Tópicos | garotas de programa

Uma operação coordenada por quatro órgãos públicos, realizada em Itapira-SP, no mês de junho, resultou em um feito histórico. Pela primeira vez, um acordo possibilitou o reconhecimento de vínculo de profissionais do sexo, segundo o Ministério Público do Trabalho. O acordo entre as partes ocorreu na quinta-feira (20) e beneficiou três mulheres.

Ministério Público do Trabalho da 15 região (MPT-15), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF) atuaram juntos na operação que fiscalizou dois estabelecimentos na cidade, após receberem denúncia de trabalho análogo a escravidão.

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A investigação constatou que as profissionais trabalhavam de forma informal, todavia não achou qualquer situação de trabalho escravo, tráfico de pessoas ou exploração sexual.

Após constatar a relação de trabalho informal, foi proposto aos estabelecimentos a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), onde eles estariam se comprometendo a contratar formalmente as profissionais, conforme a Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) nº 5198, “profissional do sexo”.

Segundo a procuradora do Ministério Público do Trabalho Andréa Tertuliano de Oliveira, representante do Órgão na operação, “a Classificação Brasileira de Ocupação elenca o profissional do sexo como ocupação válida; assim, acordos como esse minimizam a vulnerabilidade da profissão e permitem sua regularização, com acesso aos direitos trabalhistas”.

Um dos estabelecimentos já assinou a carteira das funcionárias. Já o outro ainda não o fez, tendo prazo de 30 dias, sob pena de R$2 mil por trabalhador em caso de descumprimento.

Duas jovens de 20 e 21 anos, que foram vítimas de tráfico de pessoas, foram resgatadas de um bar em Itapoã, no Distrito Federal, onde eram vítimas de exploração sexual e estavam em situação de trabalho análogo à escravidão. As jovens foram aliciadas com uma falsa oportunidade de emprego na capital federal, em que ganhariam cerca de R$ 50 mil por mês para serem garotas de programa. 

Moradoras do interior do Ceará, as duas garotas viajaram de ônibus para a capital e, de lá, tiveram as passagens custeadas por uma das responsáveis do bar. Depois as passagens foram revertidas em dívidas para as próprias vítimas. 

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De acordo com o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), o auditor fiscal do trabalho Maurício Krepsky, as jovens foram vítimas de tráfico de pessoas para exploração de trabalho análogo à escravidão. “Elas foram submetidas a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes e restrição de liberdade por servidão por dívida”, detalhou. 

Ao chegarem no bar, em Brasília, as meninas foram informadas de que não poderiam se ausentar do local e passaram a dividir um quarto, onde eram feitos os programas sexuais para clientes. O Detrae também informou que não havia período de descanso diário ou semanal, e que elas precisavam trabalhar mesmo quando o bar estava fechado. “Houve situações em que foi relatado trabalho até às 4h da manhã, horário em que as duas foram dormir, sendo acordadas pela gerente do bar às 5h para estarem prontas para novos atendimentos”, relatou o auditor. 

Resgate

A Polícia Civil invadiu o local no dia 18 de novembro e resgatou as garotas, após denúncias. Elas foram acolhidas pela assistência social do Distrito Federal e a inspeção do trabalho identificou que os trabalhos realizados no bar tinham as características de relação de emprego, mas com graves violações de direitos humanos. 

No dia 23 de novembro as vítimas foram ouvidas pela Detrae e, lá, contaram que, tinham o entendimento prévio sobre a quitação do pagamento do valor dos custos das passagens e que o valor de um programa ficaria com elas e o outro, com a gerente do bar. No entanto, os pagamentos eram retidos e nenhum dinheiro ficava com as garotas. “O valor de cada programa era em média R$ 150 por meia hora de sexo, sendo que elas sequer tinham conhecimento ou controle dos valores, pois os pagamentos eram feitos no caixa do bar. Elas eram proibidas de receber pagamento diretamente. Quando quiseram voltar à cidade de origem, foram proibidas sob a alegação de que estavam devendo para o bar”, explicou a auditora fiscal do trabalho,  Alessandra Teixeira, que conduziu a oitiva das vítimas. 

Além de tudo, a alimentação que elas recebiam era precária e insuficiente, e outros itens eram “vendidos” com preços abusivos. “Era fornecido 10 pacotes de macarrão instantâneo para seis trabalhadoras por seis dias, além de arroz e ovo. Quem quisesse mais, deveria “comprar” ou aumentar a dívida. Um copo de macarrão instantâneo custava R$ 15”, informou Alessandra. Nos casos de recusa de fazer o programa, era aplicada uma multa de R$ 150.

De uma juventude conflituosa, muito se guarda na memória. É difícil esquecer-se de uma época em que sair de casa em nome de uma identidade de gênero foi a única alternativa diante do preconceito e da rejeição familiar. Aos 14 anos de idade, Francine Correia revelou-se à família como transexual e acabou sendo expulsa do próprio lar; saiu da cidade de São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife, e descobriu as realidades das ruas do Centro da capital pernambucana, tornando-se profissional do sexo antes mesmo de completar a maioridade.

Em frente à Casa da Cultura fez os primeiros contatos com os clientes. A escolha pelo local, segundo Francine, se deu pela facilidade de chegar ao Centro do Recife, além do conhecimento construído com outros profissionais do sexo que atuavam na área. "Saí de casa muito cedo porque dividi minha sexualidade com meus pais. A gente não saía das nossas casas como travesti, trans ou homossexual, a gente saía como gay. Até trabalhei em casas como doméstica, mas quando ficava desempregada, ia para a rua; fui aprendendo a partir dos 14 anos, conversando com os clientes", recorda. 

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Hoje, aos 43 anos de idade, Francine mostra que superou o atrito familiar. No entanto, ainda tenta passar por cima de um cenário de crise, em alguns momentos desolador, que corresponde à vivência como profissional do sexo nas ruas. De acordo com ela, além dos riscos de violência nos espaços públicos, a escassez de clientes se apresenta como o principal problema enfrentado por travestis e transexuais que tentam conquistar uma renda ou complementá-la. Nos finais de semana, insiste em aguardar companhias na Avenida Mário Melo, área central da cidade, cobrando inicialmente R$ 50 por programa. "Hoje você pede R$ 50 e o cliente oferece R$ 30, e olhe lá. Quem vive hoje de prostituição de rua morre de fome", comenta.

Francine não consegue definir ou até mesmo descrever o perfil de seus clientes, além de garantir que nunca perguntou quem é ou não comprometido. Segundo a profissional do sexo, é praticamente impossível somar uma renda fixa mensal com o dinheiro oriundo da prostituição, e por isso, ela ainda trabalha como cabeleireira no bairro do Curado, no Recife, onde reside sozinha. "Já teve noite de eu não pegar cliente. Se em um final de semana aparecerem três, cinco pessoas, já é muito para os dias de hoje", conta.

Assim como Francine, a travesti Roberta Paris (foto), 42 anos de idade e com quase duas décadas como profissional do sexo, também enxerga diminuição na clientela. De acordo com ela, há cerca de cinco anos sua renda oriunda dos programas sexuais era em torno de R$ 1 mil. "Hoje só consigo ganhar mais ou menos R$ 100 por semana. Trabalho na Imbiribeira, a partir das 20h, mas está muito complicado. Há poucos clientes, são contados a dedo. É muita violência na rua e aumentou o consumo de drogas", diz Roberta, justificando a ausência da clientela.

Roberta revela que a maioria de seus clientes corresponde a homens adultos, muitos deles envolvidos em problemas de relacionamento. Ela afirma que, em algumas ocasiões, não chega nem a praticar sexo, pois o cliente se contenta apenas com uma boa conversa e troca de conselhos. "Às vezes somos até um pouco de psicóloga", brinca.  Para a profissional do sexo, esse tipo de trabalho está acabando, principalmente para as transexuais e travestis com anos e anos de atuação. "Só vou para as ruas porque sou vivida, mas preciso ainda trabalhar como auxiliar de cozinha para complementar minha renda", fala. 

Em uma das esquinas da Avenida Mascarenhas de Morais, no bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife, ao menos cinco profissionais do sexo se reuniram em busca de clientes. O calendário marcava uma sexta-feira, o relógio apontava para quase nove da noite e até então, nenhum centavo ganho. Uma das profissionais, 36 anos, que preferiu não ter a identidade revelada, confirma a escassez de clientes. Ela afirma que começou a fazer programas aos 16 anos e nunca presenciou uma realidade tão ruim como a atual. “Praticamente não recebemos clientes. A salvação são os mais antigos, que nos conhecem e sempre que podem nos procuram”, conta. 

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Valorização da saúde e o fortalecimento do respeito

O Recife recebeu, no dia 25 de agosto, um evento voltado a profissionais do sexo. O seminário, cujo título foi "Do que nos fala a rua", focou nas mulheres travestis e transexuais, além de homens, e procurou discutir o cotidiano desse público e os desafios existentes no mundo da prostituição. Entre os assuntos abordados, formas de violência, dificuldade no acesso aos serviços de saúde e a diminuição da clientela.

O evento foi promovido pelo Grupo de Trabalho Prevenção Posithivo (GTP+), organização não governamental que há 17 anos realiza ações de prevenção de HIV/Aids, tuberculose, formação em direitos humanos e redução de danos. Coordenador da ONG, Wladimir Reis detalhou ao LeiaJá o contexto dos profissionais do sexo no Recife e Região Metropolitana, alertando para a importância de preservar o respeito a essas pessoas.

"A gente trabalha com uma população de profissionais do sexo ainda mais invisível diante da sociedade: são mulheres travestis e mulheres transexuais. Para esse público, é mais difícil e complexo, porque já não há oportunidades de trabalho formal, então, consequentemente, elas aparecem mais no trabalho sexual. Se a gente entende que as regiões Norte e Nordeste são as mais vulneráveis do Brasil, então, esses são locais abertos a quem busca o sexo barato. Geralmente, recebemos muitos turistas estrangeiros em busca desse profissional mais barato", explica Reis.

"Está mais complicado porque o país vive uma crise. Essa crise é extremamente forte nas populações vulneráveis. Nas regiões mais nobres da cidade, os profissionais do sexo são mais novos e mais bonitos. Quando você vai para os subúrbios e bairros da cidade, a situação fica mais difícil. É importante salientar que esses profissionais fazem programas porque faltam outras oportunidades de trabalho", complementa o coordenador do GTP+.

Uma das mais importantes ações do GTP+ é o Projeto Mercadores de Ilusão. Todas as sextas-feiras, a partir das 22h, integrantes da iniciativa visitam pontos de prostituição no Recife, a exemplo da Avenida Norte, Boa Viagem, Boa Vista, Avenida Mário Melo, Rua da Soledade e Imbiribeira. Durante as visitas, são repassadas informações aos profissionais do sexo sobre prevenção de doenças e valorização dos direitos humanos.

De acordo com a coordenadora do Mercadores de Ilusão, Céu Cavalcanti, na grande maioria das situações, mulheres transexuais e travestis entram no universo da prostituição por problemas sociais, como rejeição familiar e falta de oportunidades de emprego no mercado formal. Ela também destaca que existe uma parcela que realiza programas não por necessidade, mas para complementar a renda financeira.

"Começam a fazer esse trabalho por vulnerabilidades. As meninas travestis, por exemplo, saem muito novas de casa. Mas a gente também encontra pessoas que trabalham para complementar a renda. Aquela ideia de que 'a pobre coitada foi fazer trabalho', é preciso ter cuidado para não estigmatizar", reforça Céu. "No público que a gente atende, a maioria infelizmente nos mostra que está no trabalho sexual por falta de opção. A gente entende que a pessoa não tem outra possibilidade de vida, de comer e trabalhar. A maioria das mulheres transexuais queria fazer outra coisa", complementa.

Em 2013, uma estimativa realizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revelou um dado alarmante. Segundo a instituição, no Brasil, 90% das pessoas transexuais devem ser profissionais do sexo ou ter tido experiência. No que diz respeito ao trabalho do GTP+, interessados em conhecer a ONG podem acessar seu endereço eletrônico.             

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Se há falta de dinheiro ou se os produtos estão cada vez mais caros, a culpa é toda dela: a crise. Ela também é a justificativa para o poder público cortar gastos e reduzir investimentos. A economia brasileira está desgastada e diversos setores não têm o que comemorar. Há quem diga que para diminuir o prejuízo, a população precisa evitar gastos supérfluos. Além disso, não diferente de setores como comércio, serviços e indústria, uma área que envolve desejo e prática sexual parece que também foi afetada pela crise, segundo fontes. De acordo com profissionais do sexo atuantes no Recife, a prostituição tem sofrido com a falta de dinheiro dos clientes.

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Figuras comuns nas madrugadas recifenses, garotas de programa e travestis não estão satisfeitos com a movimentação de clientes. Rebeka Delmer, de 29 anos, é uma dessas pessoas. Há três anos, a recifense se prostitui à beira de uma BR localizada no bairro do Engenho do Meio, Zona Oeste da cidade. Segundo Rebeka, o número de clientes caiu pelo menos 50%.

“Trabalho aqui neste ponto de terça a domingo, a partir das 17h. Na época boa, chegava a atender numa só noite no mínimo quatro clientes. Hoje, por causa desta danada da crise, se eu ficar com dois homens numa noite é muito. E olhe que meu preço é bom... Se for pra transar no carro, meu programa custa R$ 40. Agora, se for no motel, cobro R$ 50. Mas os clientes estão reclamando muito... Eles dizem que não têm dinheiro e às vezes querem transar até de graça”, conta a profissional do sexo. Veja o depoimento de Rebeka no vídeo a seguir:

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Era quase meia noite de uma terça-feira quando a reportagem do LeiaJá entrevistou Vanessa, de 22 anos. Seu ponto de prostituição fica próximo à Avenida Caxangá, nas imediações de um famoso supermercado. De acordo com a profissional do sexo, o local é estratégico e por isso ela sempre teve muitos clientes, porém, “por causa da crise econômica”, Vanessa revela que a quantidade de programas despencou. “Num dia bom, falando com muita sinceridade, eu fazia de 20 a 25 programas. Do começo do ano pra cá a coisa ficou tão ruim que hoje não chego nem a dez. O mês de maio mesmo foi horrível”, relata. A companheira de Vanessa, identificada como Larissa Borm, de 23 anos, também reclama do movimento. “Está muito fraco mesmo! A sorte são os clientes mais antigos. Mesmo assim, até eles estão me procurando com menor frequência”, diz Larrisa. Durante a entrevista que durou cerca de 40 minutos, nossa reportagem não identificou abordagens de clientes às profissionais do sexo. As duas profissionais cobram pelos programas de R$ 40 a R$ 70.

Reclamação também na Zona Sul

Bairro de forte atuação de prostitutas, Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, também tem garotas de programa que estão insatisfeitas com o movimento de clientes. A jovem Poliana, 18, que há três anos vende o corpo na Avenida Conselheiro Aguiar, revela que o número de clientes caiu mais de 50%. De acordo com ela, a reclamação dos clientes é constante. “Amor, não venho mais te procurar porque a crise chegou lá em casa... É isso o que muitos clientes estão me dizendo. O movimento está horrível! O povo está liso”, declara Poliana, afirmando faturar R$ 3 mil mensais. Antes, segundo ela, seu orçamento chegava a R$ 5 mil.

Oferecendo programas sexuais a partir de R$ 100, Tuane França (foto abaixo), de 22 anos, também culpa a crise pela falta de clientes. “Nunca vi um movimento assim. Caiu muito! Eles preferem gastar com outras coisas”, conta Tuane. A garota de programa também se prostitui na Conselheiro Aguiar.

De acordo com a presidente da Associação das Profissionais do Sexo de Pernambuco (APPS), Nanci Feijo, apesar de não existir um levantamento que detalhe queda no número de clientes das prostitutas, já se sabe, de maneira informal, que a crise afetou a prostituição no Recife. Segundo Nanci, durante as ações da APPS de distribuição de preservativos para as garotas, as equipes da Associação estão escutando muitas reclamações sobre a queda na clientela.

“Elas falam que realmente está ruim. Mas na verdade, a crise está afetando praticamente todos os setores da economia brasileira. O que ainda sustenta o orçamento das meninas são os clientes fiéis. As garotas novatas, principalmente que vêm do interior, estão tendo muita dificuldade para encontrar clientes”, diz a presidente da APPS.

Segundo dados da Associação, Recife tem atualmente, pelo menos, 290 prostitutas cadastradas na APPS. Porém, de acordo com Nanci, o número geral, incluindo as não associadas, é bem maior. A presidente revelou que nos próximos meses será realizado um novo levantamento a nível estadual para identificar a quantidade real de profissionais do sexo em Pernambuco.

 

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