síria.
"Este é apenas mais um tipo de manifestação extrema daquelas normas restritivas, que estão todas em violação às leis internacionais de direitos humanos", acrescentou.
Os incidentes deixaram alarmados os integrantes dos principais grupos que vêm combatendo para derrubar o presidente Al-Assad desde 2011."Esses comportamentos não têm nada a ver com a natureza e a mentalidade da sociedade síria", disse Abdelbaset Sieda, da Coalizão Nacional Síria, que é apoiada pelos EUA e seus aliados. Segundo ele, seu grupo não obteve confirmação oficial de que os apedrejamentos aconteceram, mas isso não pode ser descartado. "Esperaríamos que atos como esses fossem levados a cabo pelo Estado Islâmico", afirmou.
O Movimento Hazm, outro grupo rebelde que atua no norte da Síria, disse que os apedrejamentos aconteceram e que eles "contradizem os princípios da revolução". Fonte: Associated Press.