Na água, na maternidade ou no centro cirúrgico. Cesárea ou normal. A hora do parto é um dos momentos mais importantes para a mulher que vai gerar um filho. É também uma das ocasiões que elas mais temem com receio da precarização a que muitas vezes são submetidas, durante todo o processo que envolve dor e os riscos à saúde. Isso porque cerca de 25% das grávidas do país - de acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo - sofrem de violência obstétrica. Isso acontece principalmente quando a vontade da mãe não é respeitada durante o pré-natal e o parto, e ela é submetida a procedimentos a contragosto, como a própria cesariana.
Segundo uma pesquisa realizada pela UNICEF em 2017, o Brasil tem uma taxa de partos cirúrgicos de 57%, muito acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, as parturientes, sobretudo negras [segundo dados do último Relatório Socioeconômico da Mulher de 2014], também sofrem com agressões físicas (a exemplo do corte do períneo), verbais (quando, por exemplo, a equipe médica censura os as reações de dor da mulher), e até mesmo psicológica, por meio da proibição de um acompanhante com a parturiente ou desrespeito ao plano de parto.
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No intuito de combater essa série de problemas, uma nova ideia sobre o parto tem sido cada vez mais fortalecida: o parto humanizado. De acordo com a médica obstetra Ana Cavalcanti, a humanização do parto chega para corrigir erros e fazer um resgate fisiológico extremamente necessário para luta contra práticas comprovadamente obsoletas.
No parto humanizado, um dos principais objetivos é o resgate da autonomia da mulher em decidir como, onde e com quem gostaria de parir. “O modelo obstétrico brasileiro está falido. Hoje nós temos uma das maiores taxas de cesariana do mundo, contribuindo para elevados índices de mortalidade materna e perinatal”, esclarece.
Humanizar: o despertar do parto
Como o próprio nome já diz, a humanização do parto consiste em um conjunto de medidas e práticas que visam adequar a realização do parto dentro de uma perspectiva menos medicalizada e hospitalar, entendendo tanto a mulher quanto o bebê como protagonistas do processo do parto, realizando-o de maneira mais humana e acolhedora. Neste procedimento o desejo da mãe deve ser respeitado e seu bem estar deve ser preservado.
O parto humanizado vem como maneira de combater a violência obstétrica, a redução da taxa de mortalidade infantil e de puérperas.Muitas mulheres são vítimas de violência obstétrica no Brasil, o que muitas vezes resulta em procedimentos desnecessários.
“Frequentemente, as mulheres têm seus períneos [região entre o ânus e a vagina] cortados na intenção de ampliar o canal de parto. Isso do ponto de vista científico é altamente questionado. Mas isso tem sido feito como rotina, sem perguntar ou informar a mulher”, aponta Ana Cavalcanti.
O parto humanizado pode ocorrer na cesária?
De acordo com a obstetra, o parto humanizado pode ocorrer tanto no parto normal quanto na cesárea. Tudo acontece de maneira que haja promoção de saúde e bem estar da mãe e do bebê. Na humanização, uma cesariana ocorre quando há indicação médica para casos específicos e, ainda assim, é respeitado o desejo da mulher.
Ou seja, é possível tornar um procedimento cirúrgico bastante acolhedor, por exemplo com o uso de música, luzes baixas, permissão do acompanhamento de familiar, além contato mãe e recém-nascido precoce e contínuo (ou seja, desde o exato nascimento do bebê, sem as interrupções feitas por médicos para corte de cordão umbilical, limpeza, entre outros procedimentos).
Já em um parto natural ou normal (sem qualquer intervenção médica), é definido como aquele que acontece sem intervenções cirúrgicas. “Isso significa deixar a natureza fazer o seu trabalho, realizar um mínimo de intervenções médicas e apenas as autorizadas pela gestante – sempre levando em consideração a segurança e saúde dela e do bebê. Para isso acontecer, é preciso que ambos estejam bem e saudáveis, sem nada que exija cuidados extras”, ressalta Ana.
Dar a luz deve ser sinônimo de acolhimento
Para a assistente social Rebeca Ramany, humanizar é mais que preciso. Ela, que já passou por dois processos de gestação, optou pela prática nas duas vezes e teve parto natural. “Foi uma das melhores experiências que eu já tive”, garante. “Eu queria um momento íntimo, particular e próprio da gente (ela e o parceiro), dessa nova formação familiar com a chegada dos nossos filhos (Lara e Francisco). Eu enxergo o parto humanizado como um momento único da vida da mulher”, explica Rebeca.
Nos dois processos, ela escolheu ter um parto domiciliar planejado, com uma equipe multidisciplinar formada por 4 enfermeiras obstetras e uma doula (profissional que realiza técnicas para alívio da dor, apoio emocional e técnicas de relaxamento para a parturiente).
Ela garante que procurou se informar muito sobre todo o processo e escolheu uma equipe em que se sentiu segura. “Escolhi o parto humanizado porque depois de muitos estudos e contato com pessoas militantes do movimento pela humanização do parto, eu decidi que queria assumir o protagonismo, tomar a frente do processo, sem muitas interferências externas, sem pessoas falando o que eu deveria ou não fazer”, conta.
De acordo com a obstetra Ana Cavalcanti, o parto domiciliar deve ser planejado e estudado. A paciente deve ser de baixo risco e preencher requisitos para a sua realização. “Uma paciente com alguma intercorrência durante o pré-natal deve ser avaliada por um médico obstetra e optar, como medida mais segura a possíveis riscos, um parto hospitalar. Um pré natal de alto risco também não contra-indica o parto normal, natural e/ou humanizado. Porém, o ideal é que ele ocorra em ambiente hospitalar”, endossa a médica.