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A crise econômica que afetou o país nos últimos anos não só fechou vagas de emprego como também comprometeu o rendimento dos trabalhadores de cinco dos nove setores da iniciativa privada analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda real, considerando a inflação, ultrapassou a média de 16% em cinco anos.

Entre o primeiro trimestre de 2014 e o primeiro de 2019, os trabalhadores do segmento de alimentação e hospedagem e da construção e do transporte foram os que tiveram as maiores perdas reais na renda mensal, de 7,2% a 16,3%.

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De acordo com o economista Guilherme Pappi, a redução de 4 milhões de brasileiros no mercado formal explica a razão de os profissionais dessas áreas terem sido os mais afetados pela queda no rendimento.

Isso porque, conforme apontam dados do IBGE, em 2014, quase 37 milhões de brasileiros trabalhavam com carteira assinada. Já 2018 terminou com pouco menos de 33 milhões. "A formalidade é responsável por mais estabilidade no trabalho, o que proporciona um efeito psicológico no indivíduo de se programar para compras parceladas de médio ou longo prazo, o que beneficia toda cadeia produtiva gradativamente", explica Pappi.

Ele acrescenta que "a menor atividade econômica tem influência direta sobre volume de hospedagens, seja para turismo ou para negócios ou mesmo para os transportes de cargas e de passageiros, afetando a qualidade desses empregos. A alimentação também está relacionada à renda e à formalidade, uma vez que mais empresas fornecendo vale refeição aos funcionários impacta em uma demanda firme no comércio das cidades. E a construção civil necessita de estabilidade, uma vez que são compras em sua grande maioria de médio a longo prazo".

Números em alta

Somente os trabalhadores da agricultura apresentaram aumento real no rendimento habitual, de 5,2%. Para o economista, isso se deve ao fato de o setor ter apresentado nos últimos anos crescimento notório acima dos demais segmentos da economia do país. "A carne bovina brasileira, além de ser estratégica para a cadeia e para a economia doméstica, é de extrema importância para a segurança alimentar mundial. Este setor é prioritariamente exportador e o Brasil bate recordes de exportação no agronegócio, mantendo ou crescendo a renda dos trabalhadores dessa área", comenta.

Já os trabalhadores do setor público tiveram um ganho real ainda maior, de 7,5% por mês. Pappi lembra que os gastos públicos com funcionalismo tiveram um forte incremento no decorrer da gestão Lula e Dilma. "Por muitos anos os gastos do governo ajudaram a impulsionar a economia pela via da demanda, mas ao mesmo tempo gerou impactos inflacionários. O setor público é prioritariamente formal e estável", pondera.

Foto: José Cruz / Agência Brasil

Com o alto índice de desemprego, que, ainda segundo o IBGE, atinge 13,4 milhões de brasileiros, muitos trabalhadores caíram no mercado informal. Pappi afirma que a informalidade tem tudo a ver com a diminuição no rendimento dos trabalhadores, não apenas por receberem salários diretos menores e perderem benefícios, mas por criar um ambiente econômico com menor demanda agregada, prejudicando a vitalidade econômica do país.

"Portanto, mesmo como profissionais liberais donos de seus pequenos negócios haverá uma crescente escassez de clientes e estes com renda cada vez menor que acaba afetando todo o conjunto da economia, alguns com maior outros com menor velocidade", avalia o economista.

Volta ao setor financeiro

Comparada aos demais setores da economia, a lucratividade do setor bancário é historicamente a mais elevada. Nos últimos cinco anos o rendimento mensal dos trabalhadores da área financeira não foi negativo como o de outras áreas, com alta na remuneração média mensal de R$ 3.238 para R$ 3.245. Contudo, profissionais do setor também perderam seus postos de trabalho no período e, consequentemente, tiveram queda significativa na renda. É o caso da bancária Juliana Pelloso, 44 anos, que trabalhou mais de vinte anos na área financeira e em 2017 perdeu o emprego em decorrência da recessão. Ela também recorreu ao mercado informou, mas agora conseguiu retornar ao setor financeiro por meio dos bancos digitais.

"Meu marido tem uma pequena empresa de serviços automotivos e por causa da crise ele também teve que deslocar alguns funcionários, inclusive da área financeira. Então, durante um ano, com a minha experiência como gerente de banco, eu o ajudei no que ele precisava. Agora, no começo do ano, eu recebi a proposta de um banco digital, mas minha renda ainda é menor do que em bancos tradicionais", relata.

Juliana conta que antes da recessão conseguia ganhar mensalmente R$ 10 mil e que hoje sua renda caiu para R$ 6 mil, 40% a menos. No entanto, quando conseguir firmar uma carteira de clientes que buscam por serviços financeiros online, sua expectativa é de que seu rendimento volte a ser maior.

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Colocar o pão na mesa da família é uma tarefa que muita gente tenta cumprir. Em uma das vias mais famosas do Recife, o vendedor ambulante Edvaldo Gomes disputa um pequeno espaço da calçada da Avenida Conde da Boa Vista, no Centro da capital pernambucana, com os pedestres e outros ambulantes para conseguir levar dinheiro em prol do sustento dos cinco filhos e da esposa. Pela necessidade, alguns comerciantes trabalham até sem a autorização dos órgãos públicos.

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No ramo há mais de 38 anos e desde 2002 na Conde da Boa Vista, Edvaldo, hoje com 46 anos, aprendeu cedo a tirar seu sustento das ruas. Criado dentro de uma feira, ele conta que já passou por muita coisa ao longo desses anos na profissão. "Comecei bem pequeno, aos sete anos. Já vendi de tudo um pouco, desde frutas, água, picolé e pipoca, a produtos mais pessoais como massageadores e óculos, mas também já perdi muitas mercadorias", relembra. 

Também presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comercio Informal do Recife (Sintraci), o ambulante conseguiu criar todos os cinco filhos e ainda hoje paga a faculdade da filha mais nova com o dinheiro das vendas. Para ele, ser vendedor ambulante é um dom. "Não é para qualquer um ficar aqui não, você tem que saber vender e ter aquele jeitinho para conquistar os clientes. Além disso, é uma tarefa difícil, a gente mal senta, só tem tempo para comer, ir no banheiro e voltar. Passo o dia todo em pé, e quando chove, mesmo com o guarda sol, é uma luta. Já perdi muitos produtos por causa da chuva também", desabafa Edvaldo, que ainda não possue liberação da Prefeitura do Recife para trabalhar no local. 

Ainda na Boa Vista, próximo a um centro de compras, Ivaí Antônio, aos 50 anos de idade, também revela trechos da sua história. "Aqui todo dia é uma luta, faça chuva ou sol eu tenho que trabalhar. Vendo acessórios para celular, vendo sobrinha, o que tiver eu vendo. Mas é mais fácil trabalhar com isso do que com o emprego que tinha antes", comenta o ex-cobrador de ônibus que está desde 2004 no local e possue liberação da Prefeitura para comercializar seus produtos.

Assim como Edvaldo, seu Ivaí também começou cedo. Ele conta que aos sete anos de idade já vendia picolé e jornal para ajudar os pais em casa. Por conta do trabalho, o ambulante não conseguiu concluir o ensino médio e apesar de já ter trabalhado com carteira assinada achou melhor voltar para o mercado informal. "Aqui eu chego a tirar em média R$ 1,5 mil por mês. Não tem estresse. Chego na hora que quiser e se o dia for bom, eu fecho cedo e vou para casa. Sou feliz com isso porque não tenho aperreio, muito menos preciso viver dependendo de empresa", diz. 

Apesar de também não possuir nenhum vínculo empregatício com empresas ou ter a carteira assinada, o prazer e a satisfação em ter o próprio negócio fazem com que Edvaldo tenha orgulho do seu trabalho. "Me sinto feliz. Faço aquilo que gosto, sou o meu próprio patrão e empregado e não tenho ninguém mandando em mim. Quando é trabalho, tudo é digno". 

Uma certeza entre ambos é de que por falta de opções e com o desemprego em alta, não dá para ficar esperando cair comida do céu. "Como eu vou alimentar minha família sem trabalhar?", questiona Edvaldo. "Essa foi a forma que a gente encontrou de sustentar a nossa casa. Não tem emprego para todo mundo, o jeito é trabalhar por conta própria", complementa. 

Os calos de uma vida de trabalho  

Ainda no Centro do Recife, especificamente na Avenida Dantas Barreto, o vendedor ambulante Marco Aurélio, 48 anos, não teve uma vida nada diferente de Edvaldo e Ivair. Aos oito anos de idade foi vender pipoca e água na rua para realizar um desejo pessoal de colocar tranças no cabelo. Foi daí, que Cigarra, apelido dado pelos amigos a Marco, começou a trabalhar como ambulante. Estudou, completou o ensino médio e aos 19 anos começou a vender laranjas em um pedaço de madeira, que naquela época era sustentada com os braços para chegar ao alcance de quem estivesse passando nos ônibus.  

As marcas nas mãos do vendedor ambulante mostram os calos criados ao longo da vida pelo trabalho duro nas feiras e com as vendas das laranjas no Centro do Recife. Calos esses que contam a história difícil de quem achou na rua um sustento.  

"Não é nada fácil estar aqui. É um trabalho duro, que exige força e coragem. A gente passa por muita vergonha, você precisa se humilhar e reconhecer que precisa desse trabalho, não só por necessidade, mas por obrigação de ter algo digno para ensinar aos filhos", relata Cigarra. 

Ao longo desses 40 anos, ele retrata como conseguiu se manter no mercado formal e como lida hoje com sua rotina pelas ruas da cidade. Confira a entrevista exclusiva: 

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Marco ainda conta para a nossa equipe que foi do trabalho como ambulante que aprendeu a ser honesto. "Daqui eu tiro só coisas boas e o meu sustento. Foi aqui que aprendi a ser honesto, digno de mim mesmo. Foi com o dinheiro daqui que comprei minha casa própria e ainda um sítio. Eu tenho estudo, tenho capacidade de conseguir um emprego formal, mas não troco nada do que faço ou tenho por uma carteira assinada".  

Segundo ele, sua alegria está no trabalho. "Quando eu estou aqui, eu me transformo. Eu sou o rei. Tenho contato com todo mundo, eu tenho prazer em conversar com as pessoas e se eu ganhar R$ 10 no dia, eu estou alegre.  

Mercado informal 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em agosto comprovam que há crescimento do mercado informal. O desemprego tem levado a população a buscar outras alternativas de trabalho, mesmo não tendo carteira assinada ou vínculo empregatício com empresas.  

Segundo o IBGE, no contexto da crise econômica e da consequente falta de oferta de empregos formais, a maioria dos 721 mil brasileiros que deixaram a fila do desemprego no trimestre encerrado em julho trabalhou informalidade. Atualmente, o Brasil possui 10,7 milhões de trabalhadores sem carteira assinada contra 33,3 milhões com o vínculo empregatício.  

“O aumento aconteceu, principalmente, entre os empregados sem carteira assinada, contingente que respondeu por mais 468 mil novos empregos, e entre os trabalhadores por conta própria, que respondeu pelo ingresso de mais 351 mil pessoas no mercado”, aponta o estudo do IBGE. Já a população com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões”, diz a nota do IBGE. 

De acordo com o presidente do Sintraci, hoje existem mais de 5 mil trabalhadores informais no Recife. Mas nem todos os ambulantes que trabalham na Conde da Boa Vista possuem cadastro junto a Prefeitura do Recife para comercializar suas mercadorias. Ainda segundo o sindicato, mesmo não possuindo carteira assinada, a maioria desses vendedores paga o Simples Nacional, tributos Federais, Estaduais e Municipais, para ter direito a aposentadoria.


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