Tópicos | ano sem carnaval

A falta do Carnaval no ano de 2021 causou sentimentos conflitantes entre os brasileiros. Por um lado, a ciência da gravidade da pandemia do novo coronavírus e da necessidade de conter o avanço dos números de infecção, conformou aqueles que esperam ansiosos pela maior festa do país. Por outro, a saudade de botar o bloco na rua fez o ciclo passar envolto em lágrimas e melancolia. 

Já outra parte significativa da população acrescentou ao mix de sentimentos a preocupação. Os trabalhadores da cadeia produtiva do carnaval se viram sem ter como gerar a renda de um ano inteiro e a busca por ajuda foi inevitável. No Recife, o anúncio de um auxílio emergencial - o AME Carnaval do Recife -, feito no início do mês de fevereiro pelo prefeito João Campos (PSB), surgiu como bálsamo para essa classe de profissionais. No entanto, dificuldades enfrentadas para o acesso ao benefício e disparidades entre os valores oferecidos transformou o alívio em tormento.

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Integrantes de agremiações carnavalescas da capital pernambucana, que preferiram não se identificar,  procuraram o LeiaJá para relatar suas dificuldades. Segundo eles, a comunicação com a Prefeitura do Recife (PCR) tem sido bastante difícil e aqueles que estão encontrando dificuldades em fazer seu cadastro na plataforma do AME acabam ficando sem respostas. Além de e-mails e telefonemas que não são respondidos, atendentes que se dispõem a falar com os trabalhadores para sanar suas dúvidas não o fazem a contento. “A gente tem que recorrer ao suporte técnico que não funciona bem. Tem grupos que quando conseguem falar, o cara faz: ‘leia o edital’. Mas se o número é pra dar ajuda às pessoas que não estão conseguindo, pra que o cara atende e manda ler o edital?”.

O problema é maior em grupos que são liderados por idosos. “Existe uma dificuldade com agremiações que não têm muita experiência com computador e tudo é feito pela internet. E eles não permitem que as associações representem as agremiações sabendo que muitas delas são lideradas por senhores que não tem familiaridade com internet”. Além disso, uma aparente desorganização no sistema de inscrições está preocupando os grupos quanto ao recebimento do benefício: “O representante de um grupo não estava conseguindo se inscrever, mandou e-mail, ligou, foi até à Prefeitura para pegar informação e descobriu que o grupo já estava inscrito, sendo que o responsável era ele”. 

Outros critérios do edital como o veto do benefício à agremiações que tenham como representante alguém com vínculo empregatício com entidades da administração pública ou empresas privadas, e ainda, os que definem o valor a ser recebido têm intrigado a classe. “Aqueles que participaram do concurso (oficial do Carnaval da cidade) receberão 50% da subvenção, os que não participaram e só fizeram alguma apresentação vão receber o valor baseado no último cachê recebido, então alguns grupos receberão valores bem inferiores e outros valores maiores. É como se fosse: ‘olhe, a gente pelo menos tá fazendo alguma coisa, aceite do jeito que está’”. 

O AME foi anunciado no início de fevereiro como uma medida emergencial para minimizar os impactos financeiros, causados pela não realização do Carnaval em 2021, entre os trabalhadores da folia. O plano é destinado à agremiações e artistas, sediados na capital pernambucana, que se apresentaram no ciclo carnavalesco de 2020 e visa o repasse de cerca de R$ 4 milhões para cerca de 160 agremiações e 900 atrações artísticas. 

Em resposta ao LeiaJá, confira o que diz a gestão:

Durante todo o período de inscrições, está funcionando um atendimento presencial no térreo do prédio sede da Prefeitura do Recife, para pessoas com deficiência ou que não puderem realizar a solicitação pelo site. Apesar do agravamento da pandemia em todo o país, que exigiu dos poderes públicos medidas de controle sanitário mais severas, entre elas o rodízio de servidores e a restrição do acesso ao público à sede da Prefeitura do Recife, implementadas esta semana, o atendimento presencial para as inscrições do AME foi preservado, devido à importância e urgência do serviço prestado.

Em respeito aos protocolos sanitários, o acesso do público é limitado e precisa ser agendado pelos telefones: (81) 3355-8582 e (81) 3355-9013, também disponíveis, de segunda a sexta, das 9h às 17h, para esclarecimento de dúvidas. A Prefeitura do Recife disponibiliza ainda o e-mail para prestar informações. O cadastro deve ser feito por um representante de cada atração/agremiação que se apresentou no Carnaval 2020. No caso das agremiações carnavalescas que, obrigatoriamente, farão sua inscrição através do próprio CNPJ, o seu representante será, automaticamente, o seu responsável legal.

Uma mesma atração/agremiação não pode ter dois representantes, assim como um mesmo CNPJ ou CPF não poderá ser informado para representar mais de uma agremiação/atração. Em caso de duplicidade ou desencontro de informações, as agremiações/artistas envolvidos são contactados para esclarecimentos.

Criado pela Prefeitura do Recife para amparar os trabalhadores e trabalhadoras da cadeia criativa do Carnaval e da cultura, uma das mais impactadas pela pandemia e pela necessidade de suspensão de eventos e aglomerações, o Auxílio Municipal Emergencial (AME) - Carnaval do Recife equivale a 50% do valor máximo unitário de cachê, para atrações artísticas, ou de subvenção, para agremiações, tendo por base o Carnaval 2020, respeitando o teto de R$ 10 mil para cada beneficiado.

O cálculo para definição do valor do auxílio para cada agremiação/atração beneficiada é feito a partir do valor unitário de subvenção ou de cachê recebidos no Carnaval do ano passado. Para atrações, será considerado o maior valor de cachê recebido, desde que não ultrapasse o teto máximo estabelecido, de R$ 10 mil. Já o auxílio pago às agremiações será calculado a partir do valor da subvenção recebida no Carnaval 2020.

O Carnaval é uma das maiores manifestações populares da cultura brasileira. Durante uma semana, foliões e folionas ganham as ruas, para brincar e extravasar uma alegria dificilmente vista em outros períodos do ano. Mas, para que toda essa festa aconteça, milhares de trabalhadores colocam a mão na massa, nos meses que antecedem a data, promovendo o aquecimento da economia dos municípios e a geração de postos de trabalho, diretos ou indiretos. 

Em 2021, o agravamento da pandemia do novo coronavírus forçou o cancelamento da festa em território nacional para a tristeza dos brincantes e preocupação desses profissionais que dependem do Carnaval para seu próprio sustento. Nesta reportagem especial, o LeiaJá conversou com alguns trabalhadores da folia sobre o prejuízo que um ano de parada em seus ofícios ocasionou. 

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Neste domingo (14), Nazaré da Mata, cidade a 60 Km do Recife (PE), conhecida como a Capital do Maracatu Rural, amanheceu silenciosa. Assim como nas demais localidades com forte tradição carnavalesca, o vazio das ruas era o retrato de 2021: o ano em que a pandemia do novo coronavírus nos 'roubou' o Carnaval.

Tal silêncio, no entanto, foi quebrado momentaneamente por um caboclo solitário que, devidamente caracterizado, deu um pequeno passeio pela cidade para manter viva a tradição. Assim como ele, alguns outros brincantes da manifestação, em cidades como Araçoiaba e Condado, vestiram suas fantasias para marcar a data e manterem viva sua tradição. 

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Em Nazaré, a iniciativa foi de Anderson Miguel, mestre de apito do Maracatu Águia Misteriosa e um dos mais importantes mestres da nova geração do baque solto. Para marcar o Carnaval 2021, o mestre deixou a bengala de lado, vestiu-se de caboclo e saiu para um passeio solitário pela cidade. "Sozinho, sem aglomerar; o caboclo, ele é um herói. Eu fico sem meu Carnaval não, podem me prender", disse.

O 'mestre-caboclo' fazia referência à proibição expressa do Governo do Estado à qualquer manifestação carnavalesca, em virtude da pandemia. Representantes do Ministério Público chegaram a visitar a sede do Águia Misteriosa para orientar sobre as restrições que, caso descumpridas, resultariam em multa ao maracatu.

De máscara e sozinho, Mestre Anderson fez um pequeno percurso para deixar marcado o Carnaval 2021. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Antes da saída de Anderson, o estandarte da agremiação foi posto do lado de fora da sede, como forma de marcar o momento. Para o presidente do Águia Misteriosa, Vicente Manoel da Silva, a dor de passar um ano sem Carnaval - o primeiro em 50 dedicados à festa -, mal podia ser colocada em palavras: "É muito difícil", limitou-se a dizer.

A preparação para o passeio foi cuidadosa, com direito a banho de limpeza, para proteger contra más energias, uma tradição do brinquedo. O banho foi preparado por Dona Maria Célia, filha do fundador da agremiação, Seu Zé Rufino, e esposa de Vicente. Ela se dedica ao maracatu desde os 10 anos de idade e nunca tinha visto um Carnaval como esse. Emocionada, ela chorou ao ver Anderson fazer as primeiras manobras, já na rua.

Dona Célia registrou a saída de Anderson e chorou, emocionada. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

No seu trajeto solitário, o caboclo percorreu cerca de 1,6 km. A passagem de Anderson, que precisou trocar o cravo que se leva na boca, segundo a tradição da manifestação, pela máscara de proteção, chamou a atenção dos moradores que acenavam das janelas e portões das casas. O passeio terminou em frente à catedral da cidade, localizada na Praça Papa João XXIII, onde ele fez seus últimos movimentos.

De volta à sede do Águia, Seu Vicente o recebeu com os olhos marejados e um sorriso de alento no rosto. "Um (caboclo) conta por todos, né?", disse em tom de comemoração. Para Anderson, a sensação foi de ter cumprido uma missão: "Nazaré da Mata é a terra do maracatu, não é um vírus que vai parar nossa tradição. Foi tudo muito certinho, seguindo os protocolos; eu posso dizer que eu brinquei o Carnaval, com a esperança de dias melhores".

Na praça, o caboclo higienizou as mãos com álcool. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

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#CabocloNaRua

Assim como o mestre Anderson, outros folgazões do maracatu rural, como são chamados os brincantes, fizeram questão de deixar marcado o Carnaval de 2021. Espalhados pelas cidades de Nazaré, Araçoiaba,Condado e também na Região Metropolitana do Recife, os caboclos vestiram suas indumentárias e registraram a resistência de sua tradição. Paramentados com a máscara de proteção, eles compartilharam pela internet as imagens de suas evoluções acompanhadas pela hashtag #CabocloNaRua. 

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Na última quinta (17), o Governo de Pernambuco oficializou sua posição quanto à realização do Carnaval no ano de 2021. Em coletiva de imprensa realizada pelas redes sociais, o secretário de saúde do Estado, André Longo, anunciou a suspensão do ciclo carnavalesco em Pernambuco, no próximo ano, devido ao aumento dos números da pandemia do novo coronavírus em solo pernambucano. Na data do anúncio, o Estado contabilizava 203 mil diagnósticos de Covid-19 e 9.361 mortes pela doença. 

A decisão dos gestores pernambucanos, no entanto, não causou muita surpresa na população. Outros Estados brasileiros, com Carnavais tradicionais como o de Pernambuco, já haviam decidido pela não realização da festa em 2021, a exemplo da Bahia e Rio de Janeiro; bem como São Paulo e Brasília. O aumento nos números da pandemia e na ocupação de leitos nos hospitais locais, além da incerteza quanto à data da chegada da vacina contra a Covid no país também davam indicativos da suspensão dos festejos momescos. 

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Com a decisão assinada, resta agora aos fazedores de Carnaval se articularem para que o ano não seja totalmente perdido. Para esses profissionais, a festa representa muito mais do que folia, garantido-lhes o sustento da família e provisões para além do período carnavalesco. O Carnaval de Pernambuco é considerado o quinto maior do país em faturamento e, só no Recife, o ciclo momesco de 2020 rendeu ao município R$ 1, 4 milhão. 

Em entrevista ao LeiaJá, Rafael Nunes - presidente da Federação das Escolas de Samba de Pernambuco (FESAPE), da Liga Nordeste das Escolas de Samba, da Escola de Samba Pérola do Samba e ainda, vice-presidente da Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba)  -, disse concordar com a decisão do governo, que ele classifica como “racional”. O carnavalesco contou que a suspensão já era esperada dentro do seu segmento e que muitas agremiações nem se prepararam para 2021. 

No entanto, Nunes faz uma ressalva; ele acredita que o poder público deva abrir um diálogo com a cadeia produtiva do Carnaval na busca de soluções para aqueles que dependem da festa para faturar. “ O governo devia sentar com quem produz Carnaval aqui no estado para conversar. A Fesape tem um projeto pronto para as agremiações não serem totalmente penalizadas e poderem mover a economia da sua comunidade. A apresentação de lives com seu samba enredo, no YouTube, pro seu público poder prestigiar de forma segura, em casa, o que seria o desfile de cada escola na avenida. A gente tá esperando o novo governo (municipal) tomar posse pra gente apresentar essa saída para que os carnavalescos não fiquem parados durante o ano”, disse. 

Segundo o presidente da Fesape, a maioria das escolas de samba não se preparou durante o último ano para um possível Carnaval em 2021. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens/Arquiivo

Esse diálogo com o poder público já vinha sendo solicitado por parte dos trabalhadores da cultura pernambucanos desde meados de 2020. Em agosto, o coletivo  Acorde - Levante Pela Música de PE, formado por músicos e produtores locais, publicou em suas redes sociais uma carta aberta sugerindo um debate com os gestores acerca do tema. Já em outubro, o coletivo, em nova carta aberta, sugeriu propostas para a realização segura do Carnaval 2021 e, nesta última quinta (17), após o anúncio oficial da suspensão do ciclo, o grupo voltou às redes para propor uma conversa a fim de criarem juntos soluções que “garantam trabalho e renda para as pessoas que fazem o Carnaval, e também sejam capazes de amenizar, no coração do folião, a falta que fará não estar nas ruas, brincando junto com a multidão”. 

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Para o presidente da Associação dos Maracatus de Baque Virado de Pernambuco (Amanpe), Fábio Sotero), a falta de abertura entre gestões e classe artística é um “desrespeito”. “ O Governo do Estado, através da Fundarpe e da Secretaria de Cultura, não nos deu nenhuma satisfação, em momento algum, em relação à nossas perdas. Porque eles não estão cancelando um simples evento, um simples lazer, eles estão cancelando ou suspendendo o ganha pão de milhares de trabalhadores da área da cultura que dependem exclusivamente do Carnaval. O que realmente o Governo do estado fez? Cancelou ou a suspendeu? A gente tá com essa dúvida”, diz frisando que nenhum grupo ou artista da classe foi consultado antes do aviso da suspensão - realizado, também, sem a presença de qualquer representante da pasta de Cultura.  

Fábio conta que dentro da categoria do Maracatu de Baque Virado, ou Maracatu Nação, diversas pessoas trabalham para que um desfile seja organizado. São costureiros, aderecistas, luthiers, fora os desfilantes que saem na corte e no batuque. Muitos desses dependem do apurado da festa para se manterem durante todo um ano.

Os impactos de não haver um Carnaval atingem diretamente o bolso dessas pessoas, mas também, o emocional. “É um período de no mínimo cinco, seis meses, várias pessoas convivendo, trabalhando em prol daquele instrumento, das fantasias; esse período que a gente ta aquartelado praticamente, sem atividade, a gente já tá de uma forma... Eu confesso que às vezes eu vou pra sede (da nação), porque eu não aguento ficar longe do pessoal”, diz o presidente que também dirige a Nação de Maracatu Aurora Africana. 

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Para o representante da Amanpe, é possível haver atividades seguras para marcar o Carnaval de 2021, ainda que de forma bastante diferente do tradicional. Ele diz que assim como as nações, várias ouras categorias de agremiações já estão pensando em alternativas para não ficarem parados durante um ano inteiro. Mas, para que os projetos possam sair do papel, deve-se haver espaço para tanto. “Isso a gente só pode fazer quando a  gente sentar com os gestores, eles são nossos principais clientes, são eles que nos contratam para as apresentações, a gente depende do aval deles, a gente precisa que eles nos entendam e cheguem a um determinado acordo. O Governo do Estado não fez absolutamente nada pelos trabalhadores da cultura em geral (durante a pandemia). O auxílio emergencial é do Governo Federal, o dinheiro tá vindo de lá, a Secretaria da Fultura e a Fundarpe não fizeram absolutamente nada para auxiliar, para dar uma ajuda aos trabalhadores da cultura.”

Trabahadores que dependem do Carnaval estão preocupados com a falta de trabalho e renda. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens/Arquivo

Diálogo e auxílio

Procurados pelo LeiaJá, a Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco) e Secretaria de Cultura informaram que, atualmente, é a Secretária de Turismo e Lazer (Setur) o órgão à frente dos assuntos pertinentes ao Carnaval. A reportagem tentou estabelecer contato com a assessoria da Setur, porém, não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço está aberto para qualquer esclarecimento. 

Já as prefeituras do Recife e Olinda não responderam aos questionamentos enviados. No entanto, a reportagem apurou junto à fonte ligada à classe artística que já foram iniciadas discussões junto aos gestores olindenses bem como na última sexta (18), alguns representantes de agremiações estiveram na sede da Prefeitura do Recife para tratar do tema em uma reunião “bastante favorável”. 

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