A nova regulamentação que entrou em vigor no Brasil, acabando a distinção entre trabalho na empresa, em casa ou a distância, vai exigir que as empresas adotem medidas para evitar questionamentos futuros na Justiça. Pela lei, empregados com carteira assinada, que não exerçam cargos de confiança, que receberem e-mails, mensagens pelo celular corporativo ou que sejam requisitados por qualquer outro meio para desempenhar tarefas fora da sua jornada de trabalho, poderão ganhar hora extra.
Os direitos do profissional remoto foram conquistados por meio da Lei 15.551/2011, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 15 de dezembro último, que alterou a Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), estabelecendo novas regras para o teletrabalho. De acordo com o novo parágrafo acrescentado ao artigo 6º dessa lei “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”
A regulamentação do profissional remoto era uma reivindicação antiga, principalmente das empresas do setor de TI, onde muitas funções podem ser realizadas em qualquer lugar. De posse de um PC em casa, notebook, tablet ou smartphone com acesso internet, alguns empregados nem precisam comparecer ao seu ambiente físico de trabalho para realizar suas tarefas.
Muitos profissionais de TI carregam seu escritório móvel para qualquer lugar e agora, com as aplicações em cloud computing, podem acessar e-mails corporativos e bases de dados da empresa 24 horas, sete dias da semana. Como a CLT é antiga, a nova lei veio com a proposta de acompanhar o avanço da tecnologia e o aumento da preocupação com qualidade de vida. Agora não importa mais onde o empregado está, mas sim se sua tarefa é realizada.
Assim o funcionário contratado em regime CLT e que trabalha longe do escritório passa a ter os mesmos direitos dos outros, como hora extra, adicional noturno e assistência em caso de acidente de trabalho. Entretanto, a forma de controle das horas e a supervisão do trabalho estão gerando polêmicas no mercado.
Necessidade de políticas
O advogado trabalhista Luiz Fernando Alouche, sócio do escritório Almeida Advogados, observa que hoje os funcionários recebem e-mails e acessam às redes corporativas 24 horas, aos sete dias da semana, e que as companhias precisam ficar atentas para não serem vítimas da tecnologia. Ele alerta que a jornada de trabalho dos empregados tem que ser respeitada e que qualquer pedido feito fora do expediente poderá ter que ser remunerado. Caso não haja pagamento de hora extra, o funcionário poderá exigir esse direito na Justiça , após o seu desligamento da empresa.
Alouche alerta que um e-mail enviado ao funcionário após o expediente, apenas pedindo explicações sobre uma tarefa realizada ou não, se configura prova contra a empresa. Para que as companhias não corram riscos, o advogado recomenda que elas estabeleçam suas políticas para os empregados remotos, deixando claro sobre os controles de jornada e também em que situações os funcionários precisam atender imediatamente ligações de trabalho pelos smartphones corporativos, e-mails ou por qualquer outro meio.
As regras têm que estar escritas e informadas aos funcionários remotos. Alouche destaca que o regramento é importante para evitar que os empregados remotos tenham a necessidade de responder mensagens que não são urgentes.
O advogado acredita que iniciativas como a da Volkswagen da Alemanha deverão ser seguidas por outras companhias. A montadora de carros estabeleceu que não enviará mais mensagens para funcionários fora do expediente e também criou regras com horários para uso do e-mail corporativo.
Acordo em convenção coletiva
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de TI (Sindpd) do Estado de São Paulo, Antonio Neto, informa que as regras e controle da jornada dos profissionais remotos entrará na pauta convenção coletiva da categoria que está em negociação este mês. Ele destaca que é importante que os empregadores definam essas questões, pois os acordos não poderão ser feitos individualmente, entre as companhias e os funcionários.
Neto afirma as companhias são as mais interessadas em definir as regras para evitar ônus na Justiça. Ele considera que estabelecer controles de jornada dos profissionais online não será difícil, pois o horário pode ser medido a partir do momento em que eles se logam à rede ou aos sistemas corporativos utilizados para realizar suas tarefas.
Na sua opinião, a maior dificuldade será contabilizar o tempo dos que trabalham offline, como é o caso dos desenvolvedores de software. Eles vão dizer que levam determinado tempo e a empresa poderá aceitar ou não, abrindo uma discussão sobre essa questão.
Neto avalia que a nova lei é um avanço no Brasil e observa que em países da Europa, por exemplo, existe até associações de teletrabalho. Ele espera que os empregadores fiquem mais atentos com a jornada de trabalho dos profissionais remotos. O presidente do Sindpd acha até que para que elas não arquem com custos de hora extras poderão adotar sistemas que travam, por exemplo, o e-mail corporativo para que as mensagens sejam disparadas no horário comercial ou de acordo com o que ficou estabelecido com o funcionário.
“Concordamos com a necessidade de regras para evitar arbitrariedade”, diz Luigi Mese, presidente do Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviço de Informática do Estado de São Paulo (Seprosp). Ele acha importante que este tema faça parte da convenção coletiva para evitar que funcionários cobrem hora extra por trabalhos realizados em horários que não foi autorizado. Ele afirma que o empregado que se lembrar de responder um e-mail de madrugada não poderá dizer que trabalhou fora do seu horário.
A Assespro (Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação), entidade que conta com cerca 1,4 mil companhias de TI do País, ainda não mediu o impacto da nova lei no dia a dia das associadas. “O setor de TI tem muitos home offices e a nova lei só veio regulamentar algo que já era um costume”, diz Luís Mário Luchetta, presidente da Assespro.
Segundo o executivo, praticamente todas as associadas da Assespro têm profissionais trabalhando remotamente. Ele cita o exemplo dos gerentes de projetos e dos desenvolvedores de software. Ambos não dependem de local físico para realizar suas tarefas.
“Certamente a medida trará impacto para o setor”, avalia Luchetta, informando de o departamento jurídico da entidade está analisando a nova lei para saber que meios as empresas vão adotar para cumprir as novas exigências, sem correr riscos de serem acionadas na Justiça.