Se tivesse que escolher entre as admiradas artes da história da humanidade, a comédia seria a número um para Davi Villa Real, o empreendedor do Manguetown Comedy Club, a primeira casa pernambucana pensada especialmente para comediantes, principalmente de stand-up.
Popular nos Estados Unidos, a comédia stand-up se baseia no show de piadas feita, normalmente, por apenas um comediante, sem personagens ou grande cenário, apenas um contato mais íntimo do público com suas piadas. Davi conta que, no Brasil, o stand-up completou 18 anos em 2023, um movimento ainda muito recente, mas que tinha muitos artistas, e nenhuma casa.
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“Recife, hoje, é o maior exportador de comédia de stand-up. São Paulo produz muito, porque é uma megalópole, mas, se tirar o eixo São Paulo, não tem um estado como Pernambuco que exporte tanto. E isso era estranho, porque você tem um lugar que exporta, mas não tem um lugar que reside. Todo comediante, quando ele estoura, ele tem que ir para São Paulo”, detalha Davi.
O empreendedor continua explicando a importância da casa, que é um espaço seguro para a arte da comédia: “Todos os movimentos artísticos precisam de uma casa. No Brasil, a música tem o bar e casa de show, as artes cênicas têm o teatro, têm a televisão, mas os comediantes, aqui em Recife, não tinham o seu lar.”
“Eu falo que a gente ainda precisa que existam bares com noite de humor, preciso de humor no teatro, humor em programas de humor na televisão, que hoje em dia tem pouquíssimo. Mesmo assim, a gente [comediantes] precisava de uma casa”, declara.
Os sócios
Davi Villa Real sempre gostou de comédia, mas foi pelo caminho da publicidade, sempre usando o humor nas suas campanhas. Ainda como publicitário, começou a estudar mais seriamente sobre a comédia e suas técnicas. Ao chegar na pandemia, por estar em casa, percebeu que devia seguir o que realmente ama.
Pedro Santos, cresceu em Recife, capital pernambucana, e sempre consumiu stand-up enquanto jovem, mas nunca pensou em realmente subir no palco para fazer isso. Começou estudando mais sobre o humor como um hobby e, na pandemia, fez um curso de stand-up e se encantou. Para viver como comediante, teve que se mudar para São Paulo, onde vive até hoje.
Na esquerda, Pedro Santos e na direita, Davi Villa Real. Foto: Cortesia
Junto com seu amor pela comédia, ambos formaram uma sociedade para criar o Manguetown Comedy Club, o sexto comedy club do Nordeste, mas o primeiro de Pernambuco. O espaço, que era um estúdio de tatuagem, foi todo reformado e tomou uma nova vida. Com cores amarelas e decorações de guaiamum, o Manguetown tomou forma em 2022.
Nathália Moriyama é a terceira sócia, apesar de não ser comediante, mas é esposa de um. Natural de São Paulo, veio para Recife morar com seu marido, que faz apresentações de stand-up, assim como Pedro e Davi. Ela esteve presente no processo de criação do espaço e, em pouco tempo, entrou para a sociedade na parte das finanças.
A sócia Nathália Moriyama. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Mangue e ria
Apesar de ter três grandes cabeças fazendo a casa funcionar, a sugestão do nome não veio dos sócios. A primeira ideia do nome foi ‘Risoflora’, mas foi totalmente trocada quando um amigo sugeriu o nome que se tornaria uma marca pioneira: Manguetown Comedy Club.
Davi explica melhor o significado por trás desse nome: “Além do town, que significa cidade, mangue é um verbo para a gente [pernambucano], né? Que é o mangar. Você vem aqui para mangar e rir, aqui é a cidade da risada.”
Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Contudo, não é só a tradução que liga o nome com o local. Manguetown faz referência ao manguebeat, um movimento de contracultura de Pernambuco que tem como pauta, através da arte, principalmente, a desigualdade socioeconômica, a inclusão social e a importância do mangue. O movimento é marcado pela imagem do caranguejo, muito comum no espaço geográfico do mangue e protagonista do manifesto Caranguejos com Cérebro, que tomou força na voz de Chico Science e Nação Zumbi.
“Nós, hoje, estamos sendo meio que vanguardistas em relação à uma arte no estado [a comédia], estamos tendo que criar um cenário e fazer com que esse cenário seja sustentável. Nos últimos tempos, nada foi mais impactante que o manguebeat. E por estar quebrando esses tabus, é meio que uma vanguarda ou uma revolução que estamos querendo fazer na cena”, detalha Davi.
Com mais de seis meses de fundação, o comedy club recebe artistas de diversos locais e diversas vivências. Sendo pernambucano ou de fora, novato ou com anos no mercado, desde que tenha alegria e piadas para oferecer, a noite de alegria é garantida, como um cinema
“Aqui a gente tem a acústica perfeita, o clima perfeito, não há interrupção de barulho externo, a gente atende falando baixinho, a gente tem uma casa preparada que nem cinema, porque é um espetáculo”, declara o sócio.
O mercado do humor
O financeiro da casa é preenchido com a bilheteria e o consumo. Após uma negociação, parte da bilheteria vai para o artista e a outra parte fica com o comedy club para ajudar a pagar as contas. Davi explica que, apesar de não ter um grande retorno, o espaço recebe atenção por ser pioneiro em Pernambuco, mas quer que a visibilidade aumente ainda mais, não só pro espaço, e sim para toda a cena da comédia.
Porta do banheiro do local onde os comediantes visitantes deixam sua assinatura. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
“Eu tenho comediantes que têm 12 anos aqui na cena, que vivem de comédia, mas precisam de outros meios, entende? É muito ruim você ver comediantes de doze anos não conseguindo garantir desejos da própria família porque não saem de Recife. É uma das coisas que eu quero, é que os comediantes daqui de Recife vivam de comédia aqui e que o público os conheçam”, relata Davi.
Formado em publicidade, o comediante explica que não tem como abandonar sua formação: “Eu ainda vivo da publicidade e do marketing, eu não consigo viver 100% da comédia. Infelizmente, eu não vejo, a longo prazo, viver porque é um cenário muito pequeno em Recife para ter bilheteria ainda. Para o comediante tirar o lucro da venda local, não paga as contas ainda, infelizmente.”
O sóciodetalha seu desejo de ser um ponto inicial ou um "marco zero" para que os comediantes locais possam ver um futuro dentro da comédia. Pedro Santos concorda: “A grande importância do Manguetown Comedy Club é fomentar a cena da comédia na cidade, um espaço para formar novos comediantes”, afirma.
“Querendo ou não, de uns tempos para cá, a comédia foi meio que escanteada pelas outras artes, né? Todas as artes têm um certo destaque e quando a gente fala que é comediante, a galera não leva tão a sério. Embora a gente faça piada, a gente também quer ser um pouquinho levado a sério”, diz Davi, em bom humor.
“Eu preciso muito que o Manguetown cresça, mas meu sonho não é que o Manguetown seja grandioso do tamanho do Teatro Guararapes. Quero que seja um local que as pessoas venham, assistam, saiam felizes e que os comediantes venham, saiam felizes e ricos”, almeja o pernambucano.
Entrada da casa de comédia. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Pedro almeja que o local também se torne referência para o público que vive na cidade e desenvolver melhor o espetáculo do stand-up como uma opção de lazer em Recife, e que o Manguetown seja referência nisso.
O projeto, que começou há pouco tempo, já está colhendo frutos e plantando novos: “Nós vamos, futuramente, promover alguns cursos. Não só para se tornar comediante de stand-up, mas a comédia como ferramenta de ensino. Ela é muito boa para desenvolvimento da educação básica, como em oratória, como se relacionar nos negócios, como fazer campanhas publicitárias com a risada”, afirma o publicitário.
Davi, Pedro e Nathália se reúnem em nome de uma cena grande porém muito ofuscada em Pernambuco. Aos poucos, de uma forma ou outra, eles desenvolvem meios para fazer com que o negócio se torne cada vez mais lucrativo e o humor seja uma indústria forte no estado. E no final de tudo, quem sabe essa história não rende um bom roteiro de stand-up?
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